Por: PAULO MOREIRA LEITE, em sua coluna de Época
Nossos crocodilos ficaram sentimentais. Em toda parte vejo lágrimas que acompanham os votos que condenam José Genoino.
Na imprensa, em conversas com amigos, ouço o comentário, em tom de solidariedade. Parece consciência pesada, em alguns casos.
Não estamos diante de um melodrama mas de uma tragédia.
Genoino está sendo condenado num
julgamento marcado por incongruências, denuncias incompletas e
presunções de culpa que começam a incomodar estudiosos e acadêmicos. Foi
isso que explicou Margarida Lacombe, professora de Direito da UFRJ, em
comentário na Globo News. Sem perder suavidade na voz, a professora
falou sobre necessidade de provas contundentes quando se pretende privar
a liberdade de uma pessoa. Não falou de casos concretos, não criticou.
Fez o melhor: informou. Lembrou como esse ponto – a liberdade – é
importante.
Vamos começar.
O STF que está condenando Genoino absolveu Fernando Collor com o argumento de “falta de provas.”
É o mesmo STF que, em tempos muito mais
recentes, impediu que o país apurasse, investigasse e punisse a tortura
ocorrida no regime militar.
Então ficamos assim. José Genoino,
vítima da tortura que o STF impediu que fosse apurada, será condenado
por corrupção, ao contrário de Fernando Collor.
Parece o Samba do Crioulo Doido do
Stanislaw Ponte Preta. É. Mas não é o texto. E a “realidade brasileira”,
como se dizia no tempo em que a polícia política perseguia militantes
como Genoino.
Não há provas materiais contra Genoino e
tudo que se pode alegar contra ele é menos consistente do que se
poderia alegar contra Collor. Mas as provas da tortura são abundantes.
Estão nos arquivos do Brasil Nunca Mais e em outros trabalhos. Foram
arrancadas na dor, no sofrimento, na porrada, no sangue e, algumas
vezes, na morte. Em plena ditadura, 1918 vítimas da tortura deixaram
registros dessa violência nos arquivos da Justiça Militar. Nenhuma foi
apurada e, se depender da decisão do STF, nunca será.
Collor foi beneficiado porque provas
muito contundentes contra ele foram anuladas. Considerou-se, na época,
que a privacidade do tesoureiro PC Farias havia sido violada quando a
Polícia Federal quebrou o sigilo de um computador que servia ao esquema.
Essa decisão – em nome da privacidade — salvou Collor.
Você pode dizer que os tempos eram
outros e que agora não se aceita mais tanta impunidade. Aceita-se. Basta
lembrar que, na mesma época, o mensalão do PSDB-MG virou fumaça na
Justiça Comum. E quando Márcio Thomaz Bastos tentou mudar o julgamento
do mensalão federal, alegou-se que era no STF que os crimes graves são
punidos.
Vamos continuar.
Genoino está sendo condenado porque “não
é plausível” que não soubesse do esquema. “Plausível”, informa o
Houaiss, é sinônimo de aceitável, razoável. Olha o tamanho da
subjetividade, da incerteza.
Isso porque ele assinou o pedido de
empréstimo de R$ 3,5 milhões para o Banco Rural e por dez vezes refez o
pedido. Não é plausível imaginar que um presidente do PT fizesse tudo
isso sem saber de nada, acreditam três ministros do Supremo.
Mas fatos que são líquidos e certos não comoveram a acusação com a mesma clareza.
O empresário Daniel Dantas deu R$ 3,5
milhões para amolecer Delúbio Soares e Marcos Valério e cair nas graças
do esquema. Não foram R$ 3,5 milhões subjetivos mas inteiramente
objetivos.
Um pouco mais tarde, seu braço direito
Carla Cicco assinou um contrato de R$ 50 milhões com as agências de
Marcos Valério para transformar a turma do PT em geléia. Chegaram tarde.
Depois de pagar a primeira prestação, a casa caiu e eles suspenderam o
pagamento.
Como não gosto de pré-julgar, não acho
que Daniel Dantas seja culpado por antecipação. Não acho mesmo. Vai ver
que estava tudo lá, bonitinho. Também podia ser ajuda para o Fome Zero
rsrsrsrsrs
Ou quem sabe fosse tudo para Valubio.
Mas não teria sido melhor que ele fosse ouvido no tribunal, para mostrar sua inocência?
Não teria sido uma forma de mostrar que a Justiça é cega?
Mas ela não foi.
O esquema privado do mensalão, informa a CPMI, chegou a R$ 200 milhões. Quantos empresários foram lá, dar explicações? Nenhum.
Alguém acha plausível, aceitável, razoável, que fossem inocentados por antecipação?
Não há nada “plausível” que se possa fazer com R$ 200 milhões?
Só a Telemig, que pertencia ao grupo
Opportunity, de Daniel Dantas, entregou mais dinheiro às agências de
Valério do que o Visanet, que jogou o petista Henrique Pizzolato na vala
dos condenados logo nos primeiros dias.
O que é plausível, neste caso?
Nós sabemos – e ninguém duvida disso –
que Genoino fazia política o tempo inteiro. Fez isso a vida toda, com
tamanha inquietação que, numa fase andou pela guerrilha do Araguaia e,
em outra, ficou tão moderado que parecia que ia preencher ficha de
ingresso no PSDB.
Chegou a liderar um partido revolucionário à esquerda do PC do B e depois integrou as correntes mais à direita do PT.
Então vamos lá. É plausível imaginar que
Genoino tenha ido atrás de recursos de campanha? Sim. É plausível e até
natural. Basta deixar de ser hipócrita para compreender. Política se
faz com quadros, imprensa, propaganda, funcionários. Isso custa
dinheiro.
Isso fez dele um dirigente que subornava adversários para convencê-los a mudar de lado, como quer a acusação? Não.
Eu não acho plausível, nem aceitável nem razoável. Duvido inteiramente, aliás.
E se eu tiver errado, quero que me
provem – de forma clara, contundente. Sem essas suposições, sem um
quebra-cabeças que joga com a liberdade humana.
Sem fogueira de tantas vaidades.
Não chore por nós Genoino.
Alegou-se que a tortura não poderia ser apurada para preservar a transicão democrática.
A democracia avançou, as conquistas foram imensas. Mas os perseguidos, no fundo, bem no fundo, são os mesmos.
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