É capítulo da sucessão presidencial este que se escreve na queda de braço das medidas provisórias do setor elétrico.
A presidente, que se prepara para a
reeleição, prefaciou a renovação de seu mandato com a demissão em série
de ministros no primeiro semestre de seu governo. Era a imagem de uma
governante que não tergiversa com a corrupção que começava a ser
construída.
Pressionada durante o julgamento do
mensalão, não quis macular essa imagem com atitudes que pudessem ser
debitadas em condescendência com mensaleiros.
Até quando foi citada pelo hoje presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, em voto condenatório, Dilma Rousseff limitou-se a emitir nota protocolar.
Emendou no capítulo seguinte a política de
redução de juros. Alvo de acusações de que jogou no lixo o tripé
(câmbio flutuante, juros altos e superávit primário), que garantiu a
estabilidade da moeda, manteve a política. Dobrou a maioria dos incautos
e ganhou o verniz de enfrentamento dos banqueiros.
A cruzada pela redução das tarifas de
energia parece mais uma página desta Dilma Rousseff dura e inflexível em
defesa do interesse público. É isso também, mas não só.
Se o interesse maior fosse a redução de
tarifa, o governo teria encabeçado pressão pela devolução dos R$ 7
bilhões que, por um erro de cálculo da Aneel, foram cobrados a mais nas
contas de energia durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Mais determinantes parecem ter sido a
insatisfação da presidente com a ineficiência do setor, seu reduzido
volume de investimentos e a pressão pelo aumento de produtividade da
economia encabeçada por grandes consumidores de energia que já ameaçavam
deixar o país se não houvesse redução de custo.
Se as causas se encontram nesse
emaranhado, as consequências extrapolam para a política. As MPs do setor
elétrico atingem de chofre aquele que é, até o momento, o único
candidato declarado da oposição em 2014.
O senador Aécio Neves enfrenta, com essa
MP, um ataque em forma e conteúdo. Ao se expor contra a medida é
enredado pelo discurso de que se opõe à redução das tarifas de energia.
O governador de Pernambuco, Eduardo
Campos, que apesar de se manter no campo das cogitações, divide com
Aécio os holofotes de 2014, expôs-se muito menos. Apesar de a Chesf,
além de sediada no Recife, estar sob sua esfera de influência política,
não se registram arroubos do governador contra o choque de arrochos que
virão por aí na concessionária.
O peso da Cemig para o Estado talvez seja a
explicação. Nenhuma empresa traduz tanto os caminhos políticos de
Minas. Quando o ex-governador Eduardo Azeredo pôs os ativos da Cemig à
venda mostrou suas afinidades com a onda privatizante do governo
correligionário de Fernando Henrique Cardoso.
A iniciativa contribuiu, em grande parte,
para sua derrota à reeleição. Azeredo se indispôs com a tradição mineira
do Estado indutor, simbolizada na figura de Juscelino Kubitschek e
responsável, por exemplo, pela participação do governo de Minas como
acionista da Fiat até meados dos anos 1980.
Azeredo perdeu para Itamar Franco, que
tomou o enfrentamento com os acionistas estrangeiros da Cemig como uma
das principais cruzadas de seu governo.
Itamar foi à Justiça para retomar o
controle sobre a empresa. Ao sucedê-lo, Aécio bateu às portas do Palácio
do Planalto para pedir que o BNDES encampasse a fatia da AES na Cemig.
O governador tucano sempre fez questão de
marcar suas diferenças em relação aos correligionários paulistas, que
fatiaram e venderam grande parte de seu sistema elétrico.
Com Aécio, a Cemig não parou de se
expandir. Saiu comprando ativos Brasil afora, sendo a Light, do Rio, o
maior deles. Hoje tem 114 empresas, participa em 14 consórcios e atua em
23 Estados. Montou a maior rede de distribuição do continente, está nos
consórcios de Santo Antônio e Belo Monte, e constrói gasoduto em
parceria com a Petrobras.
Essa expansão não apenas elevou o valor de
mercado da empresa como aumentou o poder de fogo da principal liderança
política do Estado.
É em defesa desses ativos que Aécio se
insurge. Desde o anúncio das MPs, a Cemig não para de perder valor de
mercado. O senador pode conseguir minorar a derrota na negociação
parlamentar mas a vitória de suas teses no Congresso é hoje uma hipótese
improvável.
Uma das mais veementes é aquela que se
insurge contra a assinatura dos contratos antes de aprovadas as medidas
provisórias. Argumenta que o governo, ao impor adesão com base em MPs
ainda não aprovadas, reduz o Congresso à chancela dos atos do Executivo.
Como a defesa das prerrogativas do Legislativo parece não estar no topo
das prioridades da opinião pública, é possível que o senador mineiro
caminhe para a derrota no primeiro turno desta pré-campanha de 2014.
Os ministros Luiz Fux e Teori Zavascki
foram indicados pela presidente Dilma Rousseff. Os ministros expressam
visões distintas sobre a independência dos Poderes. Ao saudar a posse do
ministro Joaquim Barbosa na presidência do Supremo, Fux fez uma
aguerrida defesa das prerrogativas do Judiciário em assegurar, "pela
força dos argumentos", os direitos daqueles que se veem preteridos pelo
conflito de interesses abrigado no Legislativo.
Nesta semana, antes de tomar posse como
ministro do Supremo, Zavascki foi na outra direção: "O juiz, às vezes,
tem que tomar decisões impopulares. Quem tem que aferir a vontade do
povo é quem faz as leis".
O julgamento do mensalão pode ter levado o
governo a enxergar em Zavascki um dique de contenção ao ativismo
judicial. Mas a decisão de promover a assinatura de contratos antes que a
lei que os regerá seja aprovada demonstra que a Presidência da
República aposta mesmo é no ativismo do Executivo.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política
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