Guerrilheiro Virtual

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

“A VOTAÇÃO NA ONU LEGITIMOU O STATUS QUO RACISTA” [CONTRA OS PALESTINOS]

As contínuas e incompreensivelmente impunes invasões e apropriações da Palestina (em verde) pelos israelenses

Por Joseph Massad, no jornal inglês “The Guardian”

Joseph Massad

“Dia 29/11/1947, a Assembleia Geral da ONU votou e aprovou a divisão da Palestina entre os palestinos nativos e colonos judeus majoritariamente europeus. O plano de partição assegurava aos colonos (1/3 da população) 57% da terra; e aos habitantes originais (2/3 da população) somente 43%.

No dia seguinte, 30/11, os colonos iniciaram a conquista militar da Palestina, expulsando de lá centenas de milhares de palestinos. Declararam seu Estado no dia 14/5/1948. Dos 37 judeus que assinaram a “Declaração do Estabelecimento do Estado de Israel”, apenas um era nascido na Palestina, o marroquino Behor Chetrit.

Os palestinos rejeitaram o plano, que os expropriava de terras suas. Exércitos árabes intervieram para fazer parar a expulsão dos nativos, mas falharam, e mais centenas de milhares de palestinos foram expulsos. Os colonos “conquistaram o território” a eles atribuído pelo plano de partição da ONU, e “plus” metade do território que a ONU atribuíra aos palestinos.

O plano de partição estipulava que até 47% da população do Estado judeu seria composta de árabes; e que a população do Estado árabe teria menos de 1% de judeus. O plano insistia em que os dois Estados ficavam proibidos de expulsar ou discriminar contra suas minorias. Para a ONU, “Estado judeu” significava Estado que pregava e defendia o nacionalismo judeu, sem discriminar contra não judeus; e a definição de “Estado judeu” e “Estado árabe” não permitia limpeza étnica, razão pela qual os colonos [não-]judeus a aceitaram imediatamente. Mas, desde então, os colonos e seus descendentes insistem em que, para eles, o “Estado judeu” pode discriminar, mediante leis e políticas, contra, por exemplo, não judeus; e promovem “limpeza étnica”.

A ONU afirmou o direito dos refugiados, de retornar às próprias casas e receberem compensação pelas perdas; Israel recusa-se a cumprir o que a ONU afirmou. Depois que Israel ocupou 22% da Palestina restante, em 1967, e estabeleceu mais colônias nos territórios ocupados, mais resoluções foram aprovadas na ONU, de condenação às violações pelos israelenses, da lei internacional.

Em 1974, a ONU reconheceu a “Organização para a Libertação da Palestina” (OLP) como única representante legítima dos palestinos. Desde então, a ONU várias vezes reiterou o compromisso com as resoluções aprovadas desde 1948, e conclamou Israel a reverter as medidas ilegais implantadas por sucessivos governos israelenses.

Depois dos “Acordos de Oslo” de 1993, a OLP foi marginalizada, e a “Autoridade Palestina” (AP) foi reconhecida como representante dos palestinos da Cisjordânia e de Gaza (mas não dos palestinos habitantes de Jerusalém Leste, embora eles também votassem nas eleições em área da “Autoridade Palestina”).

Depois de 2007, a “Autoridade Palestina” deixou de representar os palestinos de Gaza, que passaram a ser representados pelo “Hamás” eleito. O novo projeto da “Autoridade Palestina” passou a ser estabelecer um miniestado, em território não contínuo na Cisjordânia e sem soberania. Esse projeto logo entrou em dificuldades, porque Israel não interrompeu a [invasão e] colonização ilegal da Cisjordânia (e de Jerusalém Leste). Cessaram as negociações, o que deixou a “Autoridade Palestina” sem qualquer legitimidade ou objetivo final real que explicasse sua existência.

Semana passada, a Assembleia Geral da ONU votou a favor de a Palestina ser admitida como “Estado observador”. Por mais que alguns digam que não, a nova situação mina ainda mais o status da OLP na ONU: a OLP representava todos os palestinos; a Autoridade Palestina só representa os habitantes da Cisjordânia.

O reconhecimento também diminui geograficamente o Estado palestino, que passa, dos 43% da Palestina histórica assegurados pelo plano de partição inicial [pela ONU, em 1947], para menos de 18% do território original (e, provavelmente, para 10%, se se descontarem as anexações, colônias, áreas militares etc.); e reduziu a população palestina, de cerca de 12 milhões, para 2,4 milhões de habitantes da Cisjordânia, 40% dos quais ali vivem como refugiados.

A votação não passa, na essência, de uma atualização do plano de partição de 1947, posto que, agora, a ONU garante aos colonos judeus e seus descendentes 80-90% da Palestina, deixando o restante aos habitantes originários; e há alta probabilidade de o plano, agora reconhecido pela ONU, cancelar o direito de retorno dos refugiados.

Uma pequena minoria de nativos da Cisjordânia (cerca de 1,3 milhões de pessoas), pelos quais a “Autoridade Palestina” diz falar, ganhará da ONU status de “Estado-sob-ocupação”; e os refugiados palestinos que vivem na Cisjordânia (1 milhão de pessoas), além dos 6 milhões de outros refugiados, correm o risco de perder o direito de retorno.

Ao reconhecer um Estado palestino diminuído, o voto da ONU, de fato, abandona a interpretação original da ONU, pela qual “o estado judeu” não teria direito de discriminar e estava impedido de promover limpeza étnica contra não judeus. O novo arranjo abençoa Israel e a leitura israelense do que seja um “estado judeu” e tudo o que essa leitura implica: a saber, a atual, real e existente discriminação, por lei e por políticas; e a limpeza étnica que Israel pratica. Tudo isso passa a ser aceitável. Já quase, na prática, é tudo legal.

A evidência de que a “atualização” tenha acontecido também num 29 de novembro – data do primeiro plano de partição – contribui para demarcar a mesma data como data de repetidas derrotas dos palestinos, que continuam a sofrer sob as leis colonialistas de Israel. A data marca a repetição, também, do crime e da culpa da ONU, que nega outra vez, aos palestinos, seus direitos humanos básicos de não serem expropriados de suas propriedades e de não serem alvo de práticas racistas.

Mas, de garantido, é que os palestinos, cuja maioria não é representada pela “Autoridade Palestina”, não se renderão ao novo plano de partição, como nunca se renderam ao primeiro plano. Os palestinos continuarão a resistir contra o colonialismo israelense, até derrotá-lo, e até que Israel, afinal, se converta em estado para todos os seus cidadãos, todos com direitos iguais e assegurados, independente de nacionalidade, origem étnica ou religião.”

FONTE: escrito por Joseph Massad, no jornal inglês “The Guardian”, sob o título original “The UN vote to recognise Palestine legitimises a racist status quo”. O autor é professor associado de Política Moderna e História Intelectual Árabes, na Columbia University, USA. Artigo traduzido pelo “pessoal da Vila Vudu” e transcrito no blog “Redecastorphoto”  (http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2012/12/resistencia-palestina-2012-votacao-na.html).
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

”Sendo este um espaço democrático, os comentários aqui postados são de total responsabilidade dos seus emitentes, não representando necessariamente a opinião de seus editores. Nós, nos reservamos o direito de, dentro das limitações de tempo, resumir ou deletar os comentários que tiverem conteúdo contrário às normas éticas deste blog. Não será tolerado Insulto, difamação ou ataques pessoais. Os editores não se responsabilizam pelo conteúdo dos comentários dos leitores, mas adverte que, textos ofensivos à quem quer que seja, ou que contenham agressão, discriminação, palavrões, ou que de alguma forma incitem a violência, ou transgridam leis e normas vigentes no Brasil, serão excluídos.”