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terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Como vivem hoje os "comunistas" da lista do general Sylvio Frota

Em 1977, uma briga na cúpula da ditadura resultou na divulgação de uma lista com os “comunistas infiltrados” no serviço público, entre eles Dilma Rousseff
Como vivem hoje os "comunistas" da lista do general Sylvio Frota Diego Vara/Agencia RBS
Gonzalez, Nique, Marinês, Calino e Ziulloski (da esq. para dir.) estavam na lista do general Sylvio Frota  Foto: Diego Vara / Agencia RBS
Para eles, o pior já havia passado. Depois da prisão, da tortura e da perseguição política aos movimentos de esquerda no Brasil, um grupo de funcionários públicos do Rio Grande do Sul parecia ter retomado a vida profissional e acadêmica quando uma briga entre o presidente Ernesto Geisel e o ministro do Exército, general Sylvio Frota, 35 anos atrás, mudou os seus destinos.

Assista ao vídeo:
 
Demitido por Geisel, Frota caiu atirando. Um dos disparos foi a divulgação de uma lista nacional com os nomes de comunistas supostamente infiltrados em órgãos públicos. A relação resultou, no Rio Grande do Sul, na demissão de quatro economistas e um médico. Entre eles, a agora presidente da República, Dilma Rousseff.
Expoente da ala mais dura do Exército no final da década de 1970, o general pretendia suceder Geisel na Presidência. Em 1977, o país passava pelo processo de abertura política, e a divulgação do documento foi uma tentativa de convencer o setor militar mais conservador a tirar o presidente do poder, afinal, a presença de subversivos na máquina pública era vista como uma grande ameaça para o regime. A demissão de Frota ocorreu em outubro de 1977, mas a lista com 97 nomes veio à tona em novembro daquele ano, publicada pelos principais jornais do país.
A relação com os nove servidores do Estado trazia os nomes, codinomes, a ficha de crimes cometidos por eles e o cargo que ocupavam. Criada em 1973, a Fundação de Economia e Estatística (FEE) abrigava Dilma, Walter Nique, Calino Ferreira Pacheco, Marinês Grando e Hélios Puig. Deste grupo, apenas Marinês não foi demitida, porque estava fora do país no momento da divulgação.
— Naquela época, quem tinha ficha no Dops encontrava muita dificuldade para conseguir emprego. Já tínhamos vivido isso antes de entrar na FEE, e, com as demissões, essa situação retornou depois — lembra Calino.
Sem perspectivas a curto prazo, os demitidos se dedicaram à carreira acadêmica. Dilma, por exemplo, foi fazer mestrado em Campinas. Walter Nique se mudou para a França, onde tornou-se doutor em Economia. O professor Hélios Puig foi dar aula em Caxias do Sul, Canoas e Santa Cruz do Sul.
A perseguição continuou durante a década de 1980. Sob a alegação de que estaria disseminando a ideologia comunista aos estudantes, Puig foi monitorado pelo regime e demitido de todas as universidades.
O médico Carlos Avelino Brasil, que trabalhava na Secretaria Estadual da Saúde, também foi dispensado. Só escapou de perder o emprego quem trabalhava na Assembleia Legislativa. Debaixo do guarda-chuva do MDB, o advogado Paulo Ziulkoski — hoje presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) — e o economista Paulo de Tarso Loguercio Vieira foram mantidos em seus cargos. O jornalista Carlos Cunha Contursi, que morreu em 1998, chefiava a assessoria de imprensa da Assembleia e também continuou.
Trinta e cinco anos após a publicação da lista, integrantes dela reconhecem que as demissões, embora consideradas por eles arbitrárias, tiveram reflexos positivos nas suas trajetórias. A ausência de mágoas com relação ao episódio também é explicada pelo retorno dos demitidos à FEE na década de 1990. Dilma Rousseff virou presidente da Fundação. Calino e Puig voltaram como técnicos. Apenas Walter Nique não retomou um cargo. Mas, em 1991, como secretário de Planejamento no governo Collares, ele empossou Dilma na função de presidente da fundação, numa cerimônia que simbolizou a volta por cima daqueles que haviam sido expurgados de lá pelos militares.
— Foi um momento muito bonito, porque dei posse a ela na mesma mesa em que eu trabalhava — afirma o ex-colega Nique.
Quem estava na lista:
Nique empossou Dilma na presidência da FEE em 1991 (FOTO: Valdir Friolin, Agência RBS/BD)
DILMA VANA ROUSSEFF
Para quem foi presa e torturada, a demissão de um cargo público foi apenas mais um dos episódios vividos por Dilma Rousseff. Havia ingressado na FEE como estagiária, em 1976. Foi a sua primeira atividade remunerada após a prisão. Efetivada em 1977, perdeu o emprego após a divulgação da lista.
– Os milicos começaram a botar os olhos na FEE e viram que tinha um monte de esquerdistas lá. Muitos tinham saído da cadeia havia pouco tempo – conta o economista Calino Pacheco.
A exemplo dos colegas que retomaram os seus cargos na década de 1990, Dilma voltou à FEE, mas como presidente da fundação.
– Essa é a grande ironia da história – brinca Calino.
Para Dilma, o fato representou uma vitória política. Antes perseguida pelos militares até ser demitida, conseguiu ficar quase três anos no comando do órgão.
O médico e ex-militante da VAR-Palmares, Carlos Avelino Brasil, não se importa de não conseguir mais falar com Dilma desde que ela assumiu a Presidência. A eleição da mineira, analisa ele, é uma vitória para quem teve o nome divulgado na lista do general Frota:
– Não nos destruíram, né?
CARLOS AVELINO FONSECA BRASIL
O sorriso no rosto do ex-militante da VAR-Palmares Carlos Avelino Fonseca Brasil, 73 anos, se abre ao lembrar, em tom desafiador, que ele e os outros integrantes da lista do general Frota superaram a perseguição.
Médico, ele trabalhava na coordenação do departamento de combate à tuberculose, vinculado à Secretaria da Saúde, quando teve o nome divulgado. Foi demitido pelo titular da pasta, Jair Soares. Pediu explicações, mas sequer foi recebido.
– Sou grato ao Germano Bonow. Ele me disse por que estava sendo demitido. Ele me explicou que era uma ordem de cima – conta.
Depois de passar a maior parte dos anos 1980 clinicando no Mato Grosso do Sul, voltou a Porto Alegre em 1990, quando retomou o cargo de funcionário público:
– Era uma necessidade minha do ponto de vista moral e ético. Do ponto de vista profissional, não precisava voltar. Vim para assumir a minha cidadania.
Com uma fala serena, garante não guardar mágoas do episódio.
– Nossa ideologia não é mais revolucionária como era na época, mas com um viés social para a classe trabalhadora. Dilma representa o que queríamos para o Brasil – orgulha-se.
Walter Nique foi o único que não retomou um cargo após a divulgação da lista (FOTO: Ricardo Duarte, Agência RBS)
WALTER MEUCI NIQUE
Enquanto caminhava pela calçada da Rua Siqueira Campos, em Porto Alegre, naquela quinta-feira, 24 de novembro de 1977, o economista Walter Nique deparou com uma notícia que mudaria a sua vida. No elevador do prédio onde trabalhava, na FEE, recebeu o alerta. 
– Você já leu o jornal de hoje? Sugiro que dê uma olhada.
Na edição de ZH daquele dia, constava a lista divulgada pelo general Sylvio Frota. Foi mantido por um tempo, antes de ser demitido:
– Era uma pressão psicológica. Colegas evitavam falar comigo.
Pressionado, pediu demissão da UFRGS, onde dava aulas, e decidiu estudar na França. Após o doutorado, voltou ao Brasil e à universidade nos anos 1980. Na década seguinte, como secretário do Planejamento, teve a oportunidade de empossar a nova presidente da FEE, Dilma Rousseff.
– Foi um momento muito bonito, porque dei posse a ela na mesma mesa em que eu trabalhava. Essa mesa estava no Piratini, depois foi para os Programas Especiais de Governo e, por fim, foi parar na FEE. Foi uma sensação muito boa, porque sofremos um bocado ali.
Hélios Puig Gonzalez voltou ao Estado na década de 1980 e retornou à FEE em 1990 (FOTO: Tadeu Vilani, Agência RBS)
HÉLIOS PUIG GONZALEZ
Preso em março de 1977 quando morava em uma república de estudantes, o técnico da FEE Hélios Puig Gonzalez ficou sabendo da sua inclusão na lista do general de dentro da cadeia. Meses depois, tentou retornar ao cargo na fundação, mas foi impedido.
– Argumentei que era apenas um inquérito policial, que não daria em nada. O meu coordenador disse que eu não poderia voltar. Me deu uma carta dizendo que o meu trabalho era bom, e tchau – conta.
Recém-formado em Economia, embarcou no Fusca que havia comprado ainda antes da prisão e foi para Santa Catarina estudar. Cursou mestrado em Florianópolis e, na década de 1980, voltou ao Estado.
Chegou a dar aulas em três universidades, mas foi dispensado de todas. Em uma delas, teve uma aula gravada por agentes infiltrados: 
– Mesmo com o SNI (Serviço Nacional de Informações) dissolvido, eles continuavam me vigiando.
Em 1990, retornou à FEE. Teve de aceitar trabalhar com indicadores sociais, e não no setor de governo, como fazia 13 anos antes.
PAULO DE TARSO LOGUERCIO
O personagem da lista do general mais envolvido na política partidária conseguiu passar incólume pela divulgação do documento.
Ex-militante da Ação Popular Marxista Lenista do Brasil, Paulo de Tarso Loguercio Vieira era assessor na Assembleia quando os jornais publicaram a relação.
– Não fui prejudicado porque estava na Assembleia e no MDB, que era contra o governo. O MDB não iria me atirar, porque era um cara bom – gaba-se.
Mesmo sendo economista concursado do Estado, construiu sua trajetória como assessor parlamentar da sigla. Na década de 1990, a convite do então deputado Ibsen Pinheiro, foi trabalhar na Câmara dos Deputados. Ao lado da mulher e de quatro filhos, se mudou para a capital federal.
Num voo de Brasília para Porto Alegre, encontrou o ex-ministro dos Transportes Alcides Saldanha e recebeu o convite para trabalhar no ministério. De lá, assumiu um cargo no Incra. Em seguida, trabalhou no escritório da CEEE na capital federal e se aposentou.
– Agora, tenho meus três netinhos, quero curtir eles – diverte-se.
Calino Pacheco ficou fora da FEE por 12 anos (FOTO: Mauro Vieira, Agência RBS)
CALINO PACHECO FILHO
Trinta e cinco anos depois, o economista e ex-preso político Calino Pacheco lembra com detalhes da trajetória dele, de Dilma e de outros companheiros, do ingresso na FEE até o dia da demissão, em 1977.
– Eu sabia que, desde que a gente entrou na fundação, como estagiários, em 1974, existia uma lista.
A iniciativa de entrar como estagiário foi a alternativa encontrada para driblar a vigilância dos militares:
– Quando a gente saiu da cadeia, ficou muito difícil arranjar emprego. Os órgãos do setor público tinham de pegar o atestado de bons antecedentes junto ao Dops, e a gente não tinha, claro.
Após ser dispensado da FEE, Calino voltou a enfrentar o mesmo problema de antes: a dificuldade em conseguir trabalho. Foram 12 anos – primeiro como autônomo, depois como assessor da bancada do PDT – até retornar à fundação, de onde só saiu no mês passado, quando se aposentou.
– Foi uma sensação muito boa voltar. Foi o reconhecimento de uma arbitrariedade do Estado – orgulha-se.
PAULO ZIULKOSKI
Quando liderou o movimento jovem do MDB, na década de 1970, Paulo Ziulkoski tinha uma obsessão: lutar pela democratização. Em 1975, foi com os representantes do Instituto de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais (Iepes) até São Luiz Gonzaga analisar textos sobre a luta operária com os trabalhadores locais.
– No final do evento, descobri embaixo da minha mesa um fio pendurado. Na ponta, tinha uma pastilhazinha, parecia um chiclete. Trouxemos para Porto Alegre e mostrei para o Rogério Mendelski (jornalista) – conta.
Descobriu que o aparelho era usado para espionagem:
– Na época, não tinha ideia, mas era por isso que a gente era preso, por isso que eles tinham tanta informação.
Quando foi divulgada a lista, ele trabalhava como assessor do MDB. Uma das acusações era de incitar trabalhadores de Santana do Livramento contra o Exército no início dos anos 1960. 
– Só conheci Livramento em 1979. Em 1961, eu tinha 15 anos. Isso seria impossível – ironiza.
Após a democratização, Ziulkoski se tornou um dos líderes do movimento municipalista. Hoje, preside a CNM.
Marinês só não perdeu o emprego porque fazia pós-graduação na França quando da divulgação da lista (FOTO: Ricardo Duarte, Agência RBS)
MARINÊS ZANDAVALI GRANDO
A economista Marinês Zandavali Grando foi a única que não perdeu o emprego na FEE. Fazia pós-graduação em Paris quando foi avisada por um amigo que seu nome estava na lista.
– Achei que era brincadeira. Depois, fiquei com medo do que poderia acontecer quando voltasse ao Brasil.
Ao voltar ao país, reassumiu o cargo na fundação, onde se mantém até hoje. A principal lembrança se refere ao início dos anos 1970. Marinês foi presa e torturada. Era acusada de sediar, em seu apartamento, reuniões do Partido Operário Comunista. Por anos, tentou esquecer as agressões que sofreu.
– Era uma coisa que a gente que foi torturado não conseguia nem falar. Essa lembrança ficava escondida – conta ela.
Foi uma conversa com a então presidente da FEE, Dilma Rousseff, que fez Marinês pedir anistia. Havia argumentado com Dilma que as marcas que a ditadura deixou em si não eram suficientes para ingressar com o pedido. Ouviu da presidente que a sociedade devia aquele reparo a ela, também pelos danos psicológicos. Após meses de sessões com psicólogas, foi convencida.
– Devo isso a Dilma – resume.
QUEM FOI O GENERAL SYLVIO FROTA
Nascido no Rio em 1910, o general Sylvio Frota foi ministro do Exército e um dos líderes da linha dura do regime militar (1964-1985). Perdeu o cargo quando articulava candidatura para substituir o presidente Ernesto Geisel. Frota morreu 1996.
Juliano Rodrigues No Zero Hora

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