Kiko Nogueira no DCM
Para ajudar os leitores, preparamos perguntas e respostas sobre o complicado ministro do Supremo.
E eis que o ministro Gilmar
Mendes está metido em mais uma controvérsia. Para ajudar os leitores do
Diário a se situarem, montamos um grupo de perguntas e respostas sobre
Gilmar.
Quem indicou Gilmar Mendes para o STF?
Fernando Henrique Cardoso.
Como a indicação de Gilmar Mendes para o STF foi recebida por juristas ilibados?
No dia 8 de maio de 2002, a Folha
de S. Paulo publicou um artigo do professor Dalmo Dallari, a propósito
da indicação de Gilmar Mendes para o Supremo Tribunal Federal, sob o
título de Degradação do Judiciário.
Qual era o ponto de Dallari?
“Se essa indicação vier a ser
aprovada pelo Senado”, afirmou Dallari, “não há exagero em afirmar que
estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o
combate à corrupção e a própria normalidade constitucional.”
Por quê?
Gilmar, segundo Dallari,
especializou-se em “inventar” soluções jurídicas no interesse do
governo. “Ele foi assessor muito próximo do ex-presidente Collor, que
nunca se notabilizou pelo respeito ao direito”, escreveu Dallari. ”No
governo Fernando Henrique, o mesmo Gilmar Mendes, que pertence ao
Ministério Público da União, aparece assessorando o ministro da Justiça
Nelson Jobim, na tentativa de anular a demarcação de áreas
indígenas. Alegando inconstitucionalidade, duas vezes negada pelo STF,
“inventaram” uma tese jurídica, que serviu de base para um decreto do
presidente Fernando Henrique revogando o decreto em que se baseavam as
demarcações. Mais recentemente, o advogado-geral da União, derrotado no
Judiciário em outro caso, recomendou aos órgãos da administração que não
cumprissem decisões judiciais.”.
Como Gilmar, no cargo de advogado- geral da União, definiu o judiciário brasileiro depois de suas derrotas judiciais?
Ele fez uma afirmação textual segundo a qual o sistema judiciário brasileiro é um “manicômio judiciário”.
Como os juízes responderam a isso?
Em artigo publicado no “Informe”,
veículo de divulgação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, um
juiz observou que “não são decisões injustas que causam a irritação, a
iracúndia, a irritabilidade do advogado-geral da União, mas as decisões
contrárias às medidas do Poder Executivo”.
Havia alguma questão ética contra Gilmar quando FHC o indicou?
Sim. Em abril de 2002, a revista
“Época” informou que a chefia da Advocacia Geral da União, isto é,
Gilmar, pagara R$ 32.400 ao Instituto Brasiliense de Direito Público –
do qual o mesmo Gilmar é um dos proprietários – para que seus
subordinados lá fizessem cursos.
O que Dallari disse desse caso?
“Isso é contrário à ética e à
probidade administrativa, estando muito longe de se enquadrar na
“reputação ilibada”, exigida pelo artigo 101 da Constituição, para que
alguém integre o Supremo”, afirmou Dallari.
Em outros países a indicação de juízes para o STF é mais rigorosa?
Sim. Nos
Estados Unidos, por exemplo, um grande jurista conservador, Robert
Bork, indicado por Reagan, em 1987, foi rejeitado (58 votos a 42),
depois de ampla discussão pública.
Como o Senado americano tratou Bork?
Defensor declarado dos trustes,
Bork foi arrasado pelo senador Edward Kennedy A América de Bork – disse
Kennedy – será aquela em que a polícia arrombará as portas dos cidadãos à
meia-noite, os escritores e artistas serão censurados, os negros
atendidos em balcões separados e a teoria da evolução proscrita das
escolas.
O caso foi tão emblemático que to bork passou
a ser verbo. Mais tarde, em outubro de 1991, o juiz Clarence Thomas por
pouco não foi rejeitado, por sua conduta pessoal. Aos 43 anos, ele foi
acusado de assédio sexual – mas os senadores, embora com pequena margem a
favor (52 votos a 48), o aprovaram, sob o argumento de que seu
comportamento não o impedia de julgar com equidade.
Na forte campanha contra sua
indicação as associações femininas se destacaram. E o verbo “borquear”
foi usado por Florynce Kennedy, com a sua palavra de ordem “we’re going
to bork him”.
Já no Supremo, Gilmar continuou a agir contra os interesses dos índios, como fizera antes?
Sim. Em 2009, o governo cedeu aos
guaranis-caiovás a terra que eles ocupavam então. Em 2010, o STF, então
presidido por Gilmar Mendes, suspendeu o ato do governo, em favor de
quatro fazendas que reivindicam a terra.
A mídia tem cumprido seu papel de investigar Gilmar?
Não, com exceção da Carta
Capital. Na edição de 8 de outubro de 2008, a revista revelou a ligação
societária entre o então presidente do Supremo Tribunal Federal e o
Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).
O que é o IDP?
É uma escola de cursinhos de
direito cujo prédio foi construído com dinheiro do Banco do Brasil sobre
um terreno, localizado em área nobre de Brasília, praticamente doado
(80% de desconto) a Mendes pelo ex-governador do Distrito Federal
Joaquim Roriz.
O que a Carta Capital revelou sobre o IDP?
O autor da reportagem, Leandro
Fortes, revelou que o IDP, à época da matéria, fechara 2,4 milhões em
contratos sem licitação com órgãos federais, tribunais e entidades da
magistratura, “ volume de dinheiro que havia sido sensivelmente
turbinado depois da ida de Mendes para o STF, por indicação do
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso”.
Quem dava aulas no IDP, segundo a Carta Capital?
O corpo docente do IDP era
formado, basicamente, por ministros de Estado e de tribunais superiores,
desembargadores e advogados com interesses diretos em processos no
Supremo. “Isso, por si só, já era passível de uma investigação
jornalística decente”, escreveu em seu blog o autor da reportagem. “O
que, aliás, foi feito pela Carta Capital quando toda a imprensa
restante, ou se calava, ou fazia as vontades do ministro em questão.”
O jornalista deu algum exemplo?
Sim. Na época da Operação
Satiagraha, dois habeas corpus foram concedidos por Mendes ao banqueiro
Daniel Dantas, em menos de 48 horas. Em seguida, conforme Leandro
Fortes, “a mídia encampou a farsa do grampo sem áudio, publicado pela
revista Veja, que serviu para afastar da Agência Brasileira de
Inteligência o delegado Paulo Lacerda, com o auxílio do ministro da
Defesa, Nelson Jobim, autor de uma falsa denúncia sobre existência de
equipamentos secretos de escuta telefônica que teriam sido adquiridos
pela Abin”.
Como Gilmar reagiu às denúncias?
A Carta Capital e o repórter, por
revelarem as atividades comerciais paralelas de Gilmar Mendes, acabaram
processados pelo ministro.
Mendes acusou a reportagem de lhe
“denegrir a imagem” e “macular sua credibilidade”. Alegou, ainda, que a
leitura da reportagem atacava não somente a ele, mas serviria, ainda,
para “desestimular alunos e entidades que buscam seu ensino”.
Como a justiça se manifestou sobre o processo?
Em 26 de novembro de 2010, a
juíza Adriana Sachsida Garcia, do Tribunal de Justiça de São Paulo,
julgou improcedente a ação de Gilmar Mendes e extinguiu o processo.
O que ela disse?
“As informações divulgadas são
verídicas, de notório interesse público e escritas com estrito animus
narrandi. A matéria publicada apenas suscita o debate sob o enfoque da
ética, em relação à situação narrada pelo jornalista. (…) A população
tem o direito de ser informada de forma completa e correta. (…) A
documentação trazida com a defesa revela que a situação exposta é
verídica; o que, aliás, não foi negado pelo autor.”
É verdade que Ayres Brito, que prefaciou o livro de Merval Pereira sobre o Mensalão, proferiu aula magna no IDP?
Sim.
Procede a
informação de que, em pleno Mensalão, Gilmar foi ao lançamento de um
livro de Reinaldo Azevedo em que os réus eram tratados como “petralhas”?
Sim.
E agora, como entender a crise entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso?
Nas palavras do colunista Janio
de Freitas, esta crise “não está longe de um espetáculo de circo,
daqueles movidos pelos tombos patéticos e tapas barulhentos encenados
por Piolim e Carequinha. É nesse reino que está a “crise”, na qual quase
nada é verdadeiro, embora tudo produza um efeito enorme na grande
arquibancada chamada país”.
É verdade que o Congresso aprovou um projeto que submete decisões do Supremo ao Legislativo?
Não. A Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara, como explicou Janio de Freitas, nem sequer discutiu
o teor do projeto que propõe a apreciação de determinadas decisões do
STF pelo Congresso. “A CCJ apenas examinou, como é de sua função, a
chamada admissibilidade do projeto, ou seja, se é admissível que seja
discutido em comissões e eventualmente levado a plenário”, explicou
Jânio. “A CCJ considerou que sim. E nenhum outro passo o projeto deu.”
E qual foi a atitude de Gilmar neste caso?
Ele afirmou que os parlamentares
“rasgaram a Constituição”. Isso só é equiparável, segundo Jânio, à
afirmação de Gilmar de que “o Brasil estava sob “estado policial”,
quando, no governo Lula, o mesmo ministro denunciou a existência de
gravação do seu telefone, jamais exibida ou comprovada pelo próprio ou
pela investigação policial”.
Do Amoral Nato




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