Comentário Amoral: Nunca, nos meus quase 35 anos de militância, achei que ia concordar com o Delfim!
Ex-ministro ensina ao economista-chefe do Itaú que "a política monetária não é independente das consequências sociais"
247 - Enquanto
Ilan Goldfajn pede, no Estado de S. Paulo, mais juros e recessão para
combater a inflação, o ex-ministro da Fazenda, Delfim Netto, recomenda,
no Valor Econômico, mais cautela. Leia abaixo:
Economia versus política
Por Antonio Delfim Netto
Nossa política econômica enfrenta um dilema extremamente sério. Deve
elevar, ou não, a taxa de juros real para gerar algum desemprego e,
assim, reduzir a perturbadora taxa de inflação, que teima em namorar com
o limite superior da meta inflacionária? Por um lado, é claro que se
trata de um desequilíbrio entre a oferta e a demanda globais, que
poderia ser minorado pela redução da demanda pública. Por outro, não é
menos claro que, ainda que estejamos com um baixo grau de desemprego, a
economia está crescendo muito pouco e abaixo da sua capacidade.
Isso fala a favor de uma estagnação da produtividade total dos fatores,
produzida pelo aparentemente passageiro choque de oferta da agricultura,
pelo evidente problema estrutural do mercado de trabalho, pela mudança
induzida pela taxa de câmbio no comportamento dos setores industrial e
de serviços e pela visível deterioração da infraestrutura que há três
décadas esteve abandonada.
Ainda que a relação empírica entre taxa de desemprego e a taxa de
inflação seja pouco precisa ela é, em geral, negativa. Isso sugere que a
resposta da demanda global e da oferta global ao aumento da taxa de
juros real seria no sentido de reduzir as duas, produzindo menor taxa de
inflação, menor PIB e maior desemprego.
A política monetária não é independente das consequências sociais
Devido à complexidade do nosso problema inflacionário, à visível
volatilidade da economia mundial, à esperança de que o choque de oferta
da agricultura seja corrigido pelo menos em parte pela nova safra e
diante do enorme custo social da medida, é compreensível a atitude de
cautela da autoridade monetária. O Comitê de Política Monetária (Copom)
do Banco Central não pode e não deve apressar-se, mas deve estar
preparado para implementá-la. É preciso lembrar que a redução permanente
da taxa de inflação no Brasil para limites civilizados está longe de
poder ser resolvida apenas pela manipulação da taxa Selic. Exige uma
ação coordenada de todo o governo e o suporte de toda a sociedade na
redução dos benefícios ilegítimos de que se apropriaram amplos grupos
dos setores público e privado.
Estamos vivenciando um problema antigo, que põe em confronto a economia,
ou seja, medidas econômicas razoavelmente apoiadas em construções
teóricas e pesquisas empíricas, e os problemas do seu custo social, de
que cuida a política no sentido geral. Isso se deve ao fato de que a
economia é uma disciplina que esconde suas incertezas com letras gregas e
apresenta rigor matemático, mas que, no fim e ao cabo, continuam
incertezas...
Quando contratamos um competente engenheiro para projetar uma ponte com
um dado coeficiente de ignorância, sabemos que ela vai dar conta de sua
função despachando o tráfego estimado. O processo termina com sucesso,
sem que seja necessário consultar o cimento, a areia, o ferro que
conformaram a ponte. Quando a sociedade entrega a política monetária ao
mais competente de seus economistas, cujo domínio sobre a disciplina é
indisputado, o problema é mais complexo.
As regularidades econômicas não são invariantes no tempo como as leis da
física (seu mundo não é ergódico). e os objetos de sua ação não são
ponto sem dimensão num espaço topológico. São indivíduos que aprendem,
protestam, reagem e no fim, votam! A ponte é uma obra morta e segura. A
política monetária é um jogo vivo, dinâmico e sujeito às fraquezas de
ambos os atores. Isso sugere que ela não é, e nem pode ser, independente
das suas consequências sociais, que são objeto da política em geral e,
nos regimes democráticos, da urna, em particular...
Como é evidente, nem a solução proposta por assessores econômicos, que
aviam as receitas sem consideração dos seus custos sociais, defendida
por economistas que se supõem portadores de uma "ciência monetária", nem
as propostas "sociais" sustentadas por mal disfarçada ideologia, que
ignoram as relações econômicas (por mais imperfeitas que sejam), podem
levar à construção de uma sociedade civilizada e eficiente.
Essa questão acaba de receber a contribuição de dois brilhantes
economistas. Eles estão construindo uma compreensão mais abrangente do
desenvolvimento econômico e social, incorporando à economia a história, a
geografia, a antropologia, a sociologia, a psicologia e a política, em
modelos simples e quantificáveis. O último artigo da dupla Daron
Acemoglu-James Robinson ("Economics versus Politics: Pitfalls of Policy
Advice", Fev., 2013) é rigorosamente imperdível.
O objeto do artigo pode ser resumido na proposição que "a análise
econômica deve identificar, teórica e empiricamente, as condições sobre
as quais a política e a economia entram em conflito e, então, avaliar as
ações da política econômica levando em conta tal conflito, junto com as
potenciais reações às quais ela levará".
Como em todos os seus trabalhos, os argumentos são sofisticados e
logicamente construídos. Mostram que nem sempre, apesar de ser consenso
entre os economistas, "a redução ou remoção das falhas e distorções do
mercado deve ser recomendada". Como argumentam no artigo, "essa
conclusão é muitas vezes incorreta, porque ignora a política"... e...
"reformas econômicas executadas sem um amplo entendimento das suas
consequências, em lugar de promover a eficiência, podem reduzi-la
significantemente".
Não deixem de ler a convincente análise do papel dos sindicatos (que os
economistas consideram uma "falha de mercado" e combatem) na construção
do processo democrático.
Bom apetite!
Antonio
Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda,
Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
E-mail: contatodelfimnetto@terra.com.br
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