Credite-se à elite brasileira façanhas anteriores dignas de figurar,
como figuram, nos rankings da vergonha do nosso tempo. O repertório
robusto ganhou agora um destaque talvez inexcedível em seu simbolismo
maculoso: uma rebelião de médicos contra o povo. Sim, os médicos, aos
quais o senso comum associa a imagem de um aliado na luta pela vida,
lutam hoje nas ruas do Brasil. Contra a adesão de profissionais ao
programa ‘Mais Médicos', que busca mitigar o atendimento onde ele
inexiste. A sublevação branca incluiria táticas ardilosas: uma rede de
inscrições falsas estaria em operação para inibir o concurso de
profissionais estrangeiros, sobre os quais os nacionais tem
precedência.Consumada a barragem, uma desistência em massa implodiria o
plano no último dia de inscrição. O cinismo conservador é useiro em
evocar a defesa do interesse nacional e social enquanto procede à
demolição virulenta de projetos e governos assim engajados. Encara-se o
privilégio de classe como o perímetro da Nação. Aquela que conta. O
resto é o vazio. A boca do sertão,hoje, é tudo o que não pertence ao
circuito estritamente privado. O sertão social pode começar na esquina,
sendo tão agreste ao saguão do elevador, quanto Aragarças o foi para os
irmãos Villas Boas,nos anos 40, na expedição ao Roncador. Sergio Buarque
de Holanda anteviu, em 1936, as raízes de um Brasil insulado em elites
indiferentes ao destino coletivo. O engenho era um Estado paralelo ao
mundo colonial. O interesse privado ainda prevalece sobre a coisa
pública. Mesmo quando está em questão a vida. Se a organização
humanitária ‘Médicos Sem Fronteiras' tentasse atuar no Brasil, em
‘realidades que não podem ser negligenciadas', como evoca o projeto que
ganhou o Nobel da Paz, em 1999, possivelmente seria retalhada pelo
levante dos bisturis. Jalecos evocam as fronteiras do engenho
corporativo, dentro das quais não cabem os pobres do Brasil.
(Carta Maior)
(Carta Maior)
Do Na Ilharga
Nenhum comentário:
Postar um comentário
”Sendo este um espaço democrático, os comentários aqui postados são de total responsabilidade dos seus emitentes, não representando necessariamente a opinião de seus editores. Nós, nos reservamos o direito de, dentro das limitações de tempo, resumir ou deletar os comentários que tiverem conteúdo contrário às normas éticas deste blog. Não será tolerado Insulto, difamação ou ataques pessoais. Os editores não se responsabilizam pelo conteúdo dos comentários dos leitores, mas adverte que, textos ofensivos à quem quer que seja, ou que contenham agressão, discriminação, palavrões, ou que de alguma forma incitem a violência, ou transgridam leis e normas vigentes no Brasil, serão excluídos.”