Protegidas pela imprensa e por uma
maioria esmagadora na Assembleia Legislativa, pessoas encasteladas no
governo de São Paulo desde 1995 desdenham das finanças do estado e da
vida de passageiros
SUJO E PROFUNDO
Apesar de tantas denúncias, as obras do Metrô de São Paulo nunca foram investigadas por uma CPI
Apesar de tantas denúncias, as obras do Metrô de São Paulo nunca foram investigadas por uma CPI
Não nasceram em julho, quando a
revista IstoÉ publicou reportagem sobre o caso, as denúncias da
empresa alemã Siemens de prática criminosa de cartel em diversas
licitações para o transporte ferroviário do estado. O que os executivos
da companhia detalharam ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade) envolve um esquema de pagamento de propinas para viciar
concorrências públicas desde o governo Mário Covas (1995-2001),
passando pelas administrações de José Serra (2007-2010) e de Geraldo
Alckmin (2001-2006 e desde 2011).
Datam de 2008 as primeiras de um total
de 15 representações encaminhadas ao Ministério Público Estadual e
Ministério Público Federal pela bancada petista na Assembleia
Legislativa do estado, apontando denúncias de superfaturamentos e
aditamentos de contratos. Nenhuma foi concluída. O jornalista Gilberto
Nascimento, hoje no jornal Brasil Econômico, havia revelado em 2009, em
reportagem na Carta Capital, documentos que a imprensa desprezou e
dados como novidades por jornais e TVs no início de agosto.
Nos bastidores da política, circulam
burburinhos de que as denúncias de corrupção no ninho tucano só foram
jogadas no ventilador por obra de “fogo amigo” no interior do próprio
PSDB, entre os grupos de Aécio Neves e de José Serra, que vivem em
briga de foice no túnel, ambos com muitos amigos nas redações.
Em São Paulo, contratos suspeitos
somam R$ 30 bilhões e teriam sido firmados com superfaturamento de 30% –
segundo a Siemens. Isso representaria R$ 9 bilhões, o suficiente para
pagar a construção de 20 quilômetros de metrô, nas contas dos
parlamentares da oposição. Conforme a revista, a manipulação de
licitações e a corrupção de políticos e autoridades governistas
continuaram mesmo depois do escândalo da Alstom, de 2008. A
multinacional francesa assinou 237 contratos com o estado, de 1989 a
2009, somando R$ 10,6 bilhões. Na época, o Ministério Público suíço
descobriu o pagamento de propinas do grupo a funcionários da gestão
paulista. Algo em torno de R$ 848 milhões.
A empresa foi punida em todos os
países onde aplicou a prática. Menos no Brasil. Só em abril de 2011 o
Superior Tribunal de Justiça abriu investigação sobre o – ainda –
vice-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP),
Robson Marinho, suspeito de receber propina da Alstom para conseguir
contratos adicionais. Chefe da Casa Civil de Covas entre 1995 e 1997,
ele teria movimentado US$ 3 milhões, segundo autoridades suíças.
Com a repercussão da denúncia da
Siemens, Alckmin afirmou não ter conhecimento de esquema e que, se o
caso do cartel for comprovado, “o estado é vítima”.
A denúncia ao Cade veio a público um
ano depois de um incêndio criminoso na P.A. Arquivos, em Itu (SP). A
firma de digitalização de documentos tem entre seus clientes o Metrô.
Em julho do ano passado, nove homens encapuzados roubaram dez
computadores e incendiaram o galpão. É provável que ali houvesse
documentos relacionados a irregularidades.
Em 1996, para alavancar a campanha de
José Serra à prefeitura, Covas retomou obras do Metrô, apesar dos
contratos considerados irregulares e superfaturados pelo Ministério
Público e pelo TCE. Na época, o tribunal apontava favorecimento a
empreiteiros na construção do trecho Clínicas-Vila Madalena, da Linha
Verde. Em 1998, Covas apresentou os trens da espanhola Renfe, que os
“doou” ao estado com a condição de receber R$ 93,2 milhões por um
contrato para reforma e adaptação.
Em abril de 2004, o TCE suspendeu a
continuidade da licitação da Linha Amarela, com obras estimadas em R$
786 milhões. Dos sete consórcios aptos à disputa, venceram o Via
Amarela, formado pela CBPO, OAS, Alstom e Queiroz Galvão; e o Camargo
Corrêa, com Siemens, Mitsui e Andrade Gutierrez.
Três anos depois, sete pessoas
morreram quando uma cratera se abriu próximo às obras da estação
Pinheiros. Dezenas de representações foram encaminhadas ao Ministério
Público, que em novembro de 2008 já contabilizava mais de 20 inquéritos
para apurar irregularidades em contratos com a Alstom. Dezesseis
desses inquéritos eram para investigar a CPTM, que em 2005 assinou
contratos de R$ 50,7 milhões com a multinacional francesa. Inquéritos,
arquivados por falta de provas, foram reabertos.
Tristes coincidências
A longa temporada de suspeitas
coincide com um período em que a população passou a ser cada vez mais
prejudicada por acidentes e panes no transporte paulista. O Metrô, que
durante muitos anos foi símbolo de qualidade, não acompanhou o
crescimento da demanda – nem com a expansão da rede, nem, ao que
parece, com a conservação. Um dos episódios mais marcantes é o de 21 de
setembro de 2010. Problemas entre as estações Pedro 2º e Sé, entre as
7h50 e 9h15, deixaram desesperados os passageiros, que quebraram os
vidros, desceram e andaram por túneis e vias.
O Metrô chegou a dizer que uma blusa
impedira o fechamento das portas, lideranças tucanas afirmaram ser
intriga da oposição e um laudo técnico atestou se tratar de problemas
no fornecimento de energia. Em julho de 2011, dois trens se chocaram na
estação Barra Funda, deixando 42 feridos. Nova colisão em maio de
2012, entre as estações Penha e Carrão, por falha no sistema de
automação, deixou 49 feridos. No 5 de agosto passado, um trem
descarrilou a 300 metros da estação Barra Funda. Causa: quebra de um
jogo de rodas na composição. Ninguém se feriu.
Os problemas na CPTM também são cada
vez mais frequentes. Em julho de 2000, nove pessoas morreram e 115
ficaram feridas num acidente na estação de Perus. Uma composição vazia
não conseguiu parar num trecho de declive. Segundo o sindicato dos
trabalhadores da empresa, recomendações de um relatório da investigação
das causas só começaram a ser implementadas um ano depois.
Em maio de 2008, uma pane levou 2 mil
pessoas a sair da composição e a ocupar os trilhos entre as estações
Tatuapé e Brás. O ar-condicionado foi desligado, após problema no
sistema de freio que levara ao acionamento do sistema de emergência.
Houve confusão e depredação.
No final de novembro de 2011, um
técnico e dois engenheiros da CPTM foram atropelados e mortos por um
trem de passageiros quando testavam uma composição. Um quarto
atropelado sobreviveu.
A empresa chegou a afirmar que as
vítimas não seguiam normas de segurança. Dois meses adiante, outros
dois trens se chocaram entre as estações Itapevi e Engenheiro Cardoso,
deixando feridos cinco passageiros e o maquinista. Em fevereiro de 2012
a empresa demitiu por justa causa o maquinista de um trem que
descarrilou na Linha Esmeralda.
Em março, problema no sistema de
tração de um trem causou tumulto e quebra-quebra no Brás, com seis
pessoas detidas; no final do mês, novo “apagão”: a quinta pane no
sistema num mesmo dia deixou passageiros revoltados e houve
depredações. Em julho do ano passado, duas composições se chocaram na
Barra Funda, matando cinco pessoas e deixando 47 feridas. Em dezembro,
dois trens bateram em Francisco Morato, ferindo 29.
Aumentou a pressão sobre os
parlamentares que apoiam o governador Alckmin. É praxe na Assembleia
Legislativa o esforço para impedir a abertura de CPI que incomode o
Palácio dos Bandeirantes. A oposição (PT, PCdoB, PSOL e um deputado do
PDT) não consegue alcançar as assinaturas necessárias para superar a
blindagem montada pela base do governador (PSDB, PDT, PV, PMDB e PSD).
“Uma maioria dá guarida para o governador”, lamenta o líder do PT na
Casa, Luiz Cláudio Marcolino. É possível que parte desses acidentes
pudesse ser evitada se recursos públicos não tivessem tomado o trem
errado.
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