As recepções oferecidas por Roseana Sarney nas residências oficiais do
Maranhão, um dos Estados mais pobres do país, são regadas a lagostas e
camarões
A violência nas ruas e no principal presídio maranhense, onde foram
filmadas cenas de decapitação de presos e divulgadas em um diário
conservador paulistano, não alterou a rotina do Palácio dos Leões, sede
do governo da peemedebista Roseana Sarney. A administração estadual
fechou, nesta quarta-feira, os procedimentos legais para a compra de 80
kg de lagosta fresca, uma tonelada e meia de camarão e oito sabores de
sorvete – por um orçamento aproximado de R$ 1 milhão.
A notícia foi publicada, nesta manhã, em uma coluna do mesmo jornal
que divulgou o vídeo com cenas impactantes. A crise no governo Sarney se
agrava e a governadora tentou responder em um pronunciamento, na noite
passada, no qual afirmou que não se deixará “subjugar” pelo crime e
também pede ao povo maranhense que “não dê ouvidos a essa rede de boatos
que tenta tumultuar o dia-a-dia da população”, em uma referência velada
à publicação do vídeo.
Na lista de compra de produtos alimentícios, para as residências
oficiais, estão incluídos ainda 50 caixas de bombom e 30 pacotes de
biscoito champanhe. Para alimentar os aquários nos ambientes oficiais,
os maranhenses também vão pagar, em 2014, R$ 108 mil em ração para
peixes. O edital prevê, ainda, a compra de 2,5 mil garrafas de 1 litro
de “refrigerante rosado”, o guaraná Jesus, bebida famosa do Maranhão. O
primeiro pregão, de R$ 617 mil, foi marcado para esta quinta-feira, às
14h30, embora ainda possa ser desmarcado, ou adiado, de acordo com a
sensibilidade do governo à repercussão da notícia.
Presídios violentos
A barbárie nos presídios do Maranhão seguiu, nesta quarta-feira, como
ponto central de uma crise cujos sintomas já se revelavam desde a
década passada nos dados de segurança do Estado. Entre o ano de 2000 e
2013, os homicídios em São Luís e na região metropolitana cresceram
460%. Foram 807 mortes em 2013. Contribuiu para a epidemia de violência o
fato de o Maranhão ter a menor relação de policiais por habitante no
Brasil. Há um policial para cada 710 moradores, proporção que em
Brasília, a mais alta, é de 1 para 135 pessoas.
O descaso, a falta de vagas e de investimento no sistema
penitenciário também já vinham sendo apontados pelas autoridades, como
nos mutirões feitos pelo Conselho Nacional de Justiça. As penitenciárias
são precárias e superlotadas. Há 1,9 preso por vaga no sistema
maranhense, proporção que coloca as prisões do Estado no 7.º lugar entre
as mais lotadas do País, índice semelhante ao de São Paulo. Apesar da
superlotação do sistema maranhense, contudo, o Estado tem 100,6 presos
por 100 mil habitantes, a menor proporção do Brasil.
– O modelo de segurança pública no Estado está falido. As facções
criminosas se formaram e conseguiram um amplo espaço para avançar em um
Estado com problemas sociais dramáticos – afirmou a jornalistas o
advogado Luiz Antonio Pedrosa, da Comissão de Direitos Humanos da OAB do
Maranhão.
O problema da violência no Maranhão, dentro e fora dos presídios,
agravou-se a partir de 2010, quando foi anunciada pelos presos a criação
do Primeiro Comando do Maranhão (PCM). A facção rival, Bonde dos 40,
surgiu logo em seguida. O enfrentamento entre os grupos se acentuou nos
meses seguintes, em um ambiente penitenciário sem controle, com uma
frágil política de segurança pública.
Facções
Secretária estadual de Direitos Humanos e Assistência Social, Luiza de Fátima Amorim Oliveira admite o que o governo errou.
– Infelizmente, nós falhamos, houve um erro de gestão nesse sentido –
disse ela na tarde desta terça-feira, após o enterro da menina Ana
Clara de Sousa, de 6 anos, que estava em um ônibus incendiado por
criminosos e teve 95% do corpo queimado.
Amorim Oliveira afirma que, agora, a ajuda do governo federal e de
outros órgãos é fundamental e, praticamente, pede a intervenção federal
no Estado.
– Não tem como resolver sozinho essa situação. É preciso conjugar esforços, para que não aconteça mais – disse.
Ainda assim, ela alega que o governo estadual faz a sua parte
prendendo suspeitos de participar dos ataques a delegacias e a ônibus.
– A repressão já está sendo feita. Os adolescentes (envolvidos nos crimes) foram presos – disse.
Mas, segundo a secretária, “é preciso cuidado para que não seja alimentada a espiral de violência, tanto nas prisões quanto nas unidades socioeducativas, onde o modelo de facções também se repete”.
– Quando eles (presos) ficaram cientes de que a Ana Clara morreu,
começou uma retaliação, uma pressão interna contra esses adolescentes
que estão lá. Então, nós tivemos de separá-los – diz.
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