Sanguessugado do Escrevinhador
Rodrigo Vianna
Carmona e os gorilas em 2002: essa história de golpe na Venezuela é "teoria da conspiração"...
por Rodrigo Vianna
São
tristes, preocupantes, mas não chegam a surpreender as cenas de
violência e confronto aberto na Venezuela. Nos últimos 6 anos, estive lá
cinco vezes – sempre na função de jornalista. Há um clima permanente de
conflagração.
As TVs privadas, com amplo apoio das classes médias e altas, tentaram dar um golpe em 2002 contra Hugo Chavez (sobre isso, há umdocumentário excelente – “A Revolução Não Será Televisionada”).
Chavez resistiu ao golpe com apoio dos pobres de Caracas – que desceram
os morros para apoiá-lo – e de setores legalistas do Exército. Desde
então, o chavismo se organizou mais, criou uma rede de TVs públicas para
se contrapor ao “terror midiático” (como dizem os chavistas), e se
organizou no PSUV (ainda que o Partido Comunista, também chavista,
tenha preferido manter sua autonomia organizacional).
Jornais e meios de comunicação jamais tramaram golpes no Brasil com apoio da CIA...
É
preciso lembrar que TVs e revistas brasileiras (Globo e Veja)
comemoraram o golpe contra Chavez em 2002 – e se deram mal porque ele
voltou ao poder 2 dias depois.
Nas ruas de
Caracas, ano a ano, só senti o clima piorar. Confronto permanente.
Acompanhei na região de Altamira, em Caracas, o ódio da classe média
pelos chavistas. Com a câmera ligada, eles não se atrevem a tanto, mas
em conversas informais surgiam sempre termos racistas para se referir a
Chavez – que tinha feições indígenas, mestiças, num país desde sempre
dominado por uma elite (branca) que controlava o petróleo.
O
chavismo tinha e tem muitos problemas: dependia excessivamente da
figura do “líder”, a gestão do Estado é defeituosa, há problemas
concretos (coleta de lixo, segurança etc). Mas mesmo assim o chavismo
significou tirar o petróleo das maõs da elite que quebrou o país nos
anos 80. Além disso, enfrenta o boicote econômico permanente de uma
burguesia que havia se apropriado da PDVSA (a gigante do Petróleo
venezuelana).
O chavismo sobreviveu à morte de
Chavez. O chavismo, está claro, não é uma “loucura populista” ou uma
“invenção castrista” – como querem fazer crer certos comentaristas na
imprensa brasileira. O chavismo é o resultado de contradições e lutas
concretas do povo venezuelano – lutas que agora seguem sob o comando de
Nicolas Maduro, que evidentemente não tem o mesmo carisma do líder
original.
Vejo muita gente dizer que o
“populismo” chavista quebrou a Venezuela. Esquecem-se que a economia
venezuelana cambaleava muito antes de Chavez. Esquecem-se também que o
tenente-coronel Hugo Chavez Frias não inventou a multidão nas ruas. A multidão é que inventou Chavez. A multidão precedeu Chavez.
Em 89, o governo neoliberal de Andres Perez ameaçou subir as tarifas
públicas – seguindo receituário do FMI. O povo foi pra rua, sem nenhuma
liderança, noCaracazo (uma rebelião impressionante que tomou as ruas da capital).
O
chavismo foi a resposta popular à barbárie liberal, foi uma tentativa
de dar forma a essa insatisfação diante do receituário que vinha do
Norte. Os responsáveis pela barbárie liberal tentam agora retomar o
poder – com apoio dos velhos sócios do Norte. E nada disso surpreende…
O que assusta é o nível dos comentários sobre a Venezuela nos portais de notícia brasileiros.
Há pouco, eu lia uma postagem do “Opera Mundi”
(sítio de esquerda, mas hospedado no UOL). Quem tiver estômago pode
conferir as pérolas dos leitores… Resumo abaixo algumas delas:
- “A VENEZUELA SERÁ PALCO DA PRIMEIRA GUERRA CIVIL PLANEJADA PARA A TOMADA DO PODER COMUNISTA NA AMÉRICA LATINA.”
- “O chavismo conseguiu levar a Venezuela à falência. Um país sem papel higiênico e muita lambança comunista para limpar.”
- “Aquele
pais virou um verdadeiro lixo, podia ser uma potencia de tanto petroleo
que tem, mas o socialismo acabou com tudo. O que sobrou foi uma latrina
gigante.”
- “Vai morar na Venezuela então , por mim os venezuelanos tem que matar o maduro.”
- “É fácil quando a eleição é manipulada. Maduro ganhou pq roubou a eleição como foi comprovado.”
Envenenados
pela “Veja”, “Globo” e seus colunistas amestrados, esses leitores são
incapazes de pensar por conta própria. Repetem chavões anticomunistas, e
seriam capazes de implorar pela invasão da Venezuela pelos EUA.
Desconhecem
a história da Venezuela pré-Chavez… Não sabem o que é a luta pela
integração da América Latina – diariamente combatida pelos Estados
Unidos.
Se Maduro sofrer um golpe, se os marines
desembarcarem em Caracas, muitos brasileiros vão aplaudir e comemorar.
Não são ricos, não são da “elite”. São pobres. Miseráveis, na verdade.
Indigentes em formação. Vítimas da maior máquina de desinformação
montada no Brasil: o consórcio midiático (Globo/Veja/Folha e sócios
minoritários) que Dilma pretende enfrentar na base do “controle remoto”.
A
América Latina pode virar, nos próximos anos, mais um laboratório das
técnicas de ocupação imperialista adotadas no século XXI. Terror
midiático, ataques generalizados à “política”, acompanhados de ações
concretas de boicote e medo – sempre que isso for necessário.
Não
é à toa que movimentos “anarquistas” e “contra o poder” tenham se
espalhado justamente pelos países que de alguma forma se opõem aos
interesses dos Estados Unidos.
O imperialismo
não explica, claro, todos os problemas de Venezuela, Brasil, Argentina.
Temos nossas mazelas, nossa história de desigualdade e iniquidade. Mas o
imperialismo explica sim as seguidas tentativas de bloquear o
desenvolvimento independente de nossos países.
A
morte de Vargas no Brasil em 1954, a derrubada de Jacobo Arbenz na
Guatemala no mesmo ano, e depois a sequência de golpes no Brasil,
Uruguai, Argentina e Chile (anos 60 e 70) são exemplos desse bloqueio
permanente. Não é “teoria conspiratória”. É a História, comprovada pelos
documentos que mostram envolvimento direto da CIA e da Casa Branca nos
golpes.
A Venezuela não precisou de golpes.
Porque tinha uma elite absolutamente domesticada. Com Chavez, essa
história mudou. A vitória de Chavez foi o começo da “virada” na América
do Sul.
Os Estados Unidos e seus sócios locais
empreendem agora um violento contra-ataque. Na Venezuela, trava-se nas
ruas um combate tão importante quanto o que se vai travar nas urnas
brasileiras em outubro. Duas batalhas da mesma guerra. E pelo que vemos e
lemos por aí, o terror midiático fez seu trabalho de forma eficiente:
há milhares de latino-americanos dispostos a trabalhar a favor da
“reocupação”, da “recolonização” de nossos países.
Por
isso, essa é uma guerra que se trava nas ruas, nas urnas e também nos
meio de Comunicação. Uma guerra pelo poder nunca deixa de ser também uma
guerra pelos símbolos, uma guerra pela narrativa e pela informação.
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