247 - Em artigo escrito pelo secretário-geral do
Psol, Edilson Silva, denominado "Tática Black Bloc. Condenar, conviver
ou se aliar?", o partido defende uma aliança com o grupo de
manifestantes encapuzados, que sempre provoca atos de vandalismo em
protestos nos grandes centros do país. A ação violenta dos Black Blocs
ocasionou, na última semana, a morte do cinegrafista Santiago Andrade. O
texto é de outubro do ano passado e foi divulgado pelas redes sociais
do Psol, mas, estranhamente, foi retirado do ar no site do partido. No
entanto, o 247 localizou o texto em outras páginas na internet.
"Para quem pretende mudar o mundo de verdade, não deve parecer
utópico ou ingênuo demais querer ver os movimentos e partidos da
esquerda coerentes, como o PSOL, dialogando com a tática Black Bloc,
respeitando todas as táticas e o máximo possível as sensibilidades mais
positivas da opinião pública e da consciência das massas, respeitando-a e
sem capitular a ela, como defendia Lênin; ou disputando a hegemonia,
como teorizava Gramsci, fazendo desta consciência social mais um aliado
na construção de uma sociedade mais próxima da que precisamos. Talvez
esteja aí o nosso desafio nesta questão da tática Black Bloc", diz o
texto de Edilson Silva.
Ele diz ainda que "não parece que o conceito da tática Black Bloc
seja algo retrógrado ou mesmo indesejável em essência e propósitos
originais". "É algo progressivo, politicamente moderno, trazido pelas
mãos da dialética na história. Se este fenômeno é mesmo a síntese de um
processo histórico e do desenvolvimento das forças produtivas, creio
estar descartada a hipótese da não convivência com ele", completa.
Abaixo o texto na íntegra:
Um espectro ronda as maiores metrópoles brasileiras: a tática ou ação
Black Bloc. “Decifra-me ou te devoro!”, parecem gritar blocos pretos,
humanos, sem rosto, anônimos, que se lançam às ruas em ações diretas,
radicalizadas. Fetiches se espalham sobre a tática: dizem que é
incorreto escrever com B maiúsculo! Muitos se esforçam em tornar a
compreensão da tática algo indecifrável, algo tão sofisticado que o
pensamento político tradicional não pode alcançar. Puro exagero, mas que
faz parte do inegável charme político da tática.
Em tese, as táticas Black Bloc dispõe-se a proteger manifestações da
sociedade civil contra ações truculentas das forças do Estado. Dispõe-se
a gerar prejuízo material a quem causa prejuízo ao bem público mais
precioso – as pessoas - e é fácil perceber um forte conteúdo
anticapitalista nos seus alvos. Seu diferencial mais saliente, e porque
não dizer sedutor, é a coragem e o desprendimento com que se lançam
diante da repressão estatal.
Na prática, infelizmente, muitas ações têm se confundido com
iniciativas pouco politizadas, de mera depredação ou de descarga de
adrenalina, quando não utilizadas mesmo pelas forças policiais para
dispersar geral algumas manifestações, quando estas ações misturam-se
com outras que se pretendem pacíficas. Para quem atua nos movimentos,
não é incomum achar militantes de partidos da ordem misturados na
tática, como se estivessem num playground, ou como se aquilo fosse o seu
lado B, sem trocadilho.
O “Decifra-me ou te devoro!” vem impondo às forças de esquerda, de
partidos e movimentos sociais “tradicionais”, a demanda por respostas
concretas. Os conservadores, as forças de direita, já deram a sua
resposta: criminalização pura e simples. Chama a polícia, bate, processa
e enjaula. A tarefa não tem sido fácil porque a tática reage. E bate
também.
Criminalizar, portanto, é diferente de condenação política, de
reprovação do método ou da tática. Assim, as esquerdas estão se
debatendo entre a reprovação política, a simples convivência ou
tolerância e a aliança entusiasmada com a tática Black Bloc. De onde
vejo, percebo argumentos esforçados nas três “grandes” posições. Mas
nenhuma dessas posições, vistas assim panoramicamente e da forma
simplista como estabeleço aqui, para facilitar a visualização da
fronteira entre uma e outra posição, parece dar conta sozinha de uma
resposta mais satisfatória numa perspectiva de reorganização de uma
movimentação política pela esquerda e anticapitalista no Brasil.
Creio que uma questão preliminar é estabelecer que esta tática não é
uma novidade em si. A novidade está nas condições objetivas encontradas
no presente momento histórico e que permitem que esta tática ganhe uma
força inédita. É fácil perceber quais são estas condições nos próprios
posts de ativistas que reivindicam a tática Black Bloc.
A primeira é a revolta contra as condições de vida, no transporte, na
saúde, na educação, na segurança, em contraste com os gastos absurdos e
desnecessários com a Copa, por exemplo. Isto é um escárnio e revolta
qualquer um. A segunda condição é uma sensação generalizada de
impotência das ações políticas tradicionais na busca pela melhoria da
situação, com a sociedade vendo a cooptação fácil de movimentos sociais
vendidos, políticos e partidos se acomodando deliciosamente no poder e a
situação social se deteriorando. A terceira condição - talvez a que
permita o salto de qualidade no sentido de transformar esta indignação
em ação -, é a existência de uma plataforma de comunicação (internet)
que permite o somatório político das indignações individuais em um
processo acelerado de desalienação política e a visualização de formas
autônomas e acessíveis de se fazer algo no concreto e - muito importante
- coletivamente, mesmo sem estar organizado em qualquer agrupamento
estável e tendo seu anonimato preservado.
Feita esta preliminar, não nos parece que o conceito da tática Black
Bloc seja algo retrógrado ou mesmo indesejável em essência e propósitos
originais. É algo progressivo, politicamente moderno, trazido pelas mãos
da dialética na história. Se este fenômeno é mesmo a síntese de um
processo histórico e do desenvolvimento das forças produtivas, creio
estar descartada a hipótese da não convivência com ele.
A tática existe e veio pra ficar, gostem ou não a direita, a esquerda
e quem mais quiser dar palpites. “Nada mais forte que uma ideia cujo
tempo chegou”, com afirmava Victor Hugo. É tempo de democracia
participativa, de ação direta, de transparência, de atritos diretos
entre o poder real e os despossuídos, sem as escaramuças de falsos
representantes em uma esfarelada democracia de faz de conta. Quem mais
deve estar preocupado com isto são os governos que já estavam
acostumados com conflitos de resultados previsíveis.
Esta nova situação política, com novas condições objetivas e
subjetivas, desafia os que militam, na esquerda socialista, com esquemas
tradicionais e congelados – para não dizer antidialéticos. A reação
diante da tática Black Bloc não pode ser a mesma do movimento socialista
mais ortodoxo frente ao Maio Francês de 1968, por exemplo, como se a
classe operária e seus sindicatos tivessem o monopólio do protagonismo
na luta contra o regime do Capital e as demais manifestações devessem se
sujeitar a um papel auxiliar, subalterno.
Por outro lado, não parece o mais correto o aplauso fácil e
irresponsável à tática, tratando as suas fragilidades e portas abertas a
todo tipo de oportunismo e infiltrações fascistas e policiais como um
mero efeito colateral. Não perceber e não buscar evitar estas
fragilidades é permitir que um fenômeno progressivo seja capturado pelo
regime político que em essência busca combater, dando matéria-prima para
justificar a ampliação da repressão estatal ao conjunto das forças e
movimentos que questionam a ordem.
Para quem pretende mudar o mundo de verdade, não deve parecer utópico
ou ingênuo demais querer ver os movimentos e partidos da esquerda
coerentes, como o PSOL, dialogando com a tática Black Bloc, respeitando
todas as táticas e o máximo possível as sensibilidades mais positivas da
opinião pública e da consciência das massas, respeitando-a e sem
capitular a ela, como defendia Lênin; ou disputando a hegemonia, como
teorizava Gramsci, fazendo desta consciência social mais um aliado na
construção de uma sociedade mais próxima da que precisamos. Talvez
esteja aí o nosso desafio nesta questão da tática Black Bloc.
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