Meio século de combates pela emancipação nacional
Por Carlos Lopes Pereira
A 4 de Fevereiro de 1961, centenas de jovens ligados ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) atacaram diversos alvos em Luanda, entre os quais duas cadeias para libertar nacionalistas angolanos encarcerados pela polícia política colonialista. Armados de paus e catanas, os patriotas assaltaram a Casa de Reclusão e a Cadeia de São Paulo, além de um posto da PIDE e da rádio oficial de Angola. Esta acção, faz agora meio século, marcou e simboliza o desencadear da luta armada de libertação nacional nas então colónias portuguesas africanas, que conduziu à sua independência em meados dos anos 70 e contribuiu de forma decisiva para a Revolução dos Cravos em Portugal e para profundas transformações progressistas em África.
Por Carlos Lopes Pereira
A 4 de Fevereiro de 1961, centenas de jovens ligados ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) atacaram diversos alvos em Luanda, entre os quais duas cadeias para libertar nacionalistas angolanos encarcerados pela polícia política colonialista. Armados de paus e catanas, os patriotas assaltaram a Casa de Reclusão e a Cadeia de São Paulo, além de um posto da PIDE e da rádio oficial de Angola. Esta acção, faz agora meio século, marcou e simboliza o desencadear da luta armada de libertação nacional nas então colónias portuguesas africanas, que conduziu à sua independência em meados dos anos 70 e contribuiu de forma decisiva para a Revolução dos Cravos em Portugal e para profundas transformações progressistas em África.
A acção dos patriotas angolanos em Luanda, há 50 anos, foi a centelha que ateou os combates emancipadores em Angola, na Guiné-Bissau, em Moçambique – onde a luta pela independência assumiu a forma armada –, em Cabo Verde e em São Tomé e Príncipe, mas a verdade é que os povos africanos resistiram sempre à dominação colonial portuguesa.
A tese dos «cinco séculos de Portugal em África» é uma grosseira falsificação histórica forjada e divulgada pela propaganda salazarista. Se é um facto que navegadores portugueses foram «descobrindo» a costa africana e os arquipélagos adjacentes a partir do século XV, a verdade é que não ocuparam logo esses territórios – com excepção das ilhas de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe –, tendo no continente apenas estabelecido feitorias comerciais.
Só após a partilha de África pelas potências coloniais, na Conferência de Berlim, em 1884-85, é que Portugal iniciou as guerras de conquista e ocupação das colónias – o que demorou várias décadas. Por exemplo, na Guiné «Portuguesa», só em 1936, ao fim de 80 anos de diversas campanhas e de muitas chacinas, os portugueses consideraram a colónia «pacificada»... Também em Angola e em Moçambique a ocupação efectiva dos territórios se completou só nos finais do século XIX, com a submissão dos últimos chefes africanos – um dos mais conhecidos, Gungunhana, imperador de Gaza, no Sul de Moçambique, rendeu-se apenas em 1895.
Mesmo depois de submetidos pela força das armas, os povos colonizados continuaram a resistir, sobretudo no plano cultural – as massas populares, sobretudo as massas camponesas, mantendo quase intactas as suas culturas, e as populações dos centros urbanos, mais em contacto com a «civilização» ocidental imposta pelos colonos, expressando através das elites as suas aspirações na poesia e literatura, na imprensa «nativista», em associações indígenas. Estão hoje estudadas as diferentes formas de que se revestiu esse protonacionalismo, desde finais do século XIX, em Cabo Verde, na Guiné, em Angola, em Moçambique, em São Tomé e mesmo na «metrópole», onde com a implantação da República e até ao começo dos anos 30 surgem à luz do dia jornais e até organizações de estudantes africanos reivindicando mais direitos.
A estratégia de unidade e luta
É após a Segunda Guerra Mundial que começam a soprar mais fortes os ventos de mudança em África. Muitos africanos – que lutaram nos exércitos das potências colonizadoras como a Inglaterra e a França contra os nazis alemães e os fascistas italianos – sonham também eles com a libertação das suas terras. Da Ásia chegam ecos das lutas independentistas dos povos da Índia, da Indonésia e da Indochina. A revolução chinesa triunfa, a União Soviética e outros países avançam na construção do socialismo...
Por essa altura, a partir de meados da década de 40 e nos anos seguintes, chegam a Portugal estudantes das colónias africanas – entre outros, Amílcar Cabral, de Cabo Verde; Agostinho Neto, Lúcio Lara e Mário de Andrade, de Angola; Marcelino dos Santos e Noémia de Sousa, de Moçambique; Vasco Cabral, da Guiné; Alda Espírito Santo e Francisco José Tenreiro, de São Tomé e Príncipe –, muitos dos quais se integram na resistência contra a ditadura salazarista, lado a lado com comunistas e outros democratas portugueses, ao mesmo tempo que se organizam em estruturas próprias, quer de estudantes, quer de trabalhadores africanos.
É conhecida a participação de muitos destes jovens patriotas – que mais tarde se tornarão nos dirigentes da luta libertadora nos seus países e, após as independências, em dirigentes dos respectivos estados – em organizações antifascistas como o Movimento de Unidade Democrática (MUD) Juvenil, o que acarretará a alguns deles a prisão e a perseguição pela PIDE. Simultaneamente, desenvolvem actividades na Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa, Coimbra e Porto, no Centro de Estudos Africanos – onde se «reafricanizam» e «retornam às fontes», aprofundando conhecimentos sobre a realidade económica e cultural dos seus países colonizados, conhecendo melhor movimentos como a negritude e o pan-africanismo – e no Clube Marítimo Africano.
Já na segunda metade anos 50, e depois da Conferência de Bandung (Indonésia), em 1955 – em que emergem no cenário internacional os países independentes da Ásia, sobretudo, e da África (apenas cinco na altura), e o embrião do movimento dos não-alinhados clamando pela descolonização –, nascem os primeiros movimentos de libertação nacional nas colónias dominadas por Portugal. Em Setembro de 1956, em Bissau, sob a liderança de Amílcar Cabral, um grupo de guineenses e cabo-verdianos funda na clandestinidade o PAI (Partido Africano da Independência), que no início dos anos 60 integrará nacionalistas de outras organizações e adoptará a designação de PAIGC. Na mesma altura, em Luanda, é fundado o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), resultante da fusão de diferentes partidos e que terá em Agostinho Neto a sua figura maior. Os patriotas moçambicanos criam, entretanto, os seus primeiros movimentos que, em 1962, se juntam na Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), presidida por Eduardo Mondlane. Também no início dos anos 60 surge o Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe (CLSTP), dirigido por Manuel Pinto da Costa, que se transformará mais tarde no MLSTP.
Nesses anos, os nacionalistas africanos criam também as primeiras organizações unitárias – o Movimento Anticolonialista (MAC), em 1958, que dará lugar à Frente Revolucionária Africana para a Independência das Colónias Portuguesas (FRAIN), em 1960, e, depois, à Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), em 1961, em Casablanca – e multiplicam a participação em congressos de escritores e artistas negros, em conferências afro-asiáticas e pan-africanas (Tunis), em reuniões internacionais em África (no Gana de Nkrumah, na Guiné-Conakry de Sékou Touré...), à medida que os países do continente vão conquistando a sua independência – entre 1959 e 1961 surgem duas dezenas e meia de novos estados africanos.
A estratégia de Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Mário de Andrade, Lúcio Lara, Marcelino dos Santos e outros pioneiros da luta de libertação nacional nas colónias «portuguesas» é clara: para que a luta independentista avance é indispensável construir a unidade dos respectivos povos em cada um dos países, mas também a unidade dos diferentes movimentos contra o inimigo comum, o colonialismo português. «Unidade e luta» foi, pois, uma permanente preocupação do PAIGC, do MPLA e da Frelimo até à conquista da independência: unidade nacional, unidade entre guineenses e cabo-verdianos (no caso da luta dirigida pelo PAIGC) e unidade contra a dominação colonial, mas também unidade africana e unidade de todas as forças anti-imperialistas no mundo (o movimento operário, os países socialistas, o movimento de libertação nacional).
A luta armada libertadora
Com a acção do MPLA em Luanda, a 4 de Fevereiro de 1961, de assalto a cadeias para libertar patriotas presos pela PIDE, desencadeou-se a luta armada de libertação nacional em Angola. O regime fascista português respondeu com brutalidade – Salazar enviou milhares de soldados para a colónia, sucederam-se os massacres cometidos por colonos e pela tropa colonial, a guerra alastrou rapidamente e foram abertas várias frentes militares. Lutando de armas nas mãos contra os colonialistas portugueses, o MPLA teve ao mesmo tempo que enfrentar no plano militar e diplomático dois movimentos hostis apoiados pelo imperialismo: a UPA/FNLA, de Holden Roberto, financiada pelos Estados Unidos, e a Unita, de Jonas Savimbi, armada pela África do Sul do apartheid e aliada das tropas coloniais.
Na Guiné, onde Amílcar Cabral e companheiros tinham criado em 1956 o PAIGC, a direcção do movimento optou pela via armada depois do massacre de Pidjiguiti (em 3 de Agosto de 1959), instalou-se em 1960 em Conakry e desencadeou a luta armada em Janeiro de 1963. Não sem que antes – tal como o havia feito o MPLA – tenha proposto ao governo português uma solução política, pacífica, que assegurasse o direito à autodeterminação e à independência dos povos da Guiné e de Cabo Verde. Face à recusa de Salazar – para quem «a África não existe» e os nacionalistas africanos não passavam de bandos de terroristas a soldo da Rússia comunista –, a guerra avançou gradualmente em todo o território.
Em Moçambique, a Frelimo inicia a luta armada em 1964, no Norte, nas províncias do Niassa e de Cabo Delgado, abrindo assim a terceira frente da guerra que o regime colonial-fascista português é obrigado a travar.
Entre 1961 e 1974, os patriotas guineenses e cabo-verdianos, angolanos e moçambicanos recebem apoios – arduamente conquistados através da diplomacia e da acção política do PAIGC, do MPLA e da Frelimo – da África (de Marrocos do rei Mohamed V, da Argélia de Ben Bella e de Boumediène, do Gana de Nkrumah, da Guiné-Conakry de Sékou Touré, da Tanzânia de Julius Nyerere), dos países socialistas (principalmente da União Soviética e de Cuba, mas também da RDA, Checoslováquia, China, Jugoslávia e outros), dos países nórdicos na fase final da guerra e de partidos comunistas, sindicatos e organizações democráticas amigas em vários países do Ocidente. Definindo sempre como inimigo o colonialismo português e não o povo português, o MPLA, o PAIGC e a Frelimo mantiveram durante a luta armada relações de solidariedade, amizade e cooperação com o Partido Comunista Português, relações essas que se prolongaram após o 25 de Abril de 1974.
Durante os 13 anos de guerra, o colonialismo português, armado pelos governos dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e da França e directamente pela OTAN, cometeu crimes bárbaros contra os povos africanos em luta – massacres de populações com bombardeamentos aéreos indiscriminados; destruição de aldeias e plantações com utilização de bombas de napalm e de desfolhantes químicos; prisão, tortura e assassinato de patriotas suspeitos de «terrorismo»; invasão de países independentes acusados de apoiar os guerrilheiros (Guiné-Conakry, Tanzânia, Zâmbia...); assassinato de dirigentes como Eduardo Mondlane, em 1969, e Amílcar Cabral, em 1973. Ao mesmo tempo, em Portugal, o fascismo explorava e oprimia os trabalhadores, perseguia, prendia e torturava comunistas e outros democratas que combatiam a ditadura e enviava para uma guerra sem sentido milhares de jovens, muitos dos quais perderam a vida ou foram feridos.
Nenhum desses crimes conseguiu impedir o avanço do combate emancipador na Guiné, em Angola e em Moçambique – em Cabo Verde, o PAIGC tinha já treinado quadros para lançar a luta armada e reforçara a organização para a resistência política no arquipélago.
Antevendo uma humilhante derrota militar, sobretudo na Guiné – onde o PAIGC em 1973 já tinha libertado dois terços do território, proclamado a independência da República da Guiné-Bissau e começado a utilizar mísseis terra-ar Strella, de fabrico soviético, que acabaram com a supremacia e impunidade da aviação das tropas coloniais, desequilibrando a guerra a favor dos combatentes da liberdade –, oficiais portugueses com experiência ultramarina organizaram o Movimento das Forças Armadas e, a 25 de Abril de 1974, derrubaram o fascismo em Portugal. Os guerrilheiros do mato tinham derrotado os generais formados nas academias europeias e norte-americanas...
O golpe de Estado dirigido pelo MFA em Portugal rapidamente se transformou em revolução e, apesar das tentativas das forças mais retrógradas, agrupadas sobretudo em torno do general António de Spínola, para encontrar uma solução neocolonial para as «províncias ultramarinas», a roda da História não parou.
Com o apoio do MFA e das forças progressistas, Portugal reconheceu ainda em 1974 a independência da República da Guiné-Bissau, também governada pelo PAIGC, e 1975 viu nascer a República de Cabo Verde com um governo do PAIGC, a República Democrática de São Tomé e Príncipe, encabeçada pelo MLSTP, a República Popular de Moçambique, dirigida pela Frelimo e a República Popular de Angola, proclamada pelo MPLA.
As independências e o futuro
Não foi fácil a vida dos novos países africanos nascidos da luta armada de libertação nacional, com uma pesada herança colonial de subdesenvolvimento.
Em Angola, o imperialismo apostou forte nos movimentos fantoches financiados, armados e controlados pelos Estados Unidos e pela África do Sul racista. Os angolanos, dirigidos pelo MPLA, tiveram de lutar ainda durante vários anos para derrotar a FNLA e a Unita, apoiadas por mercenários e por tropas sul-africanas. A situação alterou-se depois da batalha de Cuito-Cuanavale, no Cuando-Cubango, em Março de 1988, em que as Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) e as tropas cubanas em missão de ajuda internacionalista travaram e derrotaram os poderosos exércitos de Pretória. O apartheid começou a desmoronar-se, o regime racista foi forçado a aceitar a independência da Namíbia dirigida pela Swapo de Sam Nujoma, em breve Nelson Mandela foi libertado e iniciou-se o processo de democratização que levou o ANC ao poder. Em Angola, ainda foram necessários alguns anos de guerra civil para que as forças armadas da jovem república liquidassem Jonas Savimbi e garantissem a paz duradoura.
De igual modo, Moçambique independente sofreu durante vários anos as agressões do regime do apartheid; as represálias pelo seu apoio aos guerrilheiros de Mugabe e Joshua Nkomo na luta contra a «Rodésia» branca de Ian Smith e pela independência do Zimbabwé; e os horrores da guerra civil provocada pela Renamo. Mas o presidente Samora Machel e seus companheiros da Frelimo conseguiram enfim alcançar e consolidar a paz no seu país, depois de contribuírem decisivamente para o fim do apartheid e a libertação de toda a África Austral.
A tese dos «cinco séculos de Portugal em África» é uma grosseira falsificação histórica forjada e divulgada pela propaganda salazarista. Se é um facto que navegadores portugueses foram «descobrindo» a costa africana e os arquipélagos adjacentes a partir do século XV, a verdade é que não ocuparam logo esses territórios – com excepção das ilhas de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe –, tendo no continente apenas estabelecido feitorias comerciais.
Só após a partilha de África pelas potências coloniais, na Conferência de Berlim, em 1884-85, é que Portugal iniciou as guerras de conquista e ocupação das colónias – o que demorou várias décadas. Por exemplo, na Guiné «Portuguesa», só em 1936, ao fim de 80 anos de diversas campanhas e de muitas chacinas, os portugueses consideraram a colónia «pacificada»... Também em Angola e em Moçambique a ocupação efectiva dos territórios se completou só nos finais do século XIX, com a submissão dos últimos chefes africanos – um dos mais conhecidos, Gungunhana, imperador de Gaza, no Sul de Moçambique, rendeu-se apenas em 1895.
Mesmo depois de submetidos pela força das armas, os povos colonizados continuaram a resistir, sobretudo no plano cultural – as massas populares, sobretudo as massas camponesas, mantendo quase intactas as suas culturas, e as populações dos centros urbanos, mais em contacto com a «civilização» ocidental imposta pelos colonos, expressando através das elites as suas aspirações na poesia e literatura, na imprensa «nativista», em associações indígenas. Estão hoje estudadas as diferentes formas de que se revestiu esse protonacionalismo, desde finais do século XIX, em Cabo Verde, na Guiné, em Angola, em Moçambique, em São Tomé e mesmo na «metrópole», onde com a implantação da República e até ao começo dos anos 30 surgem à luz do dia jornais e até organizações de estudantes africanos reivindicando mais direitos.
A estratégia de unidade e luta
É após a Segunda Guerra Mundial que começam a soprar mais fortes os ventos de mudança em África. Muitos africanos – que lutaram nos exércitos das potências colonizadoras como a Inglaterra e a França contra os nazis alemães e os fascistas italianos – sonham também eles com a libertação das suas terras. Da Ásia chegam ecos das lutas independentistas dos povos da Índia, da Indonésia e da Indochina. A revolução chinesa triunfa, a União Soviética e outros países avançam na construção do socialismo...
Por essa altura, a partir de meados da década de 40 e nos anos seguintes, chegam a Portugal estudantes das colónias africanas – entre outros, Amílcar Cabral, de Cabo Verde; Agostinho Neto, Lúcio Lara e Mário de Andrade, de Angola; Marcelino dos Santos e Noémia de Sousa, de Moçambique; Vasco Cabral, da Guiné; Alda Espírito Santo e Francisco José Tenreiro, de São Tomé e Príncipe –, muitos dos quais se integram na resistência contra a ditadura salazarista, lado a lado com comunistas e outros democratas portugueses, ao mesmo tempo que se organizam em estruturas próprias, quer de estudantes, quer de trabalhadores africanos.
É conhecida a participação de muitos destes jovens patriotas – que mais tarde se tornarão nos dirigentes da luta libertadora nos seus países e, após as independências, em dirigentes dos respectivos estados – em organizações antifascistas como o Movimento de Unidade Democrática (MUD) Juvenil, o que acarretará a alguns deles a prisão e a perseguição pela PIDE. Simultaneamente, desenvolvem actividades na Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa, Coimbra e Porto, no Centro de Estudos Africanos – onde se «reafricanizam» e «retornam às fontes», aprofundando conhecimentos sobre a realidade económica e cultural dos seus países colonizados, conhecendo melhor movimentos como a negritude e o pan-africanismo – e no Clube Marítimo Africano.
Já na segunda metade anos 50, e depois da Conferência de Bandung (Indonésia), em 1955 – em que emergem no cenário internacional os países independentes da Ásia, sobretudo, e da África (apenas cinco na altura), e o embrião do movimento dos não-alinhados clamando pela descolonização –, nascem os primeiros movimentos de libertação nacional nas colónias dominadas por Portugal. Em Setembro de 1956, em Bissau, sob a liderança de Amílcar Cabral, um grupo de guineenses e cabo-verdianos funda na clandestinidade o PAI (Partido Africano da Independência), que no início dos anos 60 integrará nacionalistas de outras organizações e adoptará a designação de PAIGC. Na mesma altura, em Luanda, é fundado o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), resultante da fusão de diferentes partidos e que terá em Agostinho Neto a sua figura maior. Os patriotas moçambicanos criam, entretanto, os seus primeiros movimentos que, em 1962, se juntam na Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), presidida por Eduardo Mondlane. Também no início dos anos 60 surge o Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe (CLSTP), dirigido por Manuel Pinto da Costa, que se transformará mais tarde no MLSTP.
Nesses anos, os nacionalistas africanos criam também as primeiras organizações unitárias – o Movimento Anticolonialista (MAC), em 1958, que dará lugar à Frente Revolucionária Africana para a Independência das Colónias Portuguesas (FRAIN), em 1960, e, depois, à Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), em 1961, em Casablanca – e multiplicam a participação em congressos de escritores e artistas negros, em conferências afro-asiáticas e pan-africanas (Tunis), em reuniões internacionais em África (no Gana de Nkrumah, na Guiné-Conakry de Sékou Touré...), à medida que os países do continente vão conquistando a sua independência – entre 1959 e 1961 surgem duas dezenas e meia de novos estados africanos.
A estratégia de Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Mário de Andrade, Lúcio Lara, Marcelino dos Santos e outros pioneiros da luta de libertação nacional nas colónias «portuguesas» é clara: para que a luta independentista avance é indispensável construir a unidade dos respectivos povos em cada um dos países, mas também a unidade dos diferentes movimentos contra o inimigo comum, o colonialismo português. «Unidade e luta» foi, pois, uma permanente preocupação do PAIGC, do MPLA e da Frelimo até à conquista da independência: unidade nacional, unidade entre guineenses e cabo-verdianos (no caso da luta dirigida pelo PAIGC) e unidade contra a dominação colonial, mas também unidade africana e unidade de todas as forças anti-imperialistas no mundo (o movimento operário, os países socialistas, o movimento de libertação nacional).
A luta armada libertadora
Com a acção do MPLA em Luanda, a 4 de Fevereiro de 1961, de assalto a cadeias para libertar patriotas presos pela PIDE, desencadeou-se a luta armada de libertação nacional em Angola. O regime fascista português respondeu com brutalidade – Salazar enviou milhares de soldados para a colónia, sucederam-se os massacres cometidos por colonos e pela tropa colonial, a guerra alastrou rapidamente e foram abertas várias frentes militares. Lutando de armas nas mãos contra os colonialistas portugueses, o MPLA teve ao mesmo tempo que enfrentar no plano militar e diplomático dois movimentos hostis apoiados pelo imperialismo: a UPA/FNLA, de Holden Roberto, financiada pelos Estados Unidos, e a Unita, de Jonas Savimbi, armada pela África do Sul do apartheid e aliada das tropas coloniais.
Na Guiné, onde Amílcar Cabral e companheiros tinham criado em 1956 o PAIGC, a direcção do movimento optou pela via armada depois do massacre de Pidjiguiti (em 3 de Agosto de 1959), instalou-se em 1960 em Conakry e desencadeou a luta armada em Janeiro de 1963. Não sem que antes – tal como o havia feito o MPLA – tenha proposto ao governo português uma solução política, pacífica, que assegurasse o direito à autodeterminação e à independência dos povos da Guiné e de Cabo Verde. Face à recusa de Salazar – para quem «a África não existe» e os nacionalistas africanos não passavam de bandos de terroristas a soldo da Rússia comunista –, a guerra avançou gradualmente em todo o território.
Em Moçambique, a Frelimo inicia a luta armada em 1964, no Norte, nas províncias do Niassa e de Cabo Delgado, abrindo assim a terceira frente da guerra que o regime colonial-fascista português é obrigado a travar.
Entre 1961 e 1974, os patriotas guineenses e cabo-verdianos, angolanos e moçambicanos recebem apoios – arduamente conquistados através da diplomacia e da acção política do PAIGC, do MPLA e da Frelimo – da África (de Marrocos do rei Mohamed V, da Argélia de Ben Bella e de Boumediène, do Gana de Nkrumah, da Guiné-Conakry de Sékou Touré, da Tanzânia de Julius Nyerere), dos países socialistas (principalmente da União Soviética e de Cuba, mas também da RDA, Checoslováquia, China, Jugoslávia e outros), dos países nórdicos na fase final da guerra e de partidos comunistas, sindicatos e organizações democráticas amigas em vários países do Ocidente. Definindo sempre como inimigo o colonialismo português e não o povo português, o MPLA, o PAIGC e a Frelimo mantiveram durante a luta armada relações de solidariedade, amizade e cooperação com o Partido Comunista Português, relações essas que se prolongaram após o 25 de Abril de 1974.
Durante os 13 anos de guerra, o colonialismo português, armado pelos governos dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e da França e directamente pela OTAN, cometeu crimes bárbaros contra os povos africanos em luta – massacres de populações com bombardeamentos aéreos indiscriminados; destruição de aldeias e plantações com utilização de bombas de napalm e de desfolhantes químicos; prisão, tortura e assassinato de patriotas suspeitos de «terrorismo»; invasão de países independentes acusados de apoiar os guerrilheiros (Guiné-Conakry, Tanzânia, Zâmbia...); assassinato de dirigentes como Eduardo Mondlane, em 1969, e Amílcar Cabral, em 1973. Ao mesmo tempo, em Portugal, o fascismo explorava e oprimia os trabalhadores, perseguia, prendia e torturava comunistas e outros democratas que combatiam a ditadura e enviava para uma guerra sem sentido milhares de jovens, muitos dos quais perderam a vida ou foram feridos.
Nenhum desses crimes conseguiu impedir o avanço do combate emancipador na Guiné, em Angola e em Moçambique – em Cabo Verde, o PAIGC tinha já treinado quadros para lançar a luta armada e reforçara a organização para a resistência política no arquipélago.
Antevendo uma humilhante derrota militar, sobretudo na Guiné – onde o PAIGC em 1973 já tinha libertado dois terços do território, proclamado a independência da República da Guiné-Bissau e começado a utilizar mísseis terra-ar Strella, de fabrico soviético, que acabaram com a supremacia e impunidade da aviação das tropas coloniais, desequilibrando a guerra a favor dos combatentes da liberdade –, oficiais portugueses com experiência ultramarina organizaram o Movimento das Forças Armadas e, a 25 de Abril de 1974, derrubaram o fascismo em Portugal. Os guerrilheiros do mato tinham derrotado os generais formados nas academias europeias e norte-americanas...
O golpe de Estado dirigido pelo MFA em Portugal rapidamente se transformou em revolução e, apesar das tentativas das forças mais retrógradas, agrupadas sobretudo em torno do general António de Spínola, para encontrar uma solução neocolonial para as «províncias ultramarinas», a roda da História não parou.
Com o apoio do MFA e das forças progressistas, Portugal reconheceu ainda em 1974 a independência da República da Guiné-Bissau, também governada pelo PAIGC, e 1975 viu nascer a República de Cabo Verde com um governo do PAIGC, a República Democrática de São Tomé e Príncipe, encabeçada pelo MLSTP, a República Popular de Moçambique, dirigida pela Frelimo e a República Popular de Angola, proclamada pelo MPLA.
As independências e o futuro
Não foi fácil a vida dos novos países africanos nascidos da luta armada de libertação nacional, com uma pesada herança colonial de subdesenvolvimento.
Em Angola, o imperialismo apostou forte nos movimentos fantoches financiados, armados e controlados pelos Estados Unidos e pela África do Sul racista. Os angolanos, dirigidos pelo MPLA, tiveram de lutar ainda durante vários anos para derrotar a FNLA e a Unita, apoiadas por mercenários e por tropas sul-africanas. A situação alterou-se depois da batalha de Cuito-Cuanavale, no Cuando-Cubango, em Março de 1988, em que as Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) e as tropas cubanas em missão de ajuda internacionalista travaram e derrotaram os poderosos exércitos de Pretória. O apartheid começou a desmoronar-se, o regime racista foi forçado a aceitar a independência da Namíbia dirigida pela Swapo de Sam Nujoma, em breve Nelson Mandela foi libertado e iniciou-se o processo de democratização que levou o ANC ao poder. Em Angola, ainda foram necessários alguns anos de guerra civil para que as forças armadas da jovem república liquidassem Jonas Savimbi e garantissem a paz duradoura.
De igual modo, Moçambique independente sofreu durante vários anos as agressões do regime do apartheid; as represálias pelo seu apoio aos guerrilheiros de Mugabe e Joshua Nkomo na luta contra a «Rodésia» branca de Ian Smith e pela independência do Zimbabwé; e os horrores da guerra civil provocada pela Renamo. Mas o presidente Samora Machel e seus companheiros da Frelimo conseguiram enfim alcançar e consolidar a paz no seu país, depois de contribuírem decisivamente para o fim do apartheid e a libertação de toda a África Austral.
Hoje, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe são países independentes e mantêm relações de cooperação e amizade com o Portugal de Abril liberto do fascismo e do colonialismo.
Os novos estados africanos, três décadas e meia depois da conquista da independência, constroem em condições diversas e com resultados diferenciados as suas economias, abrem caminhos para o futuro dos seus povos.
Nesses países, apesar dos problemas complexos e das contradições do presente, as novas gerações, que não conheceram a exploração desenfreada e a opressão violenta dos tempos do colonialismo, podem sentir-se orgulhosas da luta armada de libertação nacional que Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Samora Machel e outros patriotas planearam, desencadearam – precisamente há 50 anos – e levaram a cabo, vencendo a barbárie colonial. Luta emancipadora essa que «não acaba no momento em que se iça a bandeira e se toca o hino nacional» e que, nestes novos tempos, continua.
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