Por Washington Araújo, no Observatório da Imprensa:
É de causar espanto a desfaçatez com que a informação, que deveria fluir livremente – e por todos os poros –, tem que atravessar um imenso deserto midiático para conseguir chegar ao receptor final. E o quem é o receptor final? Oras, é o seu José Silva, professor aposentado, ou Maria das Dores, a estudante que se prepara para fazer concurso público, ou Alexandre Santos, o desempregado em mais uma das intermináveis filas do banco. Enfim, o receptor final é qualquer quer cidadão ou cidadã, qualquer pessoa que tenha – ainda – o hábito de ler jornal.
O caminho da informação só não é completo para as pessoas comuns: para os do andar de cima, para os que se sentem o ornamento maior da importância social, os tais formadores de opinião e os engravatados da imprensa, a informação sempre esteve ali, clara, fácil de acessar, recebida em tablets e em “celulares espertos” (smartphones). É nesse contexto de perplexidade profissional e incredulidade mental que acompanho o lançamento do livro mais ignorado em terra brasilis desde o seu descobrimento, no distante 1500. Claro que me refiro ao Privataria Tucana, do colega Amaury Ribeiro Jr., publicado pelo selo editorial Geração Editorial, de meu amigo Luiz Fernando Emediato e, para completar a informação, lançado exatamente no dia 9 de dezembro, esse dia escolhido pelas Nações Unidas para ser o Dia Mundial Contra a Corrupção.
Se, por um lado, o boicote ao livro é ostensivo, os que poderiam se sentir acuados com as revelações do calhamaço de Ribeiro demonstram reação muito além de tímida, reação inexistente mesmo. Como é evidente a prática dos dois pesos e duas medidas na cobertura da política brasileira! Quão diferente o tratamento dado a livros como Honoráveis Bandidos e Lula é minha anta (nem me dou ao trabalho de dizer nomes dos autores, editoras etc. porque isso a grande imprensa fez à larga). Sei que ambos se ocuparam de nossas velhas mazelas nacionais – a corrupção auriverde. A comparação com o livro invisível do momento fica por aqui. É que tanto o Honoráveis quanto o da Anta, abundam em adjetivos e achincalhes para todos os gostos (e desgostos) e o livro A Privataria Tucana capricha na apresentação documental.
É quase que uma espécie de instrução dos autos de um processo, provavelmente o maior da República, a tratar de corrupção graúda, internacional, dissecando os dutos da roubalheira, seguindo rastros carimbados, documentos oficiais de bancos e de Juntas Comerciais, relatórios financeiros, extratos contábeis.
Verniz do esquecimento
Mesmo assim, se fosse um acarajé, estaria sendo disputado a tapa na barraca da Dada, na praia de Itapoã, essa princesinha das praias nordestinas localizada em Salvador, na Bahia de Todos os Santos. Mas, ainda que preparado por experiente quituteira, a verdade é que esse acarajé é disputado apenas nos meios virtuais – não vemos entrevistas com o autor no Globo, nem na Folha de S.Paulo e menos ainda no O Estado de S.Paulo.
Revistas semanais interessadas no Privataria Tucana? Só CartaCapital optou por desafiar a correnteza do partidarismo político explícito de nossa sempre autofestejada grande imprensa. Nada na Veja, Época e IstoÉ. Telejornais da TV Globo, SBT e Record: nem perca seu tempo porque o livro do Amaury decididamente nasceu para não-ser-livro e menos para-ser-notícia. É como se o livro editado por Emediato nascesse em pleno século 21 com a marca peculiar aos que integravam os famigerados Índex com os livros banidos durante a longa noite de terror que foi a Inquisição, há tantos séculos passados. Ou a proibição sumária decidida por tiranetes, há poucas décadas passadas.
A Privataria Tucana oferece a medida exata de como liberdade de expressão e liberdade de imprensa são compreendidos, em toda sua inteireza, pela meia dúzia de famílias que mandam e desmandam no negócio chamado mídia brasileira. Uma meia dúzia decide o que merece ser noticiado e o que merece ser soterrado pelas trevas do vil partidarismo e receber o cada vez mais fosco verniz do esquecimento.
Documentários sobre a realidade
Ao decidir pela não-existência do livro de Ribeiro Jr., os meios de comunicação mais vistosos do Brasil esqueceram de um detalhe, mas um detalhe poderoso. É que a informação, a notícia tal como ela é, recebeu carta de alforria e não se encontra mais aprisionada em jornais e revistas impressos. Nem precisam da bênção do editor-chefe da poderosa rede de televisão para saltar de milhares de bocas para milhões de olhos e ouvidos, em tempo real.
A web, essa grande teia que conecta corações e mentes, para além das nacionalidades e das diferenças ideológicas, das classes sociais e dos aparatos comunicacionais, começa a mostrar sua força. Foi ela que decretou a Primavera Árabe. Foi ela que avisou à população estadunidense que o Lehman Brother havia falido e que seu estilo de vida francamente insustentável, por ser depredador, não conseguiria mais se impor. Foi ela que mostrou as fraudes nas eleições iranianas, com a morte da jovem Neda. E é ela que está dizendo que existe um livro na praça que merece ser lido, não pelo seu conteúdo apenas, mas sim porque algo que tem sua existência tão descaradamente ignorada por essa plêiade de gênios da raça que atuam em nossa grande imprensa. É portentoso sinal de que... aí tem coisa. E muita coisa.
Trocando em miúdos: devemos nos contentar com o fato de que a retomada do cinema brasileiro serviu apenas para abordar o clima de guerrilha urbana por que passam nossas grandes cidades (com o narcotráfico sempre à mostra) e mais um amontoado de comédias-ligeiras, ou será alimentar expectativa demasiada quando podemos pensar em documentários consistentes sobre a realidade brasileira?
Ao escrever o primeiro parágrafo deste texto existia apenas uma questão em minha mente. E esta questão deveria ser o tema a nortear o resto do texto. A questão é: quando teremos no Brasil um cineasta com a coragem, o temperamento, a ousadia, e o senso de missão de um Michael Moore?
Do Blog do Miro
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