Mas, quando o Minotauro soçobrou, ferido mortalmente pelos excessos dos seus serviçais na Wall Street, deixou a economia global em estado caótico.
Yannis Varoufakis
Quando 2011 está prestes a encerrar-se, com o BCE tendo só coberto com papel os cracks que se aprofundam na eurozona, é tempo de nos permitirmos abandonar as barricadas por uns dez dias. Se o soldados nos campos da morte da Grande Guerra podiam manter um cessar-fogo humano, para cuidar dos feridos e enterrar os mortos, também nós podemos permitir-nos uma pausa no nosso ritmo frenético. De qualquer modo, a Crise estará de volta com odiosa vingança logo após o Ano Novo. Assim, é tempo de desligarmos nossos gadgets, cuidarmos daqueles que temos esquecidos e reflectirmos sobre um ano verdadeiramente terrível. Da minha parte, vou voar para Sydney para estar com a minha filha. Desejo a todos festas felizes e um Ano Novo digno das muitas pessoas boas que sofreram desnecessariamente durante 2011.
Finalmente, uma vez que 2011 foi o ano do "meu" Minotauro, deixo-vos com esta fábula (a qual resume em poucas palavras a ideia central do livro):
Outrora, no famoso labirinto do palácio do Rei de Creta, viveu uma criatura tão brutal quanto trágica. A sua intensa solidão só era comparável ao medo que inspirava por toda a parte.
O Minotauro, pois este era o seu nome, tinha um apetite voraz o qual devia ser saciados a fim de garantir o domínio do Rei – o blindado reino minóico que assegurava a Paz, permitia o comércio através dos mares em navios cheios e difundia a prosperidade por todos os cantos do mundo conhecido.
Mas, ai de nós, o apetite da besta só podia ser satisfeito por carne humana.
De tempos em tempos, um navio carregado de jovens velejava da distante Atenas com destino a Creta – para entregar o seu tributo humano a ser devorado pelo Minotauro. Um horrendo ritual que era essencial para preservar a Paz daqueles tempos e continuar a sua Prosperidade.
Milénios depois, ergue-se um outro Minotauro, desta vez global. Sub-repticiamente. A partir das cinzas da primeira fase do pós guerra – aquela criada pelos homens do New Deal da América depois da guerra.
O seu covil, uma forma de Labirinto, foi localizado nas profundezas das tripas da economia americana. Ele assumiu a forma de défice comercial estado-unidense, o qual consumia as exportações do mundo. Quanto mais o défice crescia, maior o seu apetite por capital da Europa e da Ásia com que este Minotauro Americano saciava a sua fome. O que o tornou verdadeiramente Global foi a sua função: Ajudava a reciclar capital financeiro (lucros, poupanças, excedente monetário). Mantinha as reluzentes fábricas alemãs ocupadas. Devorava tudo o que era produzido no Japão e, depois, na China. E, para completar o círculo, os proprietários estrangeiros (muitas vezes americanos) destas fábricas distantes enviavam seus lucros, seu cash para a Wall Street – uma forma de tributo moderno ao Minotauro Global.
O que fazem banqueiros quando um tsunami de capital atravessa-se diariamente no seu caminho? Quando entre 3 e 5 mil milhões de dólares, líquidos, passam através dos seus dedos a cada manhã da semana? Eles encontram meios para fazê-lo crescer! Para procriar em seu benefício. Portanto, as décadas de 80, 90 e 2000 assistiram a uma explosão de dinheiro privado inventado (minting) pela Wall Street nas costas do tsunami diário de capital que fluía para a América a fim de alimentar o Minotauro.
Tal como o seu antecessor mitológico, o nosso Minotauro Global manteve a economia mundial a andar durante décadas. Até que as pirâmides de dinheiro privado construídas sobre o tributo alimentar do Minotauro entraram em colapso sob o seu próprio peso insuportável. O Planeta Terra simplesmente não era suficientemente grande para aguentar tanto dinheiro tóxico privado; dinheiro de papel que se incendiou uma principiado o colapso. Nesta conflagração, o Minotauro Global foi ferido gravemente.
Enquanto dispunha de uma saúde brutal, o Minotauro produzia tremenda riqueza e abominável desigualdade, novas perspectivas de prazer e novas forma de privação, ampla segurança para uns poucos e aflitiva insegurança para a maior parte, grandes invenções/gadgets e fracassos espectaculares na honestidade vulgar. Seja o que for que pensemos do reinado do Minotauro Global, ele manteve o mundo em andamento e suas elites pensavam que o seu regime era estável, com êxito e mesmo moderado. Com o desaparecimento do Minotauro, a manter o show em andamento a partir do seu labirinto secreto, seus excessos flagrantes permaneciam ocultos, o que ajudava a grande e boa crença na sua própria retórica acerca de alguma Grande Moderação supostamente em vigor.
Mas, quando o Minotauro soçobrou, ferido mortalmente pelos excessos dos seus serviçais na Wall Street, deixou a economia global em estado caótico. Na América e na Europa, na Índia e na China, a morte do Minotauro colocou o mundo numa crise permanente.
O Minotauro de Creta foi morto por um corajoso príncipe ateniense, Teseu. A sua morte introduziu uma nova era de tragédia, história, filosofia. O nosso próprio Minotauro Global morreu menos heroicamente. Foi uma vítima dos banqueiros da Wall Street. O que trará a sua morte? Deveríamos nós ousar esperar uma nova era na qual a riqueza não precise mais da pobreza para florescer? Na qual desenvolvimento signifique menos cinzas e diminuição do poder abstracto enquanto toda a gente fica mais forte?
Seja qual o resultado dos misteriosos caminhos da história, o Minotauro Global será recordado como uma besta notável cujos 30 anos de reinado criaram, e a seguir destruíram, a ilusão de que o capitalismo pode ser estável, de que a cobiça pode ser uma virtude e de que as finanças são produtivas.
O original encontra-se em yanisvaroufakis.eu/2011/12/23/ending-2011-with-a-fable-for-our-times/#more-1518
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