Guerrilheiro Virtual

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Argentina: UM PAÍS RECUPERANDO SUA SOBERANIA


“O governo de Cristina Fernández de Kirchner acaba de decretar nova regulamentação para o setor do petróleo. O objetivo da nova legislação é tão claro como complexo: recuperar a soberania sobre um recurso natural estratégico. Vendida para a espanhola REPSOL, a YPF diminuiu sua produção, os investimentos ficaram muito abaixo do necessário, e os dividendos pagos aos acionistas chegaram às nuvens.

Por Eric Nepomuceno, de Buenos Aires

O governo da presidente Cristina Fernández de Kirchner acaba de decretar nova regulamentação para o setor do petróleo. É parte da lei que renacionalizou – isso que os conservadores chamam de "expropriou" – a YPF, “Yacimientos Petrolíferos Fiscales”, a Petrobras dos argentinos que havia sido privatizada por Carlos Menem em um de seus mais exacerbados delírios neoliberais.

Vendida para a espanhola REPSOL, a YPF diminuiu sua produção, os investimentos ficaram muito abaixo do necessário, e os dividendos pagos aos acionistas [ a maioria grupos espanhois] chegaram às nuvens. A REPSOL sugou petróleo do subsolo argentino e sugou ainda mais a empresa que um dia havia sido patrimônio nacional.

O objetivo da nova legislação é tão claro como complexo: recuperar a soberania sobre um recurso natural estratégico. Retomar os tempos da capacidade de autoabastecimento, estabelecer certa harmonia entre todas as etapas do negócio do petróleo – da prospecção, exploração, produção até o transporte e distribuição – e cumprir metas que correspondam, em primeiro lugar, às necessidades do país.

Logo em seu primeiro artigo, o decreto que renacionalizou a YPF declara de interesse público nacional e prioritário alcançar o autoabastecimento de hidrocarburetos. Para chegar a esse ponto, diz o governo que, a partir de agora, as empresas de petróleo e energia devem apresentar seus planos e metas anuais. Caso não correspondam às metas estabelecidas pelo Estado, essas empresas deverão realizar os ajustes necessários.

Será posta atenção especial no que se refere a investimentos, e também às metas das empresas concessionárias. Um ponto polêmico, e bastante vago, se refere à margem de lucro de cada companhia. O decreto menciona ‘ margens razoáveis’. Resta ver se o que é razoável para o governo é considerado razoável para as multinacionais do ramo.

Trata-se, é verdade, de uma espécie intervenção do Estado no setor privado. Mas, sobretudo, trata-se da ação do Estado junto a uma atividade essencial para o país, uma forma de cobrar legalmente os investimentos prometidos – coisa que, até agora, ficava no campo nebuloso das promessas não cumpridas, enquanto o país sofria as consequências.

Acima de tudo, a nova legislação devolve, ao setor do petróleo, seu caráter de recurso estratégico – e, portanto, de interesse nacional. De patrimônio de todos os argentinos. Ao mesmo tempo, estabelece como objetivo prioritário alcançar o autoabastecimento. Para isso, cada etapa do negócio passa a ser estratégica.

Assim, o Estado passa a ter controle sobre o que for produzido, o que for destinado à exportação, o que for investido, ou seja, assume a regulamentação e o controle do resultado obtido por uma concessão pública sobre uma riqueza que é, ou deveria ser, de todos os argentinos.

Haverá um “ Plano Nacional de Investimentos”, cujos eixos foram estabelecidos: forte incremento em toda a cadeia de produção, integração do capital público e privado, nacional e internacional, alianças estratégicas na exploração, produção e distribuição. Um ponto chama a atenção: essas alianças também terão como meta proteger o interesse dos consumidores. Prevalecerá, sempre, a meta do Estado, e não a de cada empresa ou grupo de empresas.

A gritaria já se faz ouvir, a começar pelo núcleo de oposição, o grupo que controla o jornal “Clarín” e a maior concentração de emissoras de rádio e televisão do país. Diz o “Clarín” que o decreto presidencial muda as regras do setor do petróleo, e tem razão. Resta saber quem era beneficiado pelas regras anteriores. O país, certamente não.

A decisão do governo de criar uma comissão que determinará metas e limites provocou ataques de urticária nos arautos liberais. Os especialistas de plantão saltaram à arena para advertir que, com tais regras, os investidores sumirão no horizonte. E sem investidores, adeus autoabastecimento. Não se menciona, é claro, a forte retração de investimentos observada nos últimos anos.

Tomando como base a nacionalização da YPF, surgem os alarmistas de sempre, brandindo o risco de estatização total do setor. De que desvão tiraram esse fantasma frouxo, ninguém sabe, ninguém diz.

O fato é que, se levada a cabo, o que a nova legislação provocará é o fim do direito de as petroleiras fazerem com o petróleo argentino o que quiserem.

Desde a privatização da YPF, o que as multinacionais quiseram e conseguiram foi tratar esse recurso estratégico a seu bel-prazer. O resultado foi uma conta de uns doze bilhões de dólares que a Argentina terá de enfrentar este ano importando petróleo e gás.

Se for cumprida à risca, a nova legislação para o setor impedirá que as multinacionais continuem se apropriando de 90% das receitas geradas pelo petróleo argentino, e investindo as migalhas sobrantes.

Se levada a cabo, a nova legislação liquidará a soberania das multinacionais sobre esse recurso estratégico, e essa soberania – palavra amaldiçoada, conceito em desuso – retornará para o Estado argentino.

Que assim seja."

FONTE: escrito por Eric Nepomuceno, de Buenos Aires. Publicado no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20639). [Trecho entre colchetes adicionado por este blog 'democracia&política'].

Nenhum comentário:

Postar um comentário

”Sendo este um espaço democrático, os comentários aqui postados são de total responsabilidade dos seus emitentes, não representando necessariamente a opinião de seus editores. Nós, nos reservamos o direito de, dentro das limitações de tempo, resumir ou deletar os comentários que tiverem conteúdo contrário às normas éticas deste blog. Não será tolerado Insulto, difamação ou ataques pessoais. Os editores não se responsabilizam pelo conteúdo dos comentários dos leitores, mas adverte que, textos ofensivos à quem quer que seja, ou que contenham agressão, discriminação, palavrões, ou que de alguma forma incitem a violência, ou transgridam leis e normas vigentes no Brasil, serão excluídos.”