O avatar de Daniela Schwery parece um monstro que, após várias
camadas de inserções, ganhou vida própria na internet, como atestam seus
quatro blogs. A candidata se especializou em disseminar ódio e
preconceito.
Dani Schwery usa as redes sociais para fazer uma campanha de palavrões e lugares-comuns. Foto: Reprodução
Foi uma aula de política a distância. A dois meses das eleições, Dani
Schwery, candidata a vereadora pelo PSDB de São Paulo, cristalizou em
um só post no Facebook toda a ideologia conservadora
escondida na polidez da direita brasileira. A “piadinha básica do dia”
falava de um prédio de quatro andares incendiado. No primeiro viviam
famílias de sem-teto, filhos de presidiários com auxílio do governo.
Morreram todos.
No segundo, “retirantes” sustentados pelo Bolsa Família: pereceram.
No terceiro havia famílias de ex-guerrilheiros, beneficiários de ações
judiciais contra a ditadura, filiados “a um ParTido político influente”.
Ninguém sobreviveu. Só no quarto, onde viviam engenheiros, advogados e
outros “trabalhadores”, todos escaparam. A presidenta mandou instaurar
um inquérito para saber por que morreram os “cumpanheiros” e só
escaparam os moradores do quarto andar. A resposta: “Eles não estavam em
casa. Estavam trabalhando”. No fim do post, Dani arremata: foi a melhor
do ano.
Na manhã seguinte, ela respondeu às críticas sobre o suposto fascismo
disfarçado de humor. Mas retratação não é um termo do seu vocabulário,
tão pródigo em palavrões como econômico no uso de vírgulas e acentos.
“Choveu denuncia por causa de uma piadinha!”, ironizou. “I AM BACK pior
que antes. Mais anti vagabundo (sic) e oportunista que nunca!!!” Pelos
excertos virtuais vê-se que Dani existe em carne e osso e, parece, é
autoconsciente.
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Tem 32 anos e é ariana, “pois nasci sob o signo de
Áries”. Formada em Direito, “mas não atua”, é “extrovertida, desbocada,
mas que tem um lado extremamente altruísta”, descreve-se em terceira
pessoa. “A Dani adora beber uma cervejinha com os amigos” e “tirar sarro
de corintianos e petistas”, pois “tem um humor sarcástico, irônico e
escrachado, ora dando a falsa impressão de ser preconceituosa, mas não o
é”. Ela usa piadas “para fazer críticas sociais”, as pessoas é que são
burras. “Isso mesmo, BURRAS! Eu, como candidata, não devia dizer isso?
Lamento, não deem motivo então! Ou então digiram (sic) aí o significado
da palavra BURRO com direito a relinchada, pode bater o pezinho também.”
A bacharel fez cursos na FGV, Fiesp e OAB. “Estudei um pouco em
Londres, e mais um monte de outros cursos… mas e daí? Formação só tem
valor se vem junto com caráter e ‘culhão’. Isso eu tenho de sobra.” Por
que ela decidiu deixar o balcão de seu restaurante no Tatuapé, na zona
leste de São Paulo, para se candidatar à Câmara? “Eu adooooro política,
adoro um bate-boca, adoro um barraco.” Dani já sofreu “muito abuso” na
vida. “O que é então aguentar uma cambada de caga decoreba que adora
citar o livro ‘O Príncipe’”? Até porque “uma pessoa que quer ir para a
política não pode ser normal. Sou sadomasoquista, só pode! Porque basta
entrar nisso que já vem gente de tudo que é lado me linchar. E quer
saber? Foda-se!”
Dani Schwery representa o futuro do partido de Alckmin? Ou o presente? Foto: Reprodução / CartaCapital
O avatar de Daniela parece um monstro que, após várias camadas de
inserções, ganhou vida própria na internet, como atestam seus quatro
blogs. No Diário de uma Louca, ela diz ter nascido “num contexto
familiar bem podre”. “Meu pai é um escroto, valores
deturpados, sem princípios, hipócrita, manipulativo, controlador,
ardiloso, ditador, um podre enfim. Signo: escorpião. Por aí já façam
uma ideia.” A mãe era abastada, mas caiu nas garras dele. “Eu apanhava
por qualquer motivo.”
A culpa era da irmã, uma gorda invejosa. “Isso aí é meu DNA. Imaginem
como meu psicológico não ficava arrebentado e imaginem as consequências
disso tudo.” O resto é psicanálise. Verdade: a cada eleição, uma nova
revoada de criaturas exóticas em busca de um lugar ao sol no horizonte
da política se abate sobre o País. Para conquistar espaço, a regra é
fazer barulho – e não se inventou lugar melhor que as redes sociais.
Alimentando-se nas pastagens do Facebook e do Twitter,
os neófitos do hábitat eleitoral ganham plumagem vistosa, assumem
posição de liderança e compartilham o ranço trazido dos confins do
universo pessoal. Mas poucos têm a audácia de dizer tanto e tão pouco.
Quando alguém disse que ela resumia o que Serra pensava, mas não
tinha coragem de dizer, a resposta veio em 2002 palavras. “Humor/sátira
também é ferramenta de crítica, cada um entendeu a piada como quis e
nesse tocante não sou responsável pelo entendimento do outro (…) que
quis por opção de ordem pessoal interpretar.” Show de retórica. “E
convenhamos, temos direito ao preconceito.”
A análise então migra para um misto de sofística e história para
embalar bovinos no sono do niilismo cibernético. Os petistas seriam como
Stalin. “Você é um monstro assassino e sanguinário então, nós, do PSDB,
somos fichinhas comparados a vocês neste caso.” No frêmito, ela beira a
santidade. “Me sinto elogiada por você e a sua turminha quando chamada
de fascista.” E arremata: “Vamos deixar claro que trata-se de uma ironia
(…) visto que o sarcasmo é algo como enfiar uma jaca no meio do c… de
vocês”.
A candidata publica piadas fascistas no Facebook, xinga gente no Twitter
e faz vídeos nos quais “exorciza” esquerdistas. Foto: Reprodução /
CartaCapital
Em um vídeo do YouTube, a exterminadora de
“petralhas” contracena com um rapaz de vermelho, que surge com um livro
de Marx para ouvir dela: “Vai trabalhar”. Um padre aparece e os dois o
exorcizam, até ele acordar de camiseta azul, crente que “o capitalismo é
uma coisa boa”. Em outro, seu séquito surge disposto a resolver os
problemas do País.
Após fazerem um chá de fita, decidem faltar ao trabalho e pedir uma
bolsa ao governo. Para quem a acusa de vazio programático, ela rebate:
seu foco é “fazer as pazes com a polícia” e melhorar o trânsito. “Já
notaram que amarelinho ou policiais civis adoram tumultuar com São Paulo
bem no horário de pico?”
Dani parece uma Michele Bachmann do Tatuapé.
Catapultada à candidatura à Presidência dos EUA por ecoar os
ressentimentos e preconceitos da direita em disparates na mídia,
Bachmann divertiu as primárias. Para um País que elegeu Tiririca, Dani
parece ser a última fronteira.
William Vieira, CartaCapital
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