Não
é de hoje que os proprietários de estações de rádio estão de olho no
horário histórico de 19 às 20 horas, de segunda a sexta-feira. É o
espaço reservado à Voz do Brasil, o mais antigo programa de rádio no
mundo, 77 anos, e com uma audiência garantida de milhões de brasileiros
que muitas vezes só têm acesso à informação através desse espaço
midiático, além de ter sido um instrumento relevante no projeto de
integração nacional, juntamente com a Rádio Nacional.
No
início, a atual Voz do Brasil era conhecida como Programa Nacional e em
1938 passou a se chamar Hora do Brasil. Em 1962 recebeu a denominação
atual.
Pois bem, neste momento na Câmara dos
Deputados há um projeto que pretende flexibilizar o horário da Voz do
Brasil, o que na prática representa o início do fim desse importante
programa radiofônico com informações dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário.
O Ministro Paulo Bernardo, em
reunião da Associação Brasileira de Radio e Televisão (ABERT), defendeu a
flexibilização do horário da Voz do Brasil, para contentamento dos
proprietários de rádio do Oiapoque ao Chuí. Como são 5.556 municípios no
país, podem imaginar o total de emissoras.
Flexibilizar
o horário da Voz do Brasil é na prática acabar com o programa. Se isso
acontecer, não haverá como fiscalizar se as emissoras - na verdade
concessões públicas - apresentam mesmo o programa.
Os
defensores da flexibilização usam argumentos insustentáveis e tentam
esconder de todas as formas que o real objetivo é ampliar os lucros no
espaço nobre de 19 às 20 horas.
O tema é bem
mais sofisticado do que se imagina. Para se ter uma ideia, o Senador
José Sarney na calada da noite reativou o Conselho de Comunicação Social
(CCS) e nomeou os integrantes sem consultar a sociedade.
Entre
os 13 integrantes titulares e suplentes indicados estão dois executivos
das organizações Globo: Gilberto Carlos Leifert, diretor comercial da
emissora e presidente do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação
Publicitária), como representante das empresas de televisão, e
Alexandre Kruel Jobim, filho do ex-ministro Nelson Jobim e
vice-presidente jurídico e de relações governamentais do grupo RBS,
braço da Globo no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, como representante
das empresas da imprensa escrita.
Outros nomes
indicados como representantes da sociedade civil destacam-se o Arcebispo
do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta e Fernando Cesar Mesquita,
secretário de comunicação social do Senado, por sinal também ex-assessor
de imprensa de Sarney, interventor nomeado por Sarney em Fernando de
Noronha e seu fiel escudeiro, são outros nomes que comporão o CCS.
O
Conselho, embora não tendo caráter deliberativo, sempre foi defendido
pelos movimentos sociais como um passo importante na área midiática. Foi
desativado, em 2006, de forma atabalhoada e ilegal.
Quando
foi criado, em 1988, ficou decidido que não poderia integrar o Conselho
pessoa ligada direta ou indiretamente a empresas de comunicação. A
determinação, sugerida pelo então deputado Paulo Alberto (Arthur da
Távola), foi aprovada na Constituinte e, segundo testemunho do
jornalista José Augusto Ribeiro, na época cobrindo os debates da
Constituinte pela TV Bandeirantes, simplesmente desapareceu, foi
suprimida. E tudo ficou por isso mesmo. Se estivesse em vigor, os dois
nomes vinculados ao esquema Globo não poderiam ser indicados.
Uma
pergunta deve ser feita: qual o motivo de Sarney, que é proprietário de
canais de rádio e televisão, ter decretado a reativação do Conselho? E
logo Sarney, que em toda a sua história política sempre esteve do lado
das elites e, claro, dos barões midiáticos? Até porque ele é um deles.
O
tema reativação do Conselho é realmente complexo. A reativação pode
ter sido constitucional, mesmo tendo sido feita sem consultas
democráticas, na calada da noite e poucas horas antes do recesso
legislativo.
Tem mais um detalhe, e é aí que
mora o perigo. O esquema adotado da reativação é absolutamente
casuístico, porque foi para frente por pressão imediatista da Abert, que
não prega prego sem estopa e mistura alhos com bugalhos, ou seja, seus
interesses particulares com os da sociedade brasileira.
E
tem mais uma sutileza: pela técnica legislativa, não pode ocorrer a
aprovação da flexibilização do horário da Voz do Brasil sem antes ouvir a
manifestação do CCS. Ou seja, a ABERT consultou os seus advogados e
técnicos legislativos chegando a conclusão que sem a manifestação do CCS
sobre o tema a flexibilização daria margem a um embargo da matéria no
Supremo Tribunal Federal, como se sabe, a instância máxima da Justiça
brasileira.
Alertado pelos seus pares, Sarney
prontamente decidiu reativar o CCS, que terá como uma de suas missões
dar parecer sobre o projeto de flexibilização do horário da Voz do
Brasil, caso venha a ser aprovado. E pela composição de forças, não será
surpresa recomendar o que desejam os que têm a concessão de emissoras
de rádio.
A ofensiva pela aprovação do projeto é
muito forte. Mas há resistências. O Deputado Jilmar Tato, do PT de São
Paulo, pensa ao contrário do seu colega de partido, o ministro Paulo
Bernardo, e conseguiu retirar da pauta de votação o projeto alegando que
não foi discutido devidamente e ainda por cima se ocorrer a
flexibilização, milhões de brasileiros verão interrompidos a sua fonte
informativa. O tema está em debate.
O Deputado
Fernando Ferro, do PT de Pernambuco, apresentou projeto tornando a Voz
do Brasil Patrimônio Cultural Imaterial do Povo Brasileiro. Para isso, o
projeto deve contar com o apoio do Ministério da Cultura e desta forma
seguir caminho para a Presidenta Dilma Rousseff decretar.
O
parlamentar quer, em suma, que o Ministério da Cultura se aproprie,
consolide e dê estatuto de Patrimônio Imaterial da memória do Brasil ao
importante espaço informativo acompanhado por milhões de ouvintes.
Vale
lembrar que a Voz do Brasil no horário de 19 às 20 horas, além de ser
fonte informativa para milhões de brasileiros, é um programa
jornalístico que pode ser até ampliado, por exemplo, com informações
sobre os movimentos sociais existentes no país, que geralmente são
boicotados pela mídia de mercado, a mesma que defende com unhas e dentes
o fim da Voz do Brasil com a flexibilização do horário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
”Sendo este um espaço democrático, os comentários aqui postados são de total responsabilidade dos seus emitentes, não representando necessariamente a opinião de seus editores. Nós, nos reservamos o direito de, dentro das limitações de tempo, resumir ou deletar os comentários que tiverem conteúdo contrário às normas éticas deste blog. Não será tolerado Insulto, difamação ou ataques pessoais. Os editores não se responsabilizam pelo conteúdo dos comentários dos leitores, mas adverte que, textos ofensivos à quem quer que seja, ou que contenham agressão, discriminação, palavrões, ou que de alguma forma incitem a violência, ou transgridam leis e normas vigentes no Brasil, serão excluídos.”