Dez
anos atrás, nesta mesma época, todo mundo queria ser amigo de José
Dirceu, o coordenador da campanha que dali a alguns dias levaria Lula à
sua primeira vitória nas eleições presidenciais.
Hoje, é tratado pela maior parte da imprensa como se fosse o inimigo
público número um, alguém a ser execrado e combatido de todas as formas,
embora ainda lhe restem muitos amigos.
Nomeado ministro-chefe da Casa Civil, Dirceu teve papel importante na
formação do governo eleito, sem maioria no Congresso Nacional. Discutida
durante várias semanas, a aliança com o PMDB, o maior partido no
parlamento, não deu certo.
Nascem aí, a meu ver, as dificuldades políticas do PT, que três anos
depois levariam o partido a ser denunciado no caso do mensalão, dando
início ao processo ora sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal.
Bem antes, porém, do STF abrir suas portas para colocar em pauta a ação
penal 470, José Dirceu já parecia condenado às penas máximas, e ponto -
só não se exigindo a pena de morte porque não consta da nossa
legislação.
O bombardeio contra Dirceu na opinião pública foi de tal ordem que não
podia mais haver nenhuma discussão sobre os autos e as provas constantes
do processo.
Simplesmente, não se admitia dos ministros do STF outra decisão a não
ser condená-lo e mandá-lo para a cadeia, com ou sem provas, quaisquer
que fossem os argumentos da defesa.
Programado para coincidir com a reta final da campanha eleitoral, o
julgamento de José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares na próxima
semana é tratado como causa vencida, antes que seja dado o primeiro voto
no STF.
Dirceu tornou-se o símbolo do PT a ser destruído, mas na verdade o que
se busca com a sua condenação é desconstruir a imagem do governo de
Lula, aprovado por mais de 80% da população, e do seu partido. No
noticiário, nas colunas, nos blogs e nos comentários das redes sociais,
virou uma guerra de extermínio, a vingança de quem perdeu o poder em
2002.
É nesse clima de esfola e mata que um grupo de artistas, intelectuais e
acadêmicos está preparando um documento, que já conta com mais de 200
assinaturas, em defesa de um julgamento que respeite os réus e não ceda
ao massacre promovido pelos meios de comunicação.
"Não reivindicamos a inocência de ninguém. Mas esperamos que os
ministros do STF saibam punir quem tem de ser punido. E inocentar quem
tem direito à inocência", diz um dos articuladores do texto, o produtor
de cinema Luiz Carlos Barreto, 82 anos, velho amigo do ex-ministro.
"Não é um manifesto. É um texto filosófico-doutrinário de cidadãos
brasileiros preocupados com a manutenção de alguns direitos
constitucionais, sobretudo o direito à presunção da inocência", explicou
Barreto a Fabio Brisolla, da 'Folha".
"Somos contra a espetacularização do julgamento, o pré-julgamento e a
pré-condenação que vem se fazendo publicamente. Esperamos que o
julgamento seja feito no tribunal". O nome de José Dirceu nem é citado
no texto.
Um dos signatários é o arquiteto Oscar Niemeyer, que disse a "O Globo:
"Desde o início há uma campanha contra o José Dirceu. Um exagero". O
economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, que foi ministro no governo de
Fernando Henrique Cardoso, justificou sua adesão ao documento por se
tratar de "um texto que fala sobre como se aplicam os princípios de
direito em geral, que precisam ser seguidos".
Os autores do documento ainda não decidiram se a mensagem será enviada
aos ministros do STF. Entre outros, assinam o texto o compositor e poeta
Jorge Mautner, a empresária Flora Gil, mulher de Gilberto Gil, os
cineastas Bruno Barreto e Tizuka Yamazaki, o escritor Fernando Morais e o
músico Alceu Valença.
Em outras palavras, questões jurídicas e político-eleitorais à parte, o
que o documento dos seus amigos reivindica é respeito aos direitos do
cidadão José Dirceu.
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