Os principais jornais do país celebram na quarta-feira (10/10), com a
sobriedade possível, sua vitória no julgamento do processo conhecido
como “mensalão”. O ex-ministro José Dirceu, inimigo público número 2 da
imprensa, foi condenado como articulador de um esquema de pagamentos a
líderes de partidos aliados, nos termos exatos em que fora acusado, nove
anos atrás, pelo então deputado Roberto Jefferson, do PTB.
A imprensa comemora a decisão como se representasse a afirmação da
maturidade política do Brasil e transforma em heróis os magistrados que
cumpriram da maneira que consideraram mais correta sua função
institucional.
Entre os vários aspectos técnicos que a decisão jurídica apresenta, e
que são selecionados pela imprensa para fundamentar a importância que se
dá ao acontecimento, tem posição central a desobrigação do ato de
ofício como condição para a condenação por corrupção. Basta que o agente
público beneficiado pelo corruptor tenha condições de prestar o favor
esperado, para que se configure o crime.
Na fila
Outro detalhe destacado por especialistas consultados pelos jornais se
refere à consideração de que, para se configurar o delito de lavagem de
dinheiro, basta que o agente suspeite da origem dos valores. A
culpabilidade se forma no conjunto das evidências, considerando-se
também depoimentos e até mesmo algumas subjetividades, como conversas de
cujo teor ninguém, além dos interlocutores, teve conhecimento.
O argumento de que os repasses de dinheiro a dirigentes de partidos
aliados nunca configurou um esquema que pudesse ser chamado de
“mensalão” caiu por terra na análise desse conjunto, o que demonstra que
amadureceu nos últimos meses, por parte da maioria dos ministros do
Supremo Tribunal Federal, a predisposição para transformar esse caso num
novo paradigma para o julgamento de denúncias envolvendo agentes
públicos.
As consequências para a prática da Justiça são evidentes: deve-se
esperar, daqui para a frente, que outros casos semelhantes sejam
tratados com igual rigor, e que a condenação de personagens como José
Dirceu e a banqueira Kátia Rabello seja um sinal de que figuras de
grosso calibre não ficarão impunes no futuro.
Outros banqueiros estiveram nessa fila e receberam tratamento muito diferenciado da mesma corte.
Outros políticos e outro “mensalão” esperam sua vez.
Os jornais também discutem, ainda que superficialmente, as consequências
da condenação do ex-ministro José Dirceu para o futuro do partido que
ajudou a fundar e do qual foi presidente durante a campanha de 2002, que
elegeu o ex-presidente Lula da Silva.
A maioria dos textos faz uma relação direta entre a decisão do STF e as
chances do candidato petista à prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad,
que vai disputar o segundo turno contra o candidato do PSDB, José
Serra, que tem a preferência declarada dos dois principais jornais do
estado. No entanto, qualquer coisa que se diga a respeito dessa questão
ainda estará no campo subjetivo das opiniões.
Assim como os analistas e os institutos de pesquisa erraram ao prever
que Serra disputaria o segundo turno com Celso Russomanno, candidato do
PRB, muito do que se diz agora ainda terá que passar pelo teste de
realidade. O problema é que a realidade social anda pregando surpresas
nos profetas de todo tipo.
A hora dos palpites
A imprensa já dá repercussão a declarações irônicas do candidato tucano,
relacionando a decisão do STF a Fernando Haddad. No entanto, essa
estratégia pode se revelar inócua, ou, até mesmo, produzir o efeito
contrário.
Evidentemente, ao lançar Haddad e conduzi-lo do quase anonimato para a
disputa do segundo turno na eleição mais concorrida do país, Lula da
Silva demonstra que ainda conta com a admiração da população de renda
mais baixa, aquela que mais se beneficiou de suas políticas sociais.
Ao mesmo tempo, ao sacar um candidato que não tem relação histórica com
os fundadores do partido – entre os quais aqueles que acabaram
condenados pelo STF –, Lula aponta para seus seguidores a possibilidade
da refundação do projeto político do Partido dos Trabalhadores, sem o
imenso peso da liderança personalista de Dirceu.
Sem os dissidentes mais à esquerda que já se desligaram do núcleo
original do PT para fundar suas próprias agremiações, como o PSOL e o
PSTU, o projeto socialdemocrata de Lula pode se consolidar junto à nova
classe de renda média que compõe a maioria da população e que, segundo o
próprio ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o Partido da
Socialdemocracia Brasileira não consegue entender.
A condenação de José Dirceu, José Genoíno e outros antigos líderes do PT
pode funcionar como uma catarse capaz de levar a militância de volta às
ruas.
No jogo dos palpites, esse é um que precisa ser considerado.
Luciano Martins Costa
No Observatório da Imprensa
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