No Recanto dos Humildes, hidrante dentro do quintal da residência vira brinquedo para crianças
Comerciantes, moradores e líderes comunitários em pelo menos
três favelas em que a prefeitura afirma existir o Programa de Prevenção
de Incêndios em Assentamentos Precários (Previn) desconhecem ações
relacionadas ao projeto. Em nenhuma delas a Secretaria das
Subprefeituras treinou brigadistas, instalou hidrantes ou entregou
equipamentos de segurança, como prevê o programa.
Durante dois dias, a reportagem da Rede Brasil Atual percorreu as
favelas Jardim da Paz, em Perus, Heliópolis, na Zona Leste, e Alba, na
Zona Sul, e não identificou presença do Previn. Elas fazem parte de uma
lista oficial de 51 lugares contemplados pelo programa, elaborada em
março de 2011. A lista foi obtida com a prefeitura pelo Coletivo Fogo
no Barraco, por meio da Lei de Acesso à Informação.
- Nunca fui informada de nenhum programa nesses moldes – afirma a vice-presidente da associação de moradores
do Recanto dos Humildes, Georgina Nascimento, bairro onde fica o
Jardim da Paz. Simone Fernandes, que faz parte da associação de moradores
do próprio Jardim da Paz, também desconhece o programa. “Já tivemos
três incêndios aqui e nunca ninguém nos procurou para implantação do
programa. Se houvesse com certeza saberíamos”.
Em mais de uma hora de circulação pelo bairro encontramos apenas dois
hidrantes antigos. Um deles, completamente desativado, está instalado
no quintal da dona de casa Camila dos Santos, que vive há 14 anos na
residência. “Ele sempre esteve aqui. Já fomos na Sabesp e no Corpo de
Bombeiros, mas ninguém nunca usou ou se propôs a tirá-lo daqui. Não tem
nem registro”.
Na favela do Heliópolis, região sudeste de São Paulo, a situação se
repete. O projeto, que seria instalado em uma região designada como
Gleba F, é desconhecido por moradores e por membros da União de Núcleos,
Associações e Sociedades dos Moradores de Heliópolis e São João
Clímaco (Unas).
- Aqui em Heliópolis tem esse troço – surpreendeu-se Marilene Rosa,
uma das funcionárias da unidade da Unas na Gleba F. As colegas de
trabalho também desconhecem o programa: “Pode rodar por aqui que você
não vai ver nenhum hidrante, nem em viela nem em rua aberta”, afirma
Silvia Melo dos Santos.
A favela Alba, que pegou fogo em agosto, também não possui ações do
programa, de acordo com moradores e comerciantes do local. Os líderes
comunitários Daniel Almeida e Marilene Alves afirmaram que há mais de
quatro anos houve uma movimentação para instalação do programa, que não
teve continuidade. “Eu lembro que teve um curso (para brigadistas), mas
acho que foi de malandragem. Só foi para encher nome. Não vingou aqui
não”, afirma Almeida.
- Não teve hidrante nem extintor de incêndio. Acho que o curso nem
chegou a ser finalizado – suspeita o cabeleireiro Vicente Paulo, que há
oito anos trabalha na comunidade.
A Secretaria das Subprefeituras, responsável pelo programa, solicitou
que a Rede Brasil Atual envie os endereços das favelas em que o
programa não foi encontrado e se comprometeu a apurar porque as ações
inda estão desconhecidas.
Em funcionamento
Em duas das favelas visitadas pela reportagem, o programa foi
iniciado. A mais adiantada é a São Remo, no Butantã, onde 10 brigadistas
foram treinados e receberam o diploma e os equipamentos de segurança
botas, capa, capacete, luvas e máscara de proteção, além de extintor de
incêndio e de um pó químico para misturar na água. Ainda faltam
hidrantes e mangueiras.
- A roupa é show de bola, bonita demais. O problema é a bota, que é
42 para quem calça 34! Me sinto o Ronald McDonalds com ela – brinca
Laura da Silva, uma das brigadistas voluntárias. Ela diz que entrou na
brigada para “ajudar a comunidade”.
Foi a mesma vontade que fez Sueli Aquino também participar do curso.
Ela já colocou os conhecimentos em prática em um pequeno incêndio num
fio de eletricidade. “O fogo já tava passando para as árvores. Tinha
muitas crianças com suas mães e a primeira coisa que eu fiz foi afastar
todo mundo. Cinco minutos depois chegou o primeiro carro de bombeiro
com o tenente que nos deu o curso”.
Na favela da Vila Prudente, que também pegou fogo em agosto, o
programa existe, mas os seis brigadistas treinados só receberam, até
agora, diplomas. “A gente cobra os materiais direto, mas ainda não
chegou. Já aconteceu um incêndio aqui e nós (brigadista) tivemos que
apagar com balde. A gente não tinha como se identificar para deixarem a
gente entrar no local”, conta Maria das Dores Rodrigues, uma das
brigadistas. Ela lembra que eles têm o papel apenas controlar o início
do incêndio e de organizar a retirada das pessoas para evitar acidente.
Animada e muito orgulhosa com a nova função, Maria conta os cerca de
R$ 600 que ganha mensalmente para fazer parte da brigada tem sustentado
a família, já que o marido está desempregado. A Secretaria das
Subprefeituras afirmou que a iniciativa ainda está em implantação e que
até o final do ano os equipamentos devem ser entregues aos
brigadistas.
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