Via CartaMaior
Em
um encontro de banqueiros centrais realizado em Buenos Aires, a
presidenta do Banco Central da Argentina, Mercedes Marco del Pont, foi
eleita pelos “sicofantas” de Wall Street como “a pior banqueira central
do mundo”. Seu crime: ter repelido o mandato único de meta de inflação
da política monetária a fim de considerar também estabilidade
financeira, criação de emprego e desenvolvimento com equidade social.
J. Carlos de Assis (*)
Leio
num artigo do economista americano Randall Wray que num encontro de
banqueiros centrais promovido em Buenos Aires, nos últimos dias 1º e 2
de outubro, a presidenta do Banco Central da Argentina, Mercedes Marco
del Pont, foi eleita pelos “sicofantas” de Wall Street como “a pior
banqueira central do mundo”. Seu crime: ter repelido o mandato único de
meta de inflação da política monetária a fim de considerar também
estabilidade financeira, criação de emprego e desenvolvimento econômico
com equidade social.
Não vou me estender sobre
os comentários ácidos de Wray a respeito desse “prêmio” que apenas honra
a banqueira argentina em tempos atuais, quando a maioria dos banqueiros
centrais filiados à seita da meta de inflação se revela totalmente
perdida diante da crise financeira, social e política que assola o
mundo. Convém examinar, entretanto, porque mais de cem bancos centrais
no mundo, inclusive o nosso no tempo de Meirelles e de seu antecessor
Armínio Fraga, decidiram adotar uma linha tão estúpida, e tão
socialmente regressiva.
Diga-se de passagem que
meta de inflação e mandato único não têm sido a política do Fed, o banco
central norte-americano. A propósito, pode-se dizer da política atual
do Fed que, indiferente a eventuais efeitos inflacionários a médio
prazo, seus focos principais são a promoção do emprego e a articulação
com o Tesouro para ajudar a cobrir o orçamento deficitário. Mandato
único, por imposição sobretudo alemã, é atributo do Banco Central
Europeu, o qual, com um pouco mais de tempo, acabará por destruir a
Europa.
Contudo, os americanos, que não movem
suas instituições por ideologia mas respeitam o jogo de poder real na
sociedade, sabem muito bem fazer uma política heterodoxa para dentro
enquanto vendem ortodoxia para fora. Nisso têm a ajuda dos europeus,
através, sobretudo, das instituições internacionais, notadamente FMI,
Banco Mundial e OCDE. A tríplice aliança de ingleses, alemães e
franceses tornam a ortodoxia inflexível e irresistível no plano das
organizações mundiais.
E nós, porque aceitamos
isso? Houve um tempo em que o Brasil não aceitou. Logo depois do golpe
de 64, o Banco Central brasileiro foi organizado como uma instituição
desenvolvimentista, que supria direta e indiretamente crédito agrícola.
Tínhamos para isso o chamado Orçamento Monetário, que combinava os
objetivos de estabilidade monetária e financeira com as necessidades do
desenvolvimento e da promoção do emprego. Não vá se dizer que era um
sistema inflacionário: na verdade, entre 65 e 74 a inflação caiu.
Enquanto
os americanos toleravam nosso Banco Central desenvolvimentista,
ingleses e franceses mantinham suas ex-colônias na camisa de força dos currrency board,
o esquema pelo qual o país não tem nenhum liberdade de criar moeda (a
propósito, alguns dos PUC boys, durante a discussão das medidas para
controle da inflação brasileira nos anos 90, chegaram a sugerir a
instituição do currency board aqui – algo que a Argentina de Menem acabou fazendo, naturalmente sob aplausos entusiastas de Wall Street).
Perdemos
essa autonomia e ingressamos no cordão da meta de inflação por passos
sucessivos – infelizmente, no justo momento em que a sociedade
conquistou a democracia. Primeiro destruímos a conta movimento do Banco
do Brasil no Banco Central; esta era a conta do lado desenvolvimentista
da política monetária. Posteriormente, quando o guante da dívida nos
obrigou a bater às portas do FMI, acabamos com os fundos vinculados –
isto é, os fundos responsáveis pelo espetacular desenvolvimento
brasileiro na hidroeletricidade, nas rodovias e nas telecomunicações,
entre outros.
Finalmente, no Governo FHC, por
um mero decreto, reduzimos ao objetivo único da meta de inflação o
mandato do Banco Central. Agora na prática, porém não
institucionalmente, estamos saindo discretamente dessa camisa de força.
Ainda
resta a pergunta sobre por que caminhamos nessa direção praticamente
sem oposição, exceto a de alguns poucos economistas independentes, fora
do poder. A razão é simples. A nata dos nossos economistas se forma com
preferência em macroeconomia – a economia empresarial é pouco atrativa
para jovens brasileiros-, e como tal, quando se forma, só tem uma
carreira no setor público ou na academia. Ambas as profissões pagam mal a
iniciantes. Assim, buscam uma carreira externa, preferencialmente no
FMI, no Banco Mundial, no BID, na Cepal ou em outras organizações desse
tipo.
Dominadas pela ortodoxia, essas
organizações fazem uma verdadeira lavagem cerebral nos mais inteligentes
de nossos jovens, que ao fim de um ciclo acabam voltando para posições
de mando no governo brasileiro. Quando se sentam na mesa para negociar
com representantes dessas organizações, falam a mesma linguagem e
partilham os mesmos conceitos. Não há controvérsia. São como quinta
colunas infiltradas em nossas hostes. Por acaso, muito por acaso, alguém
com um ponto de vista nacional diferente – uma Mercedes del Pont, por
exemplo – é nomeado para um cargo tão estratégico quanto o Banco
Central. Ela precisa ter sorte e muito apoio político para dominar a
metástase neoliberal em torno dela.
(*)
Economista, professor de Economia Internacional da UEPB, autor, entre
outros livros, do recém-lançado “A Razão de Deus”, pela editora
Civilização Brasileira. Esta coluna sai também nos sites Rumos do Brasil
e Brasilianas, e, às terças-feiras, no jornal carioca Monitor
Mercantil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
”Sendo este um espaço democrático, os comentários aqui postados são de total responsabilidade dos seus emitentes, não representando necessariamente a opinião de seus editores. Nós, nos reservamos o direito de, dentro das limitações de tempo, resumir ou deletar os comentários que tiverem conteúdo contrário às normas éticas deste blog. Não será tolerado Insulto, difamação ou ataques pessoais. Os editores não se responsabilizam pelo conteúdo dos comentários dos leitores, mas adverte que, textos ofensivos à quem quer que seja, ou que contenham agressão, discriminação, palavrões, ou que de alguma forma incitem a violência, ou transgridam leis e normas vigentes no Brasil, serão excluídos.”