Em
artigo exclusivo para o 247, Breno Altman argumenta que as “forças
conservadoras” usam as cortes com a “mesma desfaçatez de quando
recorriam aos quartéis”. Ele afirma ainda que José Dirceu e José Genoíno
não foram sentenciados como indivíduos, mas porque “expressavam a
fórmula para colocar o PT e o presidente Lula no banco dos réus”. O
silêncio, portanto, não é uma opção.
Sentença contra Dirceu representa agressão contra o PT, a esquerda e a Constituição
Breno Altman
O
ministro Joaquim Barbosa, relator da Ação Penal 470, praticamente
concluiu sua tarefa como relator, às vésperas de assumir a presidência
do STF, com um burlesco golpe de mão. Aparentemente para permitir que
Ayres Britto pudesse votar na dosimetria dos dirigentes petistas,
subverteu a ordem do dia e antecipou decisão sobre José Dirceu, José
Genoíno e Delúbio Soares. Apenas a voz de Ricardo Lewandowski se fez
ouvir, em protesto à enésima manobra de um julgamento marcado por
arbitrariedades e atropelos.
Talvez em nenhum
outro momento de nossa história, ao menos em períodos democráticos, o
País se viu enredado em tamanha fraude jurídica. Do começo ao fim do
processo, o que se viu foi uma sucessão de atos que violaram direitos
constitucionais e a própria jurisprudência do tribunal. A maioria dos
ministros, por opção ideológica ou mera covardia, rendeu-se à sentença
prescrita pelo baronato midiático desde que veio à tona o chamado
“mensalão”.
Os arroubos de Roberto Jefferson,
logo abraçados pela imprensa tradicional e parte do sistema judiciário,
serviram de pretexto para ofensiva contra o governo Lula, o Partido dos
Trabalhadores e a esquerda. José Dirceu e seus companheiros não foram
julgados por seus eventuais malfeitos, mas porque representam a geração
histórica da resistência à ditadura, da ascensão política dos pobres e
da conquista do governo pelo campo progressista.
Derrotadas
nas urnas, mas ainda mantendo sob seu controle os poderes fáticos da
república, as elites transitaram da disputa político-eleitoral para a
criminalização do projeto liderado pelos petistas. Com a mesma
desfaçatez de quando procuravam os quartéis, dessa vez recorreram às
cortes. Agora, como antes, articuladas por um enorme aparato de
comunicação cujo monopólio é exercido por umas poucas famílias.
O
STF, nessas circunstâncias, resolveu trilhar o caminho de suas piores
tradições. Seus integrantes, majoritariamente, alinharam-se aos exemplos
fornecidos pela extradição de Olga Benário para a Alemanha nazista,
pela cassação do registro comunista em 1945 e pelo reconhecimento do
golpe militar de 1964. Como nesses outros casos, rasgaram a Constituição
para servir ao ódio de classe contra forças que, mesmo timidamente,
ameaçam o jugo secular das oligarquias pátrias.
Garantias
internacionais, como a possibilidade do duplo grau de jurisdição, foram
desconsideradas desde o primeiro instante. Provas e testemunhos a favor
dos réus terminaram desprezados em abundância e sem pudor, enquanto
simples indícios ou ilações eram tratados como inapeláveis elementos
comprobatórios. Uma teoria presidiu o julgamento, a do domínio funcional
dos fatos, aplicada ao gosto do objetivo inquisitorial. Por meio dessa
doutrina, réus poderiam ser condenados pelo papel que exerciam, sem que
estivesse cabalmente demonstrados ação ou mando.
O
que interessava, afinal, era forjar a narrativa de que o PT e o governo
construíram maioria parlamentar através da compra de votos e do desvio
de dinheiro público, sob a responsabilidade direta de seus mais
graduados líderes. As contraprovas que rechaçam supostos fatos
criminosos e sua autoria, fartamente apresentadas pela defesa,
simplesmente foram ignoradas em um julgamento por encomenda.
Enganam-se
aqueles que apostam em qualificar este processo como um problema de
militantes petistas, quem sabe, injustamente condenados. José Dirceu e
seus pares não foram sentenciados como indivíduos, mas porque
expressavam a fórmula para colocar o PT e o presidente Lula no banco dos
réus. Os discursos dos ministros Marco Aurélio de Mello, Ayres Britto e
Celso de Melo não deixam dúvida disso. Não hesitaram em pisar na
própria Constituição para cumprir seu objetivo.
Mesmo
que eleitoralmente o procedimento venha se revelando relativamente
frágil frente ao apoio popular às mudanças iniciadas em 2003, não podem
ser subestimados seus efeitos. As forças conservadoras fizeram, dessa
ação penal, plataforma estratégica para desgastar a autoridade do PT,
fortalecer o poder judiciário perante as instituições conformadas pela
soberania popular e relegitimar a função da velha mídia como procuradora
moral da nação.
O silêncio diante desta
agressão facilitaria as intenções de seus operadores, que se movimentam
para manter sob sua hegemonia casamatas fundamentais do Estado e da
sociedade. Reagir à decisão da corte suprema, porém, não é apenas ou
principalmente questão de solidariedade a réus apenados de maneira
injusta. A capacidade e a disposição de enfrentar essa pantomima
jurídica poderão ser essenciais para o PT e a esquerda avançarem em seu
projeto histórico.
Breno Altman é diretor do site Opera Mundi e da revista Samuel.
Do 247
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