Tenho
uma desagradável sensação quando ouço falarem do tal mensalão, revelado
por um fascínora às vésperas do próprio julgamento, pra tumultuar tudo e
minimizar ao máximo os próprios danos. No que, aliás, foi muito bem
sucedido, tá lá ele na lista dos deputados federais, depois de um
período de férias forçadas em suas fazendas. As "revelações" excitaram a
mídia, que evitou investigar a fundo pra não aparecer o próprio rabo e
os dos seus aliados na política e no poder econômico. É evidente que
houve corrupção, mas essa corrupção não se resume ao mensalão. É a
prática parlamentar, desde que o parlamento foi criado. A mídia falar
tão repetidamente, martelando jargões como slogans publicitários,
batendo claramente na administração petista, é parte de uma campanha
visando diminuir o capital eleitoral do PT e aliados. Desmoralizar os
desafetos. Política partidária do pior nível, feita pela mídia, com
publicidade pesada exercida pelo que apresentam como "jornalismo". Uma
disputa pela gerência, nada mais, pois o patrão é o poder econômico,
grandes bancos nacionais, mas sobretudo internacionais, e mega-empresas
nacionais, mas sobretudo idem. E a mídia joga do lado do PSDB, mais
elitista, privatista geral, servidor das elites estrangeiras, mais
linha dura com os pobres, sobretudo os que se organizam. Estes recebem
os títulos de baderneiros, vândalos e terroristas. E são implacavelmente
atacados pelas forças de segurança toda vez que algum interesse
empresarial está em jogo, com o apoio do judiciário na criminalização
dos movimentos sociais. O chamado mensalão é a parte forte da campanha,
descaradamente utilizado no período eleitoral, para favorecer os
peessedebistas contra os petistas. O buraco, no entanto, é bem mais
embaixo.
Protógenes
Queiroz, o delegado que prendeu o banqueiro envolvido na compra do
congresso pra mudar a constituição e reeleger o presidente (além de
vários outros crimes envolvendo enormes cifras), entrou com ordem de
busca e apreensão na casa do banqueiro e encontrou um fundo falso no
armário. Dentro, um disco rígido continha informações sobre as
movimentações financeiras do Opportunity, banco sediado nas ilhas Cayman
e pertencente ao dito banqueiro. Esse disco foi estudado por Protógenes
e guardado em sigilo pela Polícia Federal. Depois a justiça requereu e
guardou essa fonte de informações, sem jamais revelar o seu conteúdo.
Mino Carta, jornalista e dono da revista semanal "Carta Capital",
pergunta a Paulo Lacerda, chefe de Protógenes na Operação Chacal, da
Polícia Federal, e na Satyagraha, que levou ao banqueiro. Reproduzo as
palavras de Mino:
"Por
que o mensalão petista vai ao tribunal antes daqueles tucanos que o
precederam? E por que Daniel Dantas (banqueiro dono do Opportunity), que
esteve por trás de todos, não está no banco dos réus? Por que as
operações policiais que desnudaram seus crimes adernaram miseravelmente?
Por que o disco rígido do Opportunity, sequestrado pela Polícia Federal
durante a Operação Chacal e entregue ao STF, nunca foi aberto? No fim
de 2005 dirigi esta pergunta ao então diretor da PF, Paulo Lacerda, na
presença de Luiz Gonzaga Belluzzo e Sergio Lirio. O delegado, anos
depois desterrado para Portugal, respondeu: ‘Se abrirem, a República
acaba’."
Acaba,
por quê? Porquê vem à tona a prática cotidiana de compra do congresso
nacional? Acho que o que aparece é a inexistência da república. Da
democracia. Porque nunca houve, foi sempre uma fachada, desde que se
instaurou a democracia, a república e mesmo a independência, que
escondia a dependência econômica, política, cultural e militar das
potências estrangeiras da época. As chamadas instituições democráticas
estão postas sob controle desde sua criação. O que está acontecendo é o
começo de um despertamento. Informações que nunca estiveram disponíveis
estão sendo conhecidas, notícias que jamais são transmitidas pela mídia
privada circulam na internet, pra todo lado. O que vai acontecer, não dá
pra saber. Mas que vai acontecer, vai. Já tá acontecendo, divagazim...
Protógenes
se elegeu pelo PC do B de São Paulo, apesar de ser de Niterói, e luta
por uma CPI da Privataria Tucana, com base no livro de mesmo nome que
denuncia, com provas documentais ocupando metade das páginas, as
falcatruas nas “vendas” das empresas públicas mais ricas e rentáveis à
ganância dos mega-empresários, propinas, compras de parlamentares,
promiscuidade público-privada pura. Luta solitária e sem frutos. A
política institucional foi esterilizada, não funciona e foi
regulamentada pra não funcionar. A não ser em benefício dos
privilegiados donos do poder, os financiadores das campanhas eleitorais,
que é a grande feira de políticos. Os que não se enquadram nos
costumes, se conseguem furar o bloqueio e se elegem por um furo da
estrutura, são isolados nos parlamentos, não conseguem aprovar – ou
mesmo apresentar em tribuna – a maior parte dos seus projetos. E nos
executivos são cercados pela mídia e pelos vícios do sistema, o controle
sobre a estrutura administrativa das empresas parasitas que dependem do
Estado e têm grande penetração nos organismos estatais através de
relacionamentos e corrupção, em relações de conivência. Essa área é toda
minada. Embora alguns avanços sempre se consigam, desde que não ameacem
diretamente as estruturas da sociedade, de privilégios pra alguns e
exploração da maioria - os dois lados da mesma moeda.
A
árvore não nasce das folhas pra raiz. Esse é o grande engano da
intelectualidade revolucionária. Das folhas eles acreditam que, por ver
melhor o terreno, devem comandar as raízes. Mas não descem lá e não as
conhecem. Alguns as desprezam, outros têm medo delas, muitos as duas
coisas. Mas as raízes estão aí, firmes, sustentando toda a árvore
social, inconcientes da sua força, entorpecidas pelas fumaças
midiáticas, desprovidas dos nutrientes educacionais, sem perceber a
própria sabedoria e o próprio valor, a capacidade de superar obstáculos,
dificuldades, problemas e fatalidades. As raízes precisam de um pouco
de conhecimento e muita consciência da realidade. Assim se faz uma
revolução. Independente da política partidária, os movimentos acontecem.
Em toda parte. E a América Latina tem sido um grande foco.
Talvez
seja assim mesmo, as mudanças partem de dentro dos indivíduos,
espalhados no mundo inteiro, contaminando, transformando, operando e
cooperando, descobrindo novas formas de relações, percebendo as
induções, discernindo, escolhendo por si e pela coletividade. As
coletividades se formam. Percebem-se. Sem coordenação visível, o
processo caminha seus passos cada vez mais acelerados, embora ainda
lentos. A rigidez e a intolerância perdem espaço a partir das relações
pessoais. Os costumes são questionados, os valores induzidos são
denunciados como nunca. Os efeitos ainda não aparecem na coletividade,
as coisas vão solidificando aos poucos, a criança engatinha. Ingenuidade
acreditar em efeito imediato, o caminho é longo. Participar dele já é a
satisfação que espero da vida. Caminhar do jeito que se quer, e não do
jeito que mandam caminhar. É o sentido da vida, no momento. E é fonte de
contágio.
Uma
visão maior não significa superioridade. Responsabilidade é o que
significa. Conscientizemos uns aos outros, sempre que possível. Com
respeito, com carinho, que é a melhor maneira de trocar conhecimentos,
sentimentos, idéias, o jeito mais tranqüilo, seguro e proveitoso. E com
humildade, principal requisito pra um aprendizado constante. Despertamos
cada vez mais e um despertamento traz outro, em sucessão infinita. No
indivíduo e na coletividade.
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