Por Eduardo Guimarães
Nas
últimas semanas, os meios de comunicação do Brasil devem ter produzido
um dos maiores volumes do mundo em termos de cobertura da renúncia do
líder de uma religião – e é disso que se trata o catolicismo, apenas uma
religião – e da escolha de seu sucessor.
No
último domingo, vários dias após aquela escolha, o noticiário
internacional do jornal Folha de São Paulo, de 17 matérias que publicou,
9 delas foram referentes ao novo líder da Igreja Católica, o Papa
“Francisco”.
Claro
que boa parte dessa cobertura se deveu a denúncias contra ele feitas na
Argentina, no sentido de ter sido cúmplice da ditadura militar que se
abateu sobre o país nos anos 1970, mas, ainda assim, o volume do
noticiário soou desproporcional.
Além
disso, após a eclosão de uma onda de denúncias contra o jesuíta Jorge
Bergoglio que começou minutos após o anúncio de seu nome como novo Papa –
e que se tem a impressão de que não pôde ser evitada –, sobreveio um
noticiário talhado para desmentir as acusações.
Mesmo
as denúncias não justificam a overdose midiática papal. Antes de
surgirem, houve coberturas intermináveis de cada rito do Vaticano no
processo sucessório, com riqueza quase obsessiva de detalhes e em um tom
literalmente religioso onde só cabia o tom jornalístico.
A
maior franquia da fé do Ocidente teve (na maior parte do tempo) a seu
favor uma cobertura das mais generosas que já se viu nas mídias
impressas ou eletrônicas. E, supostamente, “de graça”.
É
coisa que não se vê em relação a nenhuma outra religião, ao menos no
Brasil. Os evangélicos, a segunda religião no país, costumam receber uma
cobertura equidistante da mídia, quando não são criminalizados.
Não
que certos líderes evangélicos não deem motivos de sobra para, no
mínimo, serem criminalizados pelo noticiário. O que não se entende é por
que os motivos que os líderes católicos dão para serem igualmente
criminalizados são tratados de forma tão diferente.
Ou melhor: entende-se, sim.
Para
entender, basta ver o que vem acontecendo com todas as religiões no
Brasil. E, para tanto, nada melhor do que os censos do IBGE. Abaixo,
portanto, reproduzo gráfico gentilmente enviado pela leitora Marcia
Moreira.
Como
se vê, enquanto o catolicismo perdeu 27,42% de seus fieis em 30 anos
(entre 1980 e 2010), as outras religiões cresceram 198,9%. Todavia,
mesmo com o crescimento de outras religiões, isso não compensou o
contingente de brasileiros com religião, pois o que cresceu acima de
todo o resto foi o contingente de pessoas sem religião, que aumentou
321,05% no período, tendo passado de 1,8% da população para expressivos
8%.
Ao
lado do crescimento dos evangélicos, muito provavelmente alavancado
pela midiatização da fé, com a aquisição de horários imensos nas
televisões e rádios por essas igrejas, é digno de nota o contingente de
brasileiros que declaram não seguir nenhuma religião.
Mas
antes que se pense em atribuir a queda da religiosidade do brasileiro
ao avanço da educação, um dado curioso apurado no Censo 2010: os
espíritas formam o grupo que tem maior proporção de pessoas com nível
superior completo, chegando a 31,5%, e as menores porcentagens de
indivíduos sem instrução – apenas 1,8%.
Os
católicos, os sem religião e os evangélicos pentecostais são os grupos
com as maiores proporções de pessoas de 15 anos ou mais de idade sem
instrução. Ainda assim, o contingente espírita é diminuto. E foi o que
menos cresceu em 30 anos – apenas 53,85%.
Quanto
ao desastre do catolicismo no Brasil, talvez se possa estabelecer uma
relação com a perda de espaço político da direita ao longo das últimas
décadas.
E
não só no Brasil. Apesar de membros da Igreja Católica terem resistido
às ditaduras sul-americanas, como instituição ela foi sustentáculo dos
regimes ditatoriais que se espalharam pela região.
Não
é por outra razão que o catolicismo é a religião preferida das elites
latino-americanas, por sua confiabilidade garantida pelo Vaticano. Os
últimos dois Papas tiveram uma intensa atuação política contra a
esquerda. João Paulo II foi considerado vital para a derrocada da União
Soviética.
Já
os líderes evangélicos, esses não servem a elites latino-americanas que
tentam por todos os meios impedir o processo irrefreável de
redistribuição de renda que vai se espalhando pela América latina. São
muito independentes e, ao contrário da Igreja Católica, têm uma relação
muito mais direta com os fiéis.
Sobre
o expressivo afastamento dos brasileiros das religiões, isso não
significa que tenham perdido a fé. Este blogueiro, particularmente,
integra esse contingente que mantém a fé em Deus, porém sem querer
intermediários.
A
percepção de que as religiões todas servem muito mais a interesses
políticos e econômicos do que ao propósito que anunciam vai se tornando
clara para a sociedade de uma forma que ultrapassa as fronteiras
regionais e sociais.
Esse processo de declínio da religiosidade provavelmente é o que mais deverá avançar nos próximos anos.
Com
o acesso crescente a novas mídias e, assim, a opiniões outrora
sufocadas, as pessoas talvez comecem a entender que Deus não está em
templos e que não fala ou negocia por meio desses homens que se
autoproclamam intermediários entre nós e Ele.
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