Irracionalidade de manifestantes antipartidos é capturada
num diálogo. Membro do Passe Livre explica a jovens que hostilizaram
bandeiras por que foram violentos em ato em São Paulo; grupo demonstra
ter agido sem pensar
Tadeu Breda, Rádio Brasil Atual
Após presenciar – e tentar evitar, sem sucesso – a agressão de
membros de partidos por uma multidão ensandecida ontem na última semana
na avenida Paulista, em São Paulo, um membro do Movimento Passe Livre
(MPL) conhecido como Bahia, de 21 anos, passou mais de meia hora
tentando convencer alguns jovens do quão violentamente haviam se
comportado no episódio. E conseguiu.
O diálogo, que pode ser ouvido ou lido a seguir, acontece entre Bahia
e um rapaz chamado Davi, de 26 anos. Uma garota chamada Mariana e outro
jovem também participaram da conversa. O debate foi acompanhada por
algumas outras pessoas.
Leia a transcrição abaixo.
A reportagem acompanhou o bate-papo, em que o integrante do MPL
desconstruiu todos os argumentos apresentados pelo grupo, que tentava
justificar o acosso contra os militantes de esquerda. No final, vendo
que a discussão não avançava, o repórter fez uma pequena intervenção. O
resultado do debate foi que ao menos um jovem, Davi, que havia incitado a
ação de pessoas mais violentas, com gritos de “Abaixa essa bandeira”,
convenceu-se da irresponsabilidade de seus atos. Confira o diálogo:
Davi: As pessoas que queimaram as bandeiras têm um instinto, não têm? Você não tem instinto?
Bahia: Não, eu tenho cérebro.
Davi: Você não tá puto agora? Não tá com raiva? Você tem sentimento…
Bahia: Eu tô, mas não bati em ninguém.
Davi:
Exatamente. As pessoas agem de diversas maneiras. Dói em cada um da
maneira que dói. E não tô justificando atos de violência. Mas é o
seguinte: quando todo mundo fala… Você é do Passe Livre, você sabe que
não foi permitida a presença de partidos.
Bahia: Não foi permitido? Quem é que permite o quê?
Davi: Mas todo mundo tá pedindo. Não é preconceito…
Bahia: Cara,
deixa eu só fazer um comentário pra você. Essa bandeira do Brasil que
você tá usando nas costas, em nome dessa bandeira mataram dezenas de
milhares. Em nome dessa bandeira destruíram nações. Em nome dessa
bandeira mataram mulheres, oprimiram negros…
Davi: Mas aqui é diferente, cara. A gente tá lutando porque brasileiro não acredita mais em partido.
Bahia: Cara, quem é você pra falar pelos brasileiros?
Davi: O povo tá gritando aqui: “Sem partido, sem partido”. É só escutar. Não sou o único que está reclamando não.
Outro jovem: A gente respeita seu ponto de vista, mas ninguém mais aguenta partido.
Bahia: É, vocês dizem respeitar o ponto de vista dos outros, mas queimaram a bandeira deles.
Davi: Se eles tivessem abaixado antes…
Bahia: Gente, vocês estão exigindo que eles abaixem algo que é direito deles.
Outro jovem: É lógico! É lógico!
Bahia: Cara, que direito eu tenho de exigir que você tire a bandeira do Brasil?
Outro jovem: O
direito de que todo político é uma merda. É por isso que esse país tá
assim. E também porque a bandeira do Brasil representa todo mundo que tá
aqui.
Bahia: Não me representa.
Outro jovem: Então o que você tá fazendo aqui?
Davi: Ué, mano, você não é brasileiro?
Bahia: Deixa eu falar uma coisa: eu sou negro.
Davi: Não tem nada a ver você ser negro ou não.
Bahia: Essa bandeira escravizou meu povo.
Davi: Mas você é brasileiro, você nasceu aqui, meu irmão. Você tá falando uma asneira muito grande.
Bahia: Não acho
que é uma asneira. Acho que cada um aqui tem o direito de defender suas
posições. Eu discordo de as pessoas usarem várias coisas que estão
aqui. Mas nem eu nem ninguém que estava com as bandeiras foi brigar com
ninguém. Camarada, eles estavam numa rodinha de 15 pessoas e jogaram
coisas pegando fogo neles. Eles não revidaram. Estavam numa boa cantando
as palavras de ordem deles.
Davi: Então por
que quando a maioria pediu democraticamente para eles abaixarem a
bandeira vermelha, que pra muita gente ignorante que está aqui
representa o PT…
Bahia: A bandeira vermelha representa o PT?
Davi: Pergunta pras pessoas aqui pra você ver se elas acham que não.
Mariana: As
pessoas não admitem a participação de partidos, porque, na cabeça da
maioria das pessoas que estão aqui, essa é uma luta do povo.
Infelizmente, os partidos políticos não fizeram nada até agora. Por isso
a revolta. Não vou dizer que não fizeram nada, mas muita coisa deixaram
de fazer. A maioria das pessoas não são pacíficas. É um momento que a
gente está passando, e não admitimos a participação de política. É o
povo.
Bahia: Mas isso aqui é política. Tudo é política.
Mariana: Dos partidos políticos, digo.
Bahia: Gente… O
PSTU, partido que queimaram a bandeira aqui, teve 12 mortos por lutar
contra fazendeiros que matavam índio. Teve 15 presos no Rio de Janeiro
por lutar pelo passe livre. Por que você fala que eles não estão fazendo
nada?
Mariana: Mas a grande maioria não faz nada.
Bahia: Pode
ser, mas, desculpa, a grande maioria não somos nós. Se eu perguntar pra
maioria das pessoas aqui, talvez a maioria seja contra o casamento gay.
Por isso eu vou ser a favor deles? Nosso dever não é estar sempre com a
maioria. A maioria, em vários momentos da história, defendeu
barbaridades. Democracia não é só pra você, é pra ele também. O cara tem
direito de estar com a bandeira dele. Vocês podem discordar da bandeira
vermelha, mas jogaram coisas pegando fogo neles. E vocês incitaram. As
pessoas gritavam “Fora partido”. Não achem que a única violência é
bater. Quando vocês começaram a gritar em círculo “Fora partido”, vocês
incitaram a pessoa que jogou fogo neles. Vocês agiram, infelizmente,
igualzinho à Tropa de Choque que tentou calar a minha boca uma semana
atrás. E uma semana atrás não tinha 200 mil na rua. Tinha 5 mil
apanhando. E eles estavam no meio desses 5 mil. Eles estão no meio há
anos, apanhando. Há anos eles se fodem, há anos! Daí, pela primeira vez
que o povo vai pra rua, depois desses caras terem lutado tanto, vocês
viram pra eles e queimam o símbolo em que eles acreditam. Cara, tô quase
chorando. É muito triste. Não tem como vocês, que fazem isso, depois
exigir que a polícia não bata nas pessoas. Vocês bateram em gente que
luta. Pelo amor de deus, é bestial. É assustador. Eu não concordo com um
monte de cartazes que estão aqui, não concordo. Mas eu não derrubei
nenhuma bandeira. Eu não derrubei o PEC 37…
Davi: Você não viu bandeira, cara, você viu cartazes, é diferente.
Bahia: O símbolo de um partido representa um programa. É um direito deles, camarada.
Davi Não acho
que eles têm direito porque, sabendo que iriam encontrar resistência
muito grande aqui, eles poderiam ter evitado o conflito. Eu tô aqui e
não tô levantando bandeira nenhuma.
Bahia: Tudo
bem, é um direito seu, é sua escolha. Há dois sentimentos em relação aos
partidos. Um deles é bastante compreensível: muita gente acreditou nos
partidos e viu alguns deles, como o PT, virarem a mesma coisa que o
PSDB. Daí o sentimento é justo.
Davi: E quem
garante pra esse mar de gente… O que tá na mídia é que foi chamada a
militância vermelha para se juntar à manifestação pra defender o governo
da Dilma Rousseff. Cara, isso aqui não tem partido. Se é democrático e a
galera tá pedindo, abaixa, respeita.
Bahia: Cara,
não é democrático exigir que as pessoas abaixem suas bandeiras. Não é
que eles estavam, por exemplo, pedindo morte aos gays. Se fosse, você
teria direito de pedir que abaixassem.
Davi: Mas a partir do momento em que você tem a massa pedindo…
Bahia: Um dia, nos anos 1960, a massa pediu pra matar gays. Cuidado com o que a massa pede.
Davi: Mas agora é um protesto diferente. A gente tá pedindo pra matar alguém?
Bahia: Eu não
acho diferente. Jogando coisas pegando fogo nas pessoas? Deixa eu falar
uma coisa: enquanto vocês gritavam contra os partidos, sabe quem batia
neles lá atrás? Skinheads. Você não acha nenhuma coincidência? As
pessoas foram tão solidárias com o pessoal dos partidos contra os
skinheads… Elas sabiam que tinha gente apanhando lá atrás e não fizeram
nada, nem deixaram com que saíssem andando para escapar.
Davi: Mas, se eles estavam apanhando, por que não abaixaram as bandeiras?
Repórter: Cara,
vou tentar explicar o que o Bahia está tentando dizer: se você levanta
um cartaz com uma mensagem em que você acredita, por exemplo, a PEC 37,
daí vem um grupo de pessoas e exige que você abaixe o cartaz, e rasga o
cartaz. Você não acha violento?
Davi: Acho violento sim.
Repórter: Pois foi exatamente isso que aconteceu aqui.
Davi: É violento, é violento. Eu concordo com ele que é violento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
”Sendo este um espaço democrático, os comentários aqui postados são de total responsabilidade dos seus emitentes, não representando necessariamente a opinião de seus editores. Nós, nos reservamos o direito de, dentro das limitações de tempo, resumir ou deletar os comentários que tiverem conteúdo contrário às normas éticas deste blog. Não será tolerado Insulto, difamação ou ataques pessoais. Os editores não se responsabilizam pelo conteúdo dos comentários dos leitores, mas adverte que, textos ofensivos à quem quer que seja, ou que contenham agressão, discriminação, palavrões, ou que de alguma forma incitem a violência, ou transgridam leis e normas vigentes no Brasil, serão excluídos.”