Folha e Catanhêde deverão indenizar juiz do caso Varig. Jornal e jornalista terão de desembolsar R$ 100 mil por ofensas
A jornalista Eliane Cantanhêde e a empresa Folha da Manhã S.A., que
publica o jornal Folha de S.Paulo, não conseguiram reverter decisão que
as condenou a pagar R$ 100 mil por ofensas ao juiz Luiz Roberto Ayoub,
da 1ª Vara Empresarial do Rio, em artigo. A 3ª Turma do Superior
Tribunal de Justiça, por maioria, negou provimento ao recurso das rés.
Eliane Cantanhêde, a jornalista que um dia falou em ‘massa cheirosa’ (Foto: Divulgação)
No artigo “O lado podre da hipocrisia”, publicado em 2008, Cantanhêde
afirmou: “Já que a lei não vale nada e o juiz é ‘de quinta’, dá-se um
jeito na lei e no juiz. Assim, o juiz (…) aproximou-se do governo e
parou de contrariar o presidente, o compadre do presidente e a ministra.
Abandonou o ‘falso moralismo’ e passou a contrariar a lei.”
O caso tratado era a recuperação judicial da Varig. Segundo as rés, o
artigo criticava a postura do governo, havendo mera citação secundária
sobre o juiz. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, porém, entendeu
que a afirmação denota subserviência do juiz “a interesses escusos do
Poder Executivo federal” e “incute nos leitores, indubitavelmente, uma
conduta leviana, de falta de independência funcional”, e confirmou a
condenação. “No caso concreto”, diz a decisão do TJ, “a matéria
jornalística impugnada não pode ser considerada exercício regular de um
direito, já que extrapolou a crítica mais dura, mais incisiva, mais
mordaz.”
Abuso de direito
Para o ministro Villas Bôas Cueva, relator do processo, o exercício
da atividade de imprensa é imprescindível ao Estado Democrático de
Direito. “Não há sociedade democrática sem uma imprensa livre”, afirmou.
O relator destacou que a crítica jornalística é direito legitimado pelo
interesse social, “sobrepondo-se, inclusive, a eventuais
suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas”.
Porém, ponderou, há abuso de direito quando se invade a intimidade ou
se deprecia a honra ou a dignidade de outras pessoas. Segundo o
ministro, ainda que o texto seja opinativo, a crítica deve ser objetiva,
“não se admitindo ataques puramente pessoais, desprovidos tanto de
embasamento quanto de conexão demonstrada com a realidade, ou que visem
simplesmente a atingir a honra ou a imagem da pessoa objeto dos
comentários”.
Ironia e acidez
“O texto em debate, já numa primeira leitura, chama atenção por
extrapolar os limites da objetividade, os quais em certos casos
comportam o uso de expressões ácidas e irônicas e até adjetivos
desabonadores. De fato, a matéria publicada, apesar de se tratar de uma
opinião, é tendenciosa”, afirmou o relator.
“O artigo não deixa dúvida de que as rés desbordaram do direito de
informar e afastaram-se do interesse público e social, ao se voltarem
diretamente contra o autor [da ação, o juiz], de maneira ofensiva e não
consubstanciada em fato, atribuindo-lhe, não sem antes identificá-lo e
individualizá-lo, conduta ilegal, ímproba e imoral”, acrescentou.
Prevaricação
Para o ministro, o artigo concluiu que o juiz abdicou de seus deveres
legais e exigências profissionais por motivos políticos, conduta grave
que iria além de sua pessoa, implicando sua atuação profissional.
“É que a matéria jornalística imputa ao magistrado prevaricação,
exercício do cargo de forma ilegal e tendenciosa, parcialidade em
processo judicial e prática de atos ilícitos, o que, irrefutavelmente,
atinge-lhes a honra”, completou o ministro.
“Não se trata aqui, repisa-se, de mera opinião jornalística a ser
incondicionalmente protegida com fundamento na liberdade de expressão,
mas de texto jornalístico no qual, a pretexto de criticar o governo
federal, é formulada grave acusação contra servidor público, de cunho
extremamente lesivo a seus direitos de personalidade”, afirmou. Para o
relator, mesmo as críticas, opiniões e crônicas devem ser vinculadas aos
fatos.
Quanto ao valor da condenação, aumentado pelo TJ-RJ para R$ 100 mil, o
ministro considerou que o montante é respaldado pela jurisprudência do
tribunal, não sendo absurdo a ponto de autorizar intervenção do STJ para
reduzi-lo. A turma também não admitiu recurso do juiz, que pretendia
aumentar a indenização, por não ter sido comprovado o recolhimento do
preparo.
Revista Consultor Jurídico, com STJ
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