247 - Ao invés de se concretizar a previsão de
um "apocalypse now" na reabertura do Congresso, a presidente Dilma
Rousseff acaba de conquistar "duas vitórias robustas", na avaliação do
jornalista Ricardo Kotscho. São elas: a queda na inflação -
desaceleração do IPCA e queda no preço da cesta básica - e o apoio da
população à proposta de uma reforma política. Em artigo publicado em seu blog nesta quarta-feira 7, Kotscho avalia ainda que o "inferno astral mudou de lado e agora atormenta a oposição tucana".
Leia abaixo:
Inflação baixando e reforma política, vitórias de Dilma
A inflação oficial do mês de julho, que deverá ser anunciada hoje,
ficará próxima de zero e o valor da cesta básica caiu pela primeira vez
desde 2007.
Pesquisa do Ibope, encomendada pela OAB (Ordem dos Advogados do
Brasil) e divulgada na terça-feira, revela que 85% dos brasileiros são a
favor da reforma política e 84% querem que as mudanças já entrem em
vigor nas eleições do ano que vem, endossando a proposta feita pela
presidente Dilma Rousseff, que foi rejeitada pelo Congresso e motivo de
chacotas na imprensa.
Alegava-se que a presidente não tinha entendido direito a "voz das
ruas", porque a reforma política nem constava das reivindicações dos
protestos que varreram o país no mês de junho, e que ela estava apenas
tentando dar uma resposta rápida às manifestações, mesmo sabendo que não
haveria tempo hábil para aprovar as mudanças a tempo de serem
implantadas em 2014.
No dia em que anunciou a proposta de reforma política, dei os
parabéns a Dilma aqui no Balaio pela coragem que seus antecessores não
tiveram de mexer no sistema político-partidário eleitoral, que está na
raiz de todas as mazelas e demandas levadas às ruas por centenas de
milhares de pessoas poucas semanas antes.
Desde a estreia do Jornal da Record News, em maio de 2011, Heródoto
Barbeiro e eu sempre batemos nesta tecla, tornando-nos até chatos de
tanto insistir na pregação de uma profunda reforma política, a mãe de
todas as reformas que o país necessita para acabar com este
"presidencialismo de coalizão" que, em nome da governabilidade, acaba
tornando o país ingovernável com seus mais de 30 partidos e 40
ministérios.
E não é de hoje que penso isso. No meu livro de memórias "Do Golpe ao
Planalto _ Uma vida de repórter", editado pela Companhia das Letras em
2006, escrevi no último capítulo:
A cada crise, fala-se novamente na necessidade de uma reforma
política, que nunca acontece. Olhando as coisas agora de trás para a
frente, fico com a impressão de que a raiz do problema não está nas
pessoas ou nos partidos, mas num sistema político condenado a não dar
certo. Para chegar ao governo, um candidato, qualquer candidato de
qualquer partido, tem que fazer tantas concessões a alianças, mobilizar
tantos recursos, que acaba amarrado a um conjunto de antigos interesses _
de tal forma que não consegue implantar as reformas reclamadas pelo
país há muitas décadas.
Em meio ao segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, no final de
uma entrevista, já na hora do café, depois de ouvir as queixas dele
sobre a dificuldade de conviver com a base aliada, perguntei-lhe
singelamente:
_ Presidente, o senhor conseguiu a reeleição, já está no segundo
mandato, por que não dá um murro na mesa e governa do seu jeito, com
quem achar melhor para o país?
_ Você está maluco? Se eu fizer isso, meu governo acaba no dia seguinte...
As dificuldades que Dilma Rousseff vem encontrando para governar
mostram que, como nenhuma reforma foi feita, a política do toma-lá-dá-cá
continua se impondo e emperrando o desenvolvimento do país, e
multiplicando as denúncias de malfeitos em todos os níveis da
administração pública.
Os resultados da pesquisa da OAB/Ibope me deixaram feliz porque
mostram que não estou sozinho. A imensa maioria da população pensa da
mesma forma, como se pode ver por alguns números:
* 92% dos entrevistados disseram ser favoráveis à realização da
reforma política por meio de projeto de lei de iniciativa popular.
* 78% da população não aprova que empresas privadas façam doações
para as campanhas (o ovo da serpente). Como a pesquisa não perguntou
sobre financiamento público de campanha, a única alternativa que resta é
a que prefiro: só podem ser feitas doações por pessoas físicas.
* 80% defendem a imposição de limites de gastos para uso em campanhas
eleitorais (esta questão está intimamente ligada à anterior).
* 90% querem penas mais severas para o uso de "caixa 2" nas campanhas.
* 56% apoiam mudar a forma de eleição dos deputados com a adoção de
uma lista de propostas e candidatos apresentada pelos partidos.
O apoio à reforma política, em termos muito semelhantes à proposta
por ela apresentada, e a queda na inflação constituem duas vitórias
robustas de Dilma no pior momento do seu governo, quando já se previa um
"apocalypse now" na reabertura do Congresso. A primeira semana do
fatídico mês de agosto, porém, mostra que a presidente recuperou forças
tanto na economia como na política, ao chamar as principais lideranças
partidárias para conversar no Palácio do Planalto e restabelecer um
diálogo que estava emperrado.
Para completar, o inferno astral mudou de lado e agora atormenta a
oposição tucana, às voltas com as denúncias sobre falcatruas nas obras
do Metro paulistano nas gestões de Mario Covas, Geraldo Alckmin e José
Serra, mas é muito cedo para se falar em recuperação da popularidade
perdida pela presidente após os protestos de junho.
O ministério gigante, que Dilma por teimosia não quer mudar, é
reconhecidamente muito fraco; os problemas continuam onde estavam; os
desafios na economia são os mesmos e a reforma política não deve sair
tão cedo, apesar do imenso apoio popular demonstrado pela pesquisa do
Ibope, mas os fatos dos últimos dias, sem dúvida, dão um novo alento ao
governo para sair das cordas e retomar a iniciativa política. Nada como
um dia após o outro, com uma noite no meio, claro.
Por isso, subscrevo este trecho da coluna do meu colega Fernando Rodrigues publicada hoje na Folha:
"É que... governo é governo. Se Dilma resolve propor um plebiscito
para fazer a reforma política, entorpece o Congresso e a mídia durante
semanas. Por mais escalafobética e fora de hora que seja a formatação da
ideia, quem há de ser contra consultar os eleitores a respeito de como
melhorar a política brasileira?"
Pelo que a pesquisa do Ibope mostrou, são muito poucos, mas fazem um barulho danado.
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