15/2/2014, [*] MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Como escrevi há alguns dias, a narrativa dos EUA está passando por uma
sutil modificação (ver traduzido “Síria:
Obama reexamina a opção militar”). Agora, o Secretário de Estado, John
Kerry já confirmou que o presidente Barack Obama pediu “várias opções” e uma
“avaliação, por necessidade” está a caminho dentro
do governo. Separadamente, Washington está também contando com Moscou
para pressionar o governo sírio a ceder, o que, nesse caso, significa que o
presidente Bashar al-Assad deve renunciar
e abrir caminho para um arranjo “transicional”. Impossível essas duas vias serem mais
coladas uma à outra.
Claramente, o acordo EUA-Rússia sobre a Síria – ou o que quer que houvesse
desde julho passado – está sob estresse. Em discussão o apoio da Rússia ao
regime Assad. A expectativa dos EUA parece ser que a Rússia possa e deva forçar
Assad a deixar o poder, embora a influência de Moscou sobre a Síria talvez
esteja sendo exagerada. Além disso, há uma fundamental diferença
de opinião sobre o que Genebra-1, em julho passado,
estaria dizendo com a palavra “transição” na Síria.
Os EUA voltaram também aos jabs de aquecimento no Conselho de
Segurança da ONU, com planos para vir a prender a Rússia contra as cordas, como
única voz contrária. Jabs de aquecimento, shadow boxing, porque a
única
questão à mão é a crise “humanitária” na Síria, mas Rússia
(e China) suspeitarão (por boas razões) que a “crise” não passa de ponta do iceberg, a preparar o caminho para uma
intervenção militar ocidental na fase seguinte.
Purin reuniu seus principais assessores para discutir o terrorismo na Síria (14/2/2014) |
Moscou observa com cautela todos esses complicados sinais. Na 6ª-feira
(14/2/2014), Putin presidiu uma reunião do Conselho de Segurança que reuniu em
Moscou os principais nomes do establishment da política exterior e de
segurança, para discutir a Síria. O documento do Kremlin
sobre a reunião mencionou Genebra-2, e
Moscou pode estar planejando alguns movimentos no plano diplomático.
Abdel Fattah al-Sisi |
Claro, não se supõe que Obama ordenará ataque militar à Síria. Há várias
panelas no fogo nesse momento – conversações sobre o Irã, processo de paz no
Oriente Médio, Ucrânia, pivô para a Ásia e por aí vai. Mas, também, é possível
que Obama sinta a necessidade, em termos de política doméstica, de ser visto a
fazer “algo” sobre a Síria. Ou pode ser a preocupação de que a diplomacia russa
esteja obtendo muitos ganhos no Oriente Médio, à custa da influência dos EUA –
como indica a visita
do homem forte do Egito, marechal de campo Abdel Fattah al-Sisi a
Moscou, nessa semana. Ainda mais preocupante seria a visão de Moscou
a estabelecer pontes com o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), e com tão deliciosa facilidade, na liça
geopolítica que os EUA consideram sua reserva exclusiva.
Por tudo isso, é possível que no período até as eleições parlamentares de
meio de mandato nos EUA, que acontecerão em novembro, é possível que Obama
sinta a necessidade de aparecer como “durão” na Síria, com objetivos de
exibição. E soa ameaçadora a insistência com que se repete que elementos da
al-Qaeda do Afeganistão e do Paquistão, mas ativos na Síria, estariam ameaçando
a “segurança da pátria” norte-americana.
Não há como saber até onde a inteligência dos EUA é factual e o quanto de
análise equilibrada e séria a acompanha. O currículo de inteligência de má
qualidade, maquiada em Washington para justificar intervenções militares pelo
mundo, é abissal. De fato, já
há quem afirme que o problema da al-Qaeda na Síria, por si
só, não é tão grave como tem sido pintado.
Obama faz um brinde à Hollande em recente visita do presidente francês aos EUA |
A Rússia ampliou o problema, de início, para sensibilizar a opinião
pública ocidental, mas, ironicamente, a coisa acabou por se converter no álibi
perfeito para que Obama ordene ataques com drones contra a Síria. Os drones
são armas “custo-efetivas”, dramáticas, e criam a abertura para escalar, até
intervenção maior, do tamanho que se prefira.
Afinal, pois, a visita de estado do Presidente da França, François
Hollande a Washington, essa semana, assume todo o seu vasto significado. O
conhecido especialista norte-americano, Charles Kupchan, observou em entrevista
a CFR que a visita de Hollande é “sinal de
que a Casa Branca entrou em movimento de pivô na direção de política externar
mais engajada, depois de meses de foco doméstico”.
De fato, os políticos com frequência entram em surto de compulsão para
agir como estadistas com poder para “decidir”, e as questões de política
externa convertem-se em teatros usados para promover agendas políticas
domésticas. Assim acontece de ambos, Obama e Hollande, poderem auferir boa
vantagem de uma polida nos próprios perfis políticos “lá em casa”. Apertaram-se
efusivamente as mãos. Isso é uma coisa.
Lavrov reuniu-se com o Conselho de Cooperação do Golfo para analisar a guerra na Síria |
Mas, mais importante, permanece o fato de que a recuperação da economia ocidental
vai finalmente começando a entrar nos trilhos, e assim se criam os meios para
retomar os velhos hábitos imperiais no palco mundial. Essa, precisamente, foi a
impressão
gerada pelos discursos dos norte-americanos – tanto de Kerry como
do Secretário da Defesa, Chuck Hagel – na Conferência anual de Segurança de
Munique, há uma quinzena.
E, há dez dias, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey
Lavrov, respondeu, pode-se dizer, em discurso comemorativo ao Dia do Diplomata
em Moscou; Lavrov
disse que essa reversão ao unilateralismo é estrada para lugar nenhum,
e que “ninguém consegue assegurar a estabilidade no mundo moderno, nem sozinho,
nem, sequer, em dupla”.
[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre
temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran
(1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.
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