Miguel do Rosário, via O Cafezinho
Consegui, finalmente, a confirmação do preço de US$42,5 milhões pagos
pela Astra pela refinaria de Pasadena em 2005. Um dos documentos
obtidos com exclusividade pelo Cafezinho deixa bem claro, todavia, que o
valor total investido foi bem além dos US$42,5, porque não este preço
não inclui os estoques, nem considera a dívida líquida da empresa, que
era de US$196,7 milhões em 2003.
O blog teve acesso a dois documentos. Um deles é uma análise da Jefferies, uma conceituada corretora de valores com escritórios em Nova Iorque, Europa e Hong Kong.
O trecho acima relata que, no dia 22 de outubro de 2004, a Crown
(então proprietária da refinaria) assinou um acordo com a Pasadena
Refining Systems, Inc. (empresa criada pela Astra para tocar o negócio)
para vender a refinaria por US$42,5 milhões, mais o valor do petróleo e dos derivados em estoque na data do fechamento.
O relatório da Jefferies qualifica a refinaria como um ativo strong buy, ou seja, era uma oportunidade excelente de compra.
Não posso deixar de comentar, contudo, que o autor do relatório, Greg Imbruce, tem uma mancha. Imbruce, alguns anos mais tarde, seria acusado
de inúmeras fraudes contra o sistema financeiro. Mas isso acontece
quando ele vai trabalhar em outra empresa, a Madoff, que ficaria famosa
por suas fraudes contra celebridades. Aqui Imbruce (assim espero) é
apenas mais um analista financeiro da Jefferies, compilando dados da
refinaria de Pasadena e sugerindo que se tratava de uma boa opção de
compra. Na época, o Citibank também emitia notas otimistas para quem
comprasse ações da refinaria de Pasadena.
Desconsideremos, portanto, o histórico posterior de Imbruce, até
porque vamos nos ater aqui apenas a dados, que podemos confirmar em
outras fontes. E a Jefferies é uma empresa séria, que resistiu aos últimos terremotos financeiros que abalaram o mundo, e continua firme e forte.
O relatório traz, por exemplo, uma tabelinha com o desempenho financeiro da refinaria em 2003 e estimativas para 2004 e 2005.
Desempenho da refinaria de Pasadena, de 2003 a 2005.
Ebitda é a sigla de “Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation
and Amortization”, que significa “Lucros antes de juros, impostos,
depreciação e amortização”, em português. Pela tabela, observa-se que
Pasadena, em seu pior momento, gerou lucro de US$2,8 milhões. Para 2004 e
2005, a expectativa era de um aumento forte nos lucros e também redução
da dívida.
Em 2003, a dívida da refinaria correspondia a 70 vezes seu lucro; em
2004, essa relação cairia para 3,4; no ano seguinte, para 2,7.
A refinaria tinha uma dívida líquida de quase US$200 milhões em 2003.
Ora, diante desta informação, a pergunta certa a fazer é: a Astra
herdou essa dívida? Para mim, está claro que sim, já que se tornou
proprietária integral da companhia.
Sendo assim, o custo para a Astra, ao adquirir Pasadena, deve incluir também a integração desta dívida.
E hoje, no jornal Valor, em matéria intitulada “Muitas questões e algumas respostas sobre o caso da refinaria de Pasadena”, há pelo menos uma informação nova.
A operação montada pela Astra para comprar a refinaria de Pasadena
incluiu também a capitalização da nova empresa formada, a Astra Oil
Trading, com US$300 milhões. Nesta capitalização estão incluídos,
aparentemente (termo usado pelo Valor), os estoques.
Sendo assim, a Astra investiu os seguintes valores em Pasadena:
● US$42,5 milhões para adquirir o controle acionário da refinaria.
● Custo não informado para adquirir os estoques.
● US$300 milhões para capitalizar a trading que comercializaria os produtos da refinaria.
● US$100 milhões para
reduzir a emissão de enxofre e adaptar a refinaria às exigências
ambientais do Estado (esse custo, aparentemente, seria repartido com a
Petrobras).
Segundo o Valor, a companhia valia US$678 milhões em 2006, incluindo estoques.
Em 2012, quando perde a disputa judicial na Corte de Arbitragem de
Nova Iorque, a Petrobras terá pago, para ficar com 100% da companhia, um
total de US$825 milhões. Outros US$355 milhões foram gastos com multas,
juros, honorários e despesas processuais.
O total gasto pela estatal brasileira em Pasadena ficou em US$1,18 bilhão.
O outro documento a que tivemos acesso exclusivo é o relatório da NPM/CNP, o grupo que controla todas as companhias da família Frére, incluindo a Astra.
O trecho que menciona o preço pago:
No mesmo documento, informa-se que a Astra comprou, ainda em 2006, um
outra refinaria, menor, com capacidade para processar apenas 38 mil
barris por dia, pagando US$200 milhões.
Voltando ao relatório da Jefferies, ele traz o histórico da Crown,
com informações essenciais para se entender o preço pedido por ela por
sua refinaria em Pasadena:
O texto acima, em resumo, revela o seguinte:
1) A Crown pertencia aos Rosenberg, que a controlavam através da
empresa Rosemore, a qual, por sua vez, estava em processo de liquidação
desde 2003. Por isso, os ativos estavam sendo vendidos a preços abaixo
do mercado, porque a família estava precisando pagar suas dívidas. Só a
refinaria de Pasadena tinha uma dívida de US$200 milhões. Não é de se
espantar, portanto, que os Rosenberg estivessem ansiosos para vendê-la e
dispostos a aceitar qualquer oferta razoável que os livrassem daquele
peso.
2) Por outro lado, a Astra não compraria uma refinaria tão endividada
se não a considerasse um bom negócio. Um palpite é que boa parte
daquelas dívidas era com fornecedores, e que poderiam ser pagas com
venda dos estoques e produção. A dívida pode explicar também os US$300
milhões que a Astra investiu na capitalização da trading que cuidaria
dos negócios da refinaria.
3) Em 2003, seu pior ano, a refinaria de Pasadena refinou em média
76.075 barris por dia, o que correspondia a 76% de sua capacidade,
estimada em 100 mil barris por dia (outras estimativas falam e 120 mil
por dia).
4) O índice para avaliar o grau de produtividade e modernização de uma refinaria de petróleo é o Nelson Complexity Index.
Quanto mais alto o índice, melhor. O de Pasadena era estimado, em 2004,
em 8,4. O índice é inferior à média das refinarias norte-americanas,
que é de 9,5. Mas é bem acima da média das europeias. No mundo inteiro, a
média é de 5,9. Na América Latina, é de 4,7. Considerando que Pasadena é
uma refinaria de tamanho médio, e extremamente bem localizada, contando
com uma rede comercial e logística estruturada ao longo de seus quase
100 anos de existência, o índice 8,4 me parece bastante razoável. Mais
uma prova que Pasadena jamais foi uma “sucata”, conforme os críticos da
Petrobras querem nos fazer acreditar.
Abaixo, trechos de matéria do Valor que considero
pertinentes para se entender o imbróglio. Nela, citam-se exemplos de
outras aquisições feitas na mesma época, e fica claro que o preço pago
pela Petrobras não era abusivo. Ao contrário, estava inclusive bem
abaixo da média de mercado, o que é explicável pelo fato da refinaria
ainda não ter completado o processo de adaptação às novas exigências
ambientais do governo.
A matéria do Valor também explica, em parte, a cláusula Marlim, que
era uma forma da Astra se garantir contra riscos advindos da decisão da
Petrobras de fazer uma verdadeira reviravolta na refinaria, adaptando-a
para processar óleos pesados da Bacia de Campos. Outra explicação para a
cláusula Marlim é uma compensação para um possível conflito de
interesses entre uma empresa fundamentalmente voltada para a produção,
como a Petrobras, e outra focada na comercialização, como a Astra.
***
Cláudia Schüffner e Fernando Torres, via Valor Econômico
Quanto a Petrobras pagou pela refinaria?
Embora o desembolso total da estatal com o negócio tenha sido de
US$1,18 bilhão, esse não foi o valor pago pelo “ativo refinaria”. Pela
primeira metade das ações da unidade, a Petrobras diz que pagou, em
fevereiro de 2006, US$189 milhões. O valor era metade da avaliação feita
por 100% do ativo, de US$378 milhões, que constava em contrato, e que
se compara aos US$42,5 milhões pagos pela belga Astra Oil Trading (que
depois mudou de nome para Transcor Astra) um ano antes. Soma-se a isso
mais US$300 milhões, que era o capital investido pela futura sócia na
trading (braço comercial da refinaria), que aparentemente eram estoques,
e chega-se a um valor de referência de US$678 milhões para refinaria e
trading, com estoques.
Segundo a versão da Petrobras, além dos US$189 milhões, mais US$170
milhões teriam sido pagos, também em fevereiro de 2006, por metade dos
estoques que estavam na trading na época (esse valor não coincide
exatamente com metade dos US$300 milhões citados no contrato, gerando
uma diferença de US$20 milhões a ser esclarecida).
Após a disputa com o sócio, a corte arbitral determinou, em abril de
2009, que a Petrobras teria que pagar US$296 milhões pela outra metade
das ações da refinaria (não fica claro porque o valor subiu 56% em
relação ao desembolsado pela primeira metade, e se isso tem a ver com as
cláusulas do contrato) e mais US$170 milhões referentes à segunda
metade dos estoques existentes em julho de 2008, além de outros ajustes.
Assim, pelo “ativo refinaria” teriam sido pagos US$485 milhões e,
incluindo os estoques de US$340 milhões, chega-se a um valor de US$825
milhões para o negócio. O restante, de US$355 milhões, foi pago em
multas, juros e reembolsos com honorários motivados pela disputa
arbitral, que não estão bem detalhados.
À Securities and Exchange Commission (SEC), regulador do mercado nos
EUA, a Petrobras disse que pagou US$416 milhões pela primeira parcela da
refinaria, valor distinto do informado no Brasil.
Nota de O Cafezinho: foi informado sim, está no relatório da Petrobras de 2006:
Por que a refinaria é avaliada hoje em menos de US$200 milhões?
Pouco antes da crise de 2008, o mercado de refino de petróleo viveu
uma fase de ouro, com o petróleo batendo recorde e as margens das
refinarias nas alturas, o que esticou demais os preços dos ativos. Foi
exatamente com essa perspectiva que a compra foi fechada.
Após a queda do Lehman Brothers, tudo mudou. Reportagens da imprensa
internacional citam casos em que houve queda de 80% no valor das
refinarias norte-americanas depois da crise. Como referência, a Valero
Energy, maior empresa independente do setor de refino dos EUA, viu o
valor de sua ação sair de US$63 em abril de 2006, perto do fechamento do
negócio em Pasadena, para menos de US$15 em 2010 (queda de 76%).
Atualmente, a ação está perto de US$50.
O que explica o salto do valor da refinaria de US$42,5 milhões em 2005 para US$378 milhões em 2006, sem os estoques?
Essa pergunta continua sem resposta. Mas o preço que mais parece fora
de lugar é o primeiro, conseguido na negociação da belga Astra com a
antiga dona da refinaria, a Crown Refinery, que tentava se desfazer do
ativo desde 2001 e fechou negócio em 2005. A Petrobras diz, em sua
defesa, que, logo depois da compra, a Astra investiu mais US$84 milhões
no negócio, o que elevaria o total gasto pela belga para US$126 milhões.
Ainda assim, o valor está bem abaixo da avaliação inicial de US$378
milhões da refinaria (sem estoques) feita em 2006.
Qual era a média de preço de uma refinaria quando a Petrobras fez a aquisição?
Ao se considerar os US$378 milhões de avaliação para 100% da
refinaria de Pasadena previstos na negociação de fevereiro de 2006, a
compra da Petrobras teria sido fechada com um múltiplo de US$3,78 mil
por barril. Contando o desembolso de US$360 milhões (incluindo os
estoques), o múltiplo sobe a US$7,2 mil.
Em março de 2006, um mês depois de vender 50% de Pasadena para a
Petrobras, a própria Transcor Astra comprou outra refinaria nos EUA, na
região de Seattle, pagando US$200 milhões, para uma capacidade de refino
de 38 mil barris por dia, com múltiplo de US$5,2 mil por barril. Com
essa referência, chegar-se-ia a um valor de US$526 milhões para 100% da
refinaria texana comprada pela estatal brasileira na mesma época. Em
maio de 2005, a norte-americana Valero vendeu uma refinaria antiga em
Denver (que precisaria de investimentos para reduzir o nível de enxofre
dos derivados) por US$30 milhões, com capacidade de refino de 30 mil
barris, com múltiplo de US$1 mil. Em agosto de 2006, o fundo canadense
Harvest Energy comprou uma refinaria de 115 mil barris diários por
US$1,6 bilhão, com múltiplo de US$13,9 mil por barril. Na operação da
Astra com a Crown, o múltiplo ficou em apenas US$425 por barril, o mais
barato.
O que mais parece estranho em relação aos preços?
A informação sobre o preço de compra da refinaria de Pasadena pela
Astra, de US$42,5 milhões, aparece em um relatório anual da CNP
(Compagnie Nationale à Portefeuille), empresa belga que controla a
Transcor Energy, referente ao ano de 2005. A CNP, cujo site está fora do
ar, pertence ao bilionário belga Albert Frère.
No ano seguinte, a CNP disse em seu relatório anual que conseguiu
vender 50% da refinaria de Pasadena para a Petrobras, por US$330
milhões, o que lhe daria um lucro de US$150 milhões a US$180 milhões
após impostos. Segundo a empresa, esse seria um ganho fora de “qualquer
expectativa razoável”, trecho esse que foi destacado em relatório do TCU
que investigou a aquisição. Passado mais um ano, contudo, a mesma CNP
diz no relatório anual de 2006 que a venda dos 50% da refinaria para a
Petrobras lhe deu um lucro de 75 milhões de euros (US$93 milhões da
época). Por que o lucro ficou em metade do previsto?
A CNP menciona ainda, em seu relatório, que tinha direito a uma
“alocação especial”, pelo seu relacionamento no mercado de trading, que
lhe garantiria um retorno de 25 milhões de euros em 2007 e mais 17
milhões de euros em 2008, além da sua fatia de lucro na joint venture. A
Petrobras não cita isso em seus comunicados, mas talvez isso explique o
valor da segunda metade do negócio.
O que é a cláusula Marlim?
[...]
Essa cláusula garantiria retorno de 6,9% ao ano para a sócia belga,
caso a Petrobras tivesse levado adiante seu plano de transformar a
refinaria de Pasadena, para que ela processasse petróleo pesado,
extraído do campo de Marlim, e não mais óleo leve, conforme seu projeto
original. Esse tipo de transformação é chamado de revamp, uma
modernização que inclui equipamentos mais caros, capazes de transformar
óleo pesado (e portanto mais “pobre”) em diversos combustíveis,
aumentando a margem. O retorno de 6,9% seria garantido com o ajuste do
preço de venda do petróleo bruto da Petrobras para a refinaria. Ou seja,
o petróleo seria vendido a preço de mercado. Mas caso fosse necessário,
a Petrobras teria que reduzir o preço de venda para assegurar esse
retorno para sua sócia na refinaria.
Em tese, como a mudança de configuração da unidade era do interesse
da Petrobras, mas não necessariamente da Transcor Astra, que é focada no
negócio de trading, a estatal brasileira teria oferecido essa garantia
para “convencer” a sócia belga de que seria uma boa estratégia.
Contudo, como a mudança nunca foi feita, já que a Petrobras mudou de
planos após a descoberta de viabilidade econômica do pré-sal, a cláusula
nunca deveria ter sido aplicada. Não fica claro, entretanto, se ela de
alguma forma influenciou a determinação do preço pela Petrobras pela
segunda metade da refinaria. A estatal brasileira disse ao TCU que não.
***
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