O espantoso, na campanha, é que candidatos falam em medidas que prejudicam a maioria dos eleitores e nada acontece
por Paulo Moreira Leite, no seu blog
Só
pode haver algo muito errado numa campanha eleitoral na qual um
candidatos de oposição diz que não tem medo de tomar “medidas
impopulares” e nada acontece.
Assessores de outro candidato de
oposição, informa o Pedro Venceslau no Estado de S. Paulo de hoje,
admitem em voz baixa que apoiam “medidas amargas.”
Vamos combinar.
Até
por uma questão de respeito por cada um de nossos 100 milhões de
eleitores, em especial a imensa maioria que é alvo de medidas
impopulares e amargas, seria bom saber o que se quer dizer com isso.
Fazendo uma imagem para facilitar o entendimento, vou colocar a coisa em termos bem populares.
É
como um sujeito que chega para jantar de luxo, avisa que dentro de
alguns minutos pretendem passar na cozinha para bater a carteira dos
empregados e nenhum convidado pergunta: como assim? Eles vão deixar?
Na lata? E ainda manda aviso prévio?
Quantos reais podem ser extraídas do bolso de cada brasileiro quando um governante pretende tomar medidas “impopulares?”
Quanto valem os “amargos?”
Este é o debate que importa, não?
Em
situações normais, nossos New York Times, Guardian, CNN, El País, Le
Monde não deixariam passar uma notícia dessas. Na disputar pelo olhar do
público, teriam transformado uma afirmação dessas num escândalo.
Tenho
certeza de que Adam Prezeworski, o brilhante cientista político que o
PSDB adorava ler quando se considerava social-democrata, iria
questionar: estamos abandonando a frágil mas necessária relação entre
capitalismo e democracia?
Até por uma questão de etiqueta, no
mundo inteiro políticos que defendem medidas “não-populares” gostam de
disfarçar, dizendo que são na verdade “populares.”
Não é sincero mas é menos arrogante do que entrar numa campanha eleitoral dizendo que se pretende prejudicar a maioria.
Igual
a isso é falar em medidas amargas quando faltam poucas semanas para a
criançada ganhar os ovos de Páscoa, não é mesmo? No fundo, não espanta.
Um
sorridente filósofo-economista em campanha já disse – longe, muito
longe dos palanques — que acha que o país não pode conviver com um povo
que come bife todo dia. É ruim para o meio ambiente, pretextou, pois
gado solta gases para a camada de ozônio.
O cidadão comum – o
“popular” que não estava naquele jantar de “impopulares”– , agora você
começa a entender a coisa, tem direito a fazer perguntas. Diga rápido o
que são medidas “impopulares” para 2015? Por exemplo:
a) o plano é acabar com a lei do salário mínimo?
b) revogar a CLT e informalizar o mercado de trabalho?
c) cortar gastos sociais, o que inclui, você sabe, o Bolsa Família?
d) cortar repasses a bancos oficiais que permitem manter crédito barato para investimentos e emprego?
O
debate de política econômica na eleição de 2014 é este. O país vive o
menor desemprego de sua história. A economia cresce. Sim. Não tivemos
recessão – apesar da torcida impopular.
É preciso ser muito “não-popular” para encher a boca e dizer que “deu errado”, vamos combinar.
Qual a prioridade, para a maioria dos “populares”, num país onde a lei diz que um homem vale 1 voto?
É
preciso devotar um desprezo impopular irresistível pela inteligência
popular para querer apresentar uma boa folha corrida do PSDB na luta
contra a inflação.
A média da inflação no governo FHC foi de
9,2% — depois da moeda nova. A de Lula, que recebeu uma inflação de
12,5%, foi de 5,7%. A de Dilma se encontra em 6,1%.
Em 1995,
1996, 1999 e 2002, a inflação atingiu sob FHC, um patamar que jamais
seria repetido, em momento algum, após a chegada de Lula ao Planalto.
Ocorreram perdas salariais, que não se verificaram a partir de 2002. Deu
errado?
Esse debate distorcido acontece porque estamos em
2002, mais uma vez. Terror eleitoral programado, com ajuda de nossos
News of the World. O terror deles funciona com a língua de significados
invertidos, onde a verdade é seu oposto.
Você lembra. Em 2002,
um economista do Goldman Sachs lançou o “lulômetro”, uma peça de
marketing eleitoral disfarçada de cálculo econômico, que pretendia
aterrorizar o eleitor com projeções sobre o futuro do país caso Luís
Inácio Lula da Silva chegasse a presidência. Ajudou a criar pânico nas
bolsas, deixou a classe média amedrontada, criando uma situação política
que forçou Lula a fazer concessões além da conta para garantir o início
de seu governo. Já vimos este filme. Dez anos depois do lulômetro, o
economista-chefe do mesmo Goldman Sachs disse para a revista Época
Negócios que Lula foi o mais competente presidente dos países do G-20.
Os
mais espertos impopulares-amargos de 2014 apostam em todas as canoas –
não podem se dar ao luxo da imprudência por motivos ideológicos — mas
não deixam de notar que uma delas anda na frente. Podem até ter suas
preferências profundas mas querem ganhar o jogo de qualquer maneira, não
importa o vitorioso. Em caso de derrota, querem colocar uma faca no
pescoço de Dilma. Este é o ponto. Por isso falam tanto em mudar o
“modelo.” A crítica se concentra em 2009, quando o país enfrentou a
maior crise do capitalismo desde 1929 sem desemprego nem recessão. Dizem
que o erro foi cometido ali e agora é preciso arrumar a casa. Não
perdoam o esforço para resistir a austeridade, as demissões em massa,
aos cortes que jogaram a Velha Europa no atoleiro de hoje.
Em
2014, o condomínio Lula-Dilma disputa – como favorito – o quarto mandato
consecutivo no Planalto, um feito sem igual na história de nossa
República. Não teve ajuda “im-popular” de ninguém.
Em momentos
de delírio, os adversários sonharam até com um impeachment auxiliado por
um barítono da Baixada Fluminense, não é mesmo? A base é o
reconhecimento pelas conquistas que os “populares” obtiveram até aqui. O
que se pretende é revogar, uma a uma, aquelas conquistas alinhavadas
nos ítens “a” a “d.”
Foi assim há 50 anos, não custa lembrar.
Num gesto de grande dignidade, o avô das medidas impopulares chamou de
“canalhas” aqueles que pretendiam derrubar, pelas baionetas, um governo
que não tomava medidas “impopulares.”
O avô do amargo
recusou-se a entregar o cargo, foi para a cadeia depois discursar no
rádio em defesa da “revolução pernambucana.”
Está na hora de garantir transparência política na campanha, concorda?
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