O outro lado da Olimpíada de
Londres. Nem tudo é festa na capital britânica: ativistas denunciam
ações obscuras de alguns patrocinadores e são reprimidos por
autoridades.
Na contramão dos furores patrióticos por medalhas,
manifestantes britânicos realizaram protestos contra a Olimpíada de
Londres. Sem o mesmo holofote de Usain Bolt, Michael Phelps e Andy
Murray, cinco ações anti-Jogos questionaram seus polêmicos
patrocinadores, colocando em xeque a lógica dos “benefícios” do
megaevento e a controversa reformulação da região leste da capital
britânica para construção do Parque Olímpico.

Divulgação (Greenwash Gold)
Poucas linhas de jornal contaram sobre
as prisões em uma bicicletada pacífica e outras detenções em um
protesto bem-humorado com creme de baunilha na Trafalgar Square, centro
de Londres.
Manifestantes também
jogaram badminton em frente à principal loja da Adidas na cidade e
fizeram um bem sucedido abaixo-assinado contra a isenção fiscal de
patrocinadores.
Uma das principais intervenções aconteceu logo antes da cerimônia de abertura, no dia 27 de julho.
Um
grupo de ativistas conseguiu autorização do comitê olímpico local – a
única para o dia da abertura – e realizou um die-in (tipo de protesto
pelos mortos de uma tragédia realizado por simulações) homenageando as
vítimas da catástrofe de Bhopal, na Índia. Enquanto isso, na cidade de
Bhopal, crianças deficientes realizaram uma “Olimpíada paralela”.
As
manifestações, mesmo que à sombra do megaevento, mostraram que o
modelo de negócios da Olimpíada de Londres está longe de ser
unanimidade. Ele é, acima de tudo, controverso, e deixa diversas lições
para os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, daqui a quatro anos.
Veja quem foi às ruas (ou às redes sociais) e por quê.
Die-in
Há
28 anos, a cidade de Bhopal, norte da Índia, foi vítima de uma das
maiores catástrofes ambientais da história. Em 1984, falhas em uma
fábrica de pesticidas, de propriedade da Union Carbide, lançaram 27
toneladas de um gás tóxico, o isocianato de metila, e contaminaram 120
mil pessoas. A área nunca foi descontaminada e há indícios de que há
grandes quantidades de mercúrio em seus lençóis freáticos.
Em
2001, a Dow Chemical Company, gigante do setor químico, comprou a
Union Carbide, mas não assumiu total responsabilidade pela tragédia. Os
efeitos foram devastadores. Os chamados “filhos de Bhopal” nasceram com
deformidades. A empresa afirma que as indenizações pagas são
suficientes para apagar a mancha da catástrofe, mas a área continua
contaminada.
O caso raramente
volta às páginas dos jornais. No dia 27 de julho, data da cerimônia de
abertura, manifestantes mobilizados pela ONG DropDowNow foram às
proximidades do Parque Olímpico e realizaram um die-in. Qual a relação
disso com a Olimpíada?
A Dow
Chemical, que também fabricou napalm para a Guerra do Vietnã, aportou 7
milhões de libras esterlinas (cerca de 21 milhões de reais) para ser
patrocinadora dos Jogos Olímpicos. O acerto com o Comitê Olímpico
Internacional, levou à renúncia ao vivo, na rede estatal BBC, de
Meredith Alexander, ex-agente da Comissão para uma Londres Sustentável
2012.
O premiê conservador David
Cameron saiu em defesa da multinacional e disse que a Olimpíada de
Londres seria a mais verde da história. Segundo o contrato com o Comitê
Olímpico Internacional, a Dow Chemical já é patrocinadora da Olimpíada
do Rio de Janeiro, em 2016.
Contra a isenção
“Stratford
[região do Parque Olímpico] será um paraíso fiscal”, escreveu Tim
Hunt, da revista Ethical Consumer. A frase apontou o dedo para atletas e
patrocinadores da Olimpíada, como McDonald’s e Visa, ambos com
monopólio sobre suas respectivas áreas. Enquanto toda comida “de marca”
vendida em Stratford é necessariamente do McDonald’s, a bandeira de
cartões Visa está em todas as compras de bilhetes para os Jogos.
A
isenção fiscal, segundo Hunt, foi preponderante para que os Jogos
fossem sediados em Londres neste ano, com anuência do comitê olímpico
local, chefiado por Sebastian Coe, do Partido Conservador. A legislação
britânica sofreu mudanças para que isso acontecesse, em operação
conjunta com o Tesouro.
A
irritação de ativistas era questão de tempo. Eles rapidamente
sublinharam a contradição entre isenção fiscal a multinacionais e
políticas de austeridade do governo britânico, que enfrenta o mais longo
período de recessão em 50 anos. A ONG 38 Degrees fez um
abaixo-assinado virtual pedindo a todas as empresas patrocinadoras dos
Jogos Olímpicos que paguem seus impostos sobre a exploração do
megaevento.
Houve uma enxurrada
nas redes sociais e deu certo. Em duas semanas, 14 multinacionais
enviaram comunicados à ONG informando que concordavam em pagar as
taxas.
Bicicletada pacífica
Toda
última sexta-feira do mês, ciclistas do grupo Critical Mass (ou Massa
Crítica) saem pedalando por Londres. Desde 1994, eles se encontram no
South Bank, perto da ponte Waterloo, e passeiam sem itinerário pela
capital britânica como uma celebração do “andar de bicicleta”.
A
última sexta-feira de julho caiu no dia 27, data da cerimônia de
abertura da Olimpíada. Cerca de 500 ciclistas se reuniram para pedalar,
mas não conseguiram cruzar a ponte Waterloo. O acesso à margem norte do
rio Tâmisa estava fechado.
Motocicletas
policiais com sirenes altíssimas escoltavam vans e ônibus que levavam
os atletas ao Parque Olímpico, bloqueando ruas de toda a região central
e leste de Londres. Segundo a polícia, era proibido pedalar na capital
britânica naquela noite. Ciclistas disseram ter sido empurrados pela
polícia para deixar o astro do futebol David Beckham passar e tiveram
suas bicicletas confiscadas.
Ao
todo, segundo dados oficiais da polícia britânica, 182 ciclistas foram
presos durante a bicicletada, que contou com uso de spray de pimenta e
da tática de contenção de manifestantes conhecida como “kettling”. Os
policiais, unidos, formaram círculos em torno dos ciclistas,
mantendo-os “presos” na rua.
Dos
182 detidos, 178 saíram no dia seguinte e quatro foram acusados de
diversos crimes. “As pessoas não têm o direito de realizar um protesto
que atrapalhe o direito de outras pessoas de seguir com suas vidas –
atletas que treinaram durante anos por uma chance de competir, milhões
de portadores de ingressos que queriam ver o maior evento esportivo do
mundo e todo mundo em Londres que queria se locomover”, afirmou a
polícia britânica em nota.
Creme de baunilha
Ativistas
da Greenwash Gold 2012, campanha contra os patrocinadores “verdes” dos
Jogos Olímpicos, foram até a Trafalgar Square, centro de Londres, para
um pódio de mentirinha. Três pessoas, representando Rio Tinto, Dow
Chemical e British Petroleum, posariam em frente ao relógio da contagem
regressiva da Olimpíada e então jogariam um creme de baunilha com
corante verde na cabeça, simulando lixo tóxico. Seis acabaram presos.
“Greenwash”
é o termo usado por ativistas para empresas que fazem “lavagem verde
de dinheiro”, ou seja, usam parte de seus lucros em patrocínios e
projetos direcionados ao meio-ambiente, mas o destroem em suas
atividades principais. A performance do grupo durou cerca de 15
minutos, tempo suficiente para que a polícia prendesse seis pessoas por
“dano criminal” ao piso da Trafalgar Square – tudo isso porque caiu um
pouco de creme de baunilha no chão.
“Era
um protesto pacífico e legítimo contra patrocinadores terríveis, e os
manifestantes acabaram presos por derrubar creme de baunilha”, disse o
diretor da Bhopal Medical Appeal, Colin Toogood.
Além
da norte-americana Dow Chemical, acusada como a responsável legal pela
tragédia de Bhopal, a British Petroleum foi responsável pelo vazamento
de petróleo no Golfo do México, em 2010. E a Rio Tinto, especialista
em mineração, é duramente criticada por sua atuação em países como
Indonésia e Papua Nova Guiné.
Badminton
Duas
reportagens de jornal, uma do Daily Telegraph, mais à direita, e outra
do The Independent, mais à esquerda, mostraram que a Adidas estava
fabricando material esportivo para a Olimpíada à custa de trabalhadores
em regimes desumanos, pagando salários baixíssimos e com carga horária
de até 65 horas por semana. Os esforços foram grandes para revelar a
história. O Telegraph foi até Camboja, enquanto o Independent viajou à
Indonésia em busca de informações sobre a fabricação das roupas.
A ONG War on Want, de combate à
pobreza, foi às ruas contra a Adidas e realizou um protesto em frente à
principal loja da marca, em Oxford Street, e projetou um enorme logo
da companhia em um prédio vizinho ao Parque Olímpico com os dizeres:
“Exploitation. Not OK here, not OK anywhere. (Exploração. Não é OK aqui
nem em qualquer outro lugar)”.
Todos
os atletas do time olímpico do Reino Unido vestem Adidas e seus
agasalhos estavam entre os mais vendidos. O design é de Stella
McCartney, estrela mundial da moda. A empresa nega utilizar
trabalhadores em regime de escravidão, cujos salários/hora não chegariam
a um real.
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