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EUA e os Passos da Democracia |
As contradições são visíveis, inegáveis: Dilma joga na cara do
Cameron que o Brasil não apóia intervenção militar contra Síria e Irã,
sustenta com firmeza e soberania o ingresso da Venezuela no Mercosul
enfrentando a irritação da direita - para quem o Paraguai virou agora
modelo de democracia - deixando-a falando sozinha, com seus
porta-vozes midiáticos beirando o ridículo.
Brasil apóia Resolução da ONU que prevê ações militares contra a Síria
Na última sexta feira, dia 3 de agosto, a ONU aprovou uma resolução que,
descaradamente , permite ações militares contra a Síria, já alvo de
intervenção estrangeira via mercenários pagos declaradamente pela Arábia
Saudita e o Qatar, com o apoio oficial dos EUA, pela voz de Hillary
Clinton. Barack Obomba também autorizou a CIA a interferir abertamente
para a derrubada do governo de Baschar Al Assad. A Resolução aprovada é
uma pá de cal a todo esforço para uma resolução negociada e pacífica do
conflito sírio. Detalhe grave: o Brasil votou a favor desta resolução
que dá espasmos de prazer à indústria bélica.
O curioso é que há poucos dias, ante a pressões imperiais de Cameron, em
Londres, a Presidenta Dilma , mantendo uma linha em política externa
definida no Governo Lula, respondeu que o Brasil não vai apoiar
intervenção militar externa contra a Síria e o Irã. De quebra, ainda
acrescentou que o Brasil defende a soberania da Argentina sobre as Ilhas
Malvinas, assim mesmo, falou Malvinas, não Falklands.
Contradições
Como explicar então esta distância entre as palavras da presidenta e os
votos do Brasil na ONU, lembrando que esta é a segunda vez que o
governo Dilma vota contra a Síria? Sem contar que houve a participação
oficial do Itaramaty em diversas reuniões do chamado “Grupo de Amigos
da Síria”, fóruns construídos inegavelmente para pressionar a ONU a
tomar medidas contra aquele país, e, em cujas reuniões, representantes
de governos estrangeiros, como a pavorosa Clinton, defendeu publicamente
o abastecimento de armamentos aos chamados rebeldes.
Aliás, este distanciamento da política externa atual em relação aquela
aplicada no governo Lula, tem se revelado cada vez mais acentuado,
especialmente quando se trata de situações em que os interesses
norte-americanos são contrariados por países que sempre representaram
uma política e uma atitude de soberania, autodeterminação e
independência frente às pressões da Casa Branca.
As contradições são visíveis, inegáveis: Dilma joga na cara do Cameron
que o Brasil não apóia intervenção militar contra Síria e Irã, sustenta
com firmeza e soberania o ingresso da Venezuela no Mercosul
enfrentando a irritação da direita - para quem o Paraguai virou agora
modelo de democracia - deixando-a falando sozinha, com seus
porta-vozes midiáticos beirando o ridículo.
Em hipótese
No mês de julho, uma declaração do Chanceler Patriota, causou fortíssima
interrogação. Ele disse, em entrevista reproduzida pela Folha de São
Paulo, que o problema da Síria é que "o país possui armas químicas de destruição em massa”, aquele mantra da indústria bélica, que George Bush e os negros fascista Collin Powell e Condolezza Rice, decoraram e ecoaram mundo a fora pelo “jornalismo de guerra”
que levou de roldão a BBC, até que uma chuva de bombas começou a cair
sobre Bagdá. Até hoje não sabemos quantos morreram, mas sim que há uma
montanha de cadáveres como resultado da aplicação deste mantra macabro.
O chanceler Patriota, no dia seguinte a esta declaração, voltou a
público para “explicar” que quando falara de armas químicas de
destruição massa nas mãos da Síria” estava falando apenas , atenção, “em hipótese” compare- se a gravidade da declaração, com a candura da explicação dada no dia seguinte.....
Antecedentes perigosos
Em 2002, o chanceler do governo FHC era Celso Lafer. Uma briga de
gigantes se desenvolveu nos bastidores a partir do momento em que o mantra das armas químicas
começou a ser entoado na Casa Branca. Após uma reunião a portas
fechadas com Collin Powel, Celso Lafer começa a atuar para que o
Embaixador Maurício Bustani, Diretor-Geral da OPAQ - Organização para a
Proibição de Armas Químicas, fosse afastado do cargo. Bustani,
brasileiro de valor, honrando as melhores tradições brasileiras de não
vassalagem aos poderes da indústria bélica que, por sua vez, dão as
cartas na diplomacia de guerra, havia entendido o significado daquele
mantra macabro. A ele resistia com honradez.
O quadro geral, como sabemos, era e é ainda hoje, de que os países mais
armados querem impedir que outros se armem. Especialmente se estes
outros países são independentes e possuem potencial de desenvolvimento
econômico e tecnológico. A pressão surda contra o programa nuclear
brasileira também se encaixa nesta linha de raciocínio. Frente tudo
isto, Bustani, no estrito cumprimento de suas funções como Diretor-Geral
da OPAQ, para a qual havia sido eleito pela maioria dos países membros,
começa a pagar o preço amargo por sua indisposição com a função de
vassalo de impérios. Para dar uma idéia da importância e da relevância
das funções desempenhadas pelo embaixador Maurício Bustani, vale citar
que todos os esforços reais pelo desarmamento confrontam o lucrativo
capital das armas, especialmente onde ele é mais pujante, nos EUA
Mantra macabro
Os EUA sabiam que a OPAQ estava prestes a realizar uma comprovação
técnica internacional no Iraque, que demonstraria não ser aquele país
possuidor de armas químicas de destruição em massa, mantra que Lafer
levou a sério, após aquela reunião a portas fechadas com Collin Powell,
em Washingon. Para surpresa dos países membros da OPAQ o Brasil retira
apoio ao Embaixador Bustani quando os EUA, oficialmente, faz pedido
oficial para o seu afastamento, argumentando qualquer coisa, qualquer
pretexto, algo como “ele é muito exaltado e não toca bem piano”, o que,
para quem o conhece, não é verdade. Ante a imposição dos EUA para o
afastamento de Bustani, os países membros esperaram pela sustentação
brasileira do seu nome, o que não ocorreu. Como se lembram, Celso Lafer
foi aquele chanceler brasileiro que, revelando infinita vocação para a
vassalagem, retirou os sapatos, em várias oportunidades, sob ordens de
guardinhas de alfândega nos aeroportos dos EUA. Tais exigências fazem
parte do script traçado a partir de 11 de setembro de 2001 para “a
declaração de guerra ao terrorismo”, como magistralmente denunciou o
genial escritor Gore Vidal, que acaba de nos privar de sua inteligência.
Mas, não de sua obra.
Comparar é preciso
Nesta mesma época, o Senador Roberto Requião, chefiando uma delegação
oficial do Senado Federal aos EUA, também foi barrado por um guardinha
de alfândega que queria ver toda a delegação sem sapatos. Requião fez o
que um chanceler deveria ter feito: botou o dedo na cara do guardinha e
declarou alto e bom som: “Esta é uma delegação oficial do Senado do
Brasil. Não vamos nos submeter a nenhuma revista vexatória nem tirar os
sapatos . Deixem-nos passar, em caso contrário a visita oficial está
encerrada aqui mesmo!” De um chanceler não se espera menos.
Evidentemente, desde que ele esteja realmente imbuído dos interesses
nacionais que deve representar. Houve telefonemas, telefonemas,
consultas e, minutos depois, o guardinha, talvez o mesmo que tenha
revistado o chanceler, voltou e liberou a passagem da delegação de
senadores. Todos com sapatos .Mantida ali, a dignidade nacional.
Relações perigosas
Independente das funções desempenhadas pelo chanceler Patriota lá em 2002, o que é possível captar agora é uma certa linha de convergência
entre a sua declaração recente e aqueles esforços feitos pelo
chanceler Lafer, lá no governo FHC, para o afastamento do Embaixador
Bustani do cargo de Diretor Geral da OPAQ. Como pano de fundo, sempre o
mesmo o mantra das armas de destruição em massa que, em hipótese,
o chanceler Patriota declarou existirem nas mãos do governo Sírio hoje.
Afora a irresponsabilidade de declarações tão graves e desastradas
quando estão em jogo os destinos de um povo e de um país com o qual o
Brasil mantém relações normais de cooperação e amizade, ressalte-se que a
declaração recente de Patriota parece um eco do mesmo mantra de mais de
10 ano atrás. Mantra que levou a diplomacia, então tucana, a uma
espécie de adesão obediente e cooperativa - retirada de obstáculos -
para que a guerra contra o Iraque se consumasse. A narrativa sobre
esta página feia da diplomacia brasileira está magistralmente registrada
no livro do professor Moniz Bandeira, “As relações perigosas: Brasil-Estados Unidos”,
que recomendo com força. Quando hoje está mundialmente comprovado a
inexistência daquelas tais armas de destruição em massa nas mãos do
Iraque, a diplomacia brasileira, tem, no mínimo, explicações a dar,
tendo em vista ser direito de todas as instituições e de cada cidadão
brasileiro, exibir transparência e coerência democráticas de nossa
política externa.
Mudança de posições
Apesar dos esforços da Russia, China, Africa do Sul e Índia por uma
solução pacífica do conflito sírio, o Brasil, uma vez mais, votou
distanciando-se dos Brics e em sintonia do esforço imperial por impor
uma nova, mais uma,. intervenção militar estrangeira. Após a intervenção
militar da Otan na Líbia, arrancada a fórceps da ONU, muitos países
têm reformado sua posição no cenário mundial, pois, vai ficando clara
uma disposição norte-americana para um enfrentamento bélico. Dois
exemplos recentes: os EUA estão a ignorar todos os acordos anteriores
feitos com a Rússia e continuam tomando medidas para instalar um escudo
anti-míssil na Polônia, o que levou o Chefe do Estado Maior Russo,
General Makarov, a afirmar, na semana passada, que as forças militares
de seu país podem optar pura e simplesmente por destruir estas
instalações, caso os EUA não respeitem os acordos.
O outro exemplo, é a nova estratégia de ocupação dos mares asiáticos
pela Marinha dos EUA, levando a Austrália, onde estão instaladas bases
militares estadunidenses a ser apenas mais uma marionete do Pentágono
na região, onde o alvo, obviamente, não é o pequenino Timor Leste, mas a
China. A reação da China tem registrado um tom incomum para a conhecida
paciência oriental. Hu Jin Tao, dirigente chinês, diante da ocorrência
de inúmeras manobras militares conjuntas sino-russas convocou os dois
exércitos a união “porque o imperialismo só entende a linguagem da
guerra”. Além disso, os dois países, diferente do que ocorreu quando da
invasão da Otan à Líbia, oportunidade em que os dois gigantes lavaram as
mãos com sangue do povo líbio, agora, diante do novo script da agressão
gradual do império no capítulo Síria, despertaram. Já se posicionaram
de modo irredutível contra qualquer intervenção militar externa contra o
governo de Damasco. Tal mudança de posição é acompanhada pela nova
posição iraniana que, diferente do que fez diante da crise líbia, agora
tem sido enérgica em defesa da autodeterminação síria.
Precedentes
Será que o importante giro em política externa de países centrais dos
Brics, como a Rússia e a China, e agora também na política do Irã, não
deveria representar vigoroso motivo de rediscussão da posição brasileira
na ONU que, praticamente, endossou a Resolução que celebra o
terrorismo praticado por mercenários na Síria, com o apoio da Otan? Os
direitos humanos não foram elencados como parâmetro de definição da
política externa brasileira? O que dizer do que se faz na Síria, quando
a missão Kofi Annan por uma solução pacífica foi detonada exatamente
pelos países que querem uma intervenção militar e apóiam militarmente os
mercenários internacionais que lá atuam? E quando estes mesmo países
da Otan, depois de lavarem em sangue sírio sua estratégia de ocupação
territorial da Síria, na hipótese de derrocada do governo atual, se
voltarem para o Irã com o mantra renovado entoando que a nação persa não
tem direito de ter programa nuclear, apenas os que já têm? Qual será a
posição brasileira? Pior ainda: e quando, num novo cenário mundial,
estes países imperiais voltarem suas exigência contra o Brasil, que
também pode vir a ser acusado , como o Irã, de ter programa nuclear? Ou
de ser inepto em matéria ambiental, com o que se justificaria o apoio a
comandos mercenários neste imenso território brasileiro, com vistas a
esquartejá-lo? Qual será então a política do Itamaraty?Qualquer que
seja, será tarde demais.....
Fraude midiática
Há inúmeras comprovações de que muitos dos supostos ataques dos chamados
rebeldes sírios são gravados no Qatar e difundidos, entre outros, pela
TV Al-Jazeera, perigosamente defendida aqui no Brasil como TV pública
exemplar por certas vozes do movimento da democratização da comunicação ,
quando na realidade é um instrumento de falsificação informativa para
justificar e pressionar a tomada de posições na ONU contra a Síria. Até
mesmo a BBC foi colhida re-exibindo vídeos ou estampando fotos em seu
site de situações ocorridas no Iraque anos atrás e agora apresentadas,
fraudulentamente, como se fossem episódios do conflito atual da Síria.
Há uma simbiose entre esses meios informativos e a agenda de encomendas
da indústria bélica, um dos poucos ramos econômicos a não ter sofrido
duramente com a crise capitalista nos EUA. Os redatores e editores
destas emissoras são conhecidos instrutores militares, e a CNN, já
conhecida com CiaNewsNetwork, vai desenrolando o roteiro de intervenções
midiáticas - a TV Síria, não apenas foi bombardeada com seu sinal foi
desconectado dos satélites internacionais - que pavimentam a
chegada das tropas da Otan.
Mensagem da Líbia
Será que nada disso fará o Brasil repensar sua posição na ONU, mesmo
observando que está distanciando-se, nesta questão política crucial, da
posição dos países dos Brics, e, também, da posição dos países que
querem construir uma integração soberana na América Latina? Rússia ,
China e Irã entenderam , finalmente, a dura mensagem que a Otan enviou
ao mundo ao invadir a Líbia. E o Brasil? Será tão difícil ver que há
perigosas similaridades entre a ocupação estratégia do Mar da China pela
marinha dos EUA e a reativação da Quarta Frota para o Atlântico Sul,
particularmente após a descoberta do petróleo pré-sal?
A presidenta acertou quando disse na cara do Cameron que o Brasil não
apoiaria uma intervenção militar na Síria ou no Irã. Mas, o apoio do
Brasil a esta Resolução da ONU, que autoriza ações militares contra a
Síria, levanta enigmáticas e misteriosas contradições. E isto não é
apenas em hipótese.
Beto Almeida, jornalista
No SOA-Brasil
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