Guerrilheiro Virtual

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

A Democracia em Risco

Enquanto a democracia brasileira dá mais uma mostra de saúde, com as belas eleições do domingo 7, uma tempestade se arma contra ela. É bom estarmos prevenidos, pois seus efeitos podem ser graves.
 
Faz tempo que uma doença atinge nossas instituições. Os especialistas a chamam de judicialização.
 
A palavra não existia até há pouco. Mas teve de ser criada, pois um fenômeno novo e relevante surgiu e precisava ser batizado.
 
Designa a hipertrofia do judiciário e sua invasão das atribuições dos demais Poderes. A judicialização acontece quando esse poder submete, ou quer submeter, o Legislativo e o Executivo.
 
No mundo de hoje, é mais comum que o Executivo seja a ameaça. As queixas são generalizadas contra a perda de funções do Legislativo, subtraídas por seu crescimento desmesurado. Administrações cada vez mais complexas e burocratizadas, que atuam como se estivessem em campo oposto aos parlamentos, são regra e não exceção.
 
O que estamos presenciando é outro fenômeno. A “judicialização” nada tem a ver com as tensões tradicionais e necessárias que existem entre os Poderes.
 
Na democracia, a fonte da legitimidade do Executivo e do Legislativo é a mesma: o voto popular. O primeiro reflete a maioria, o segundo, a diversidade, pois nele todas as minorias relevantes podem se expressar.
 
O Judiciário é diferente, por ser o único poder cujos integrantes são profissionais de carreira e não representam ninguém. E é especialmente grave o risco de que invada a esfera dos outros. De que queira subordiná-los ao que seus titulares eventuais, na ausência de um mandato popular autêntico, supõem ser o interesse coletivo.
 
O julgamento do “mensalão” tem sido o mais agudo exemplo da judicialização que acomete nossas instituições.
 
Já tínhamos tido outros, um de consequências nefastas nas questões de fundo suscitadas pelo episódio do mensalão. A proliferação artificial de partidos, encorajada por uma legislação que há muito precisa ser revista, foi limitada por lei emanada do Congresso Nacional, que a Presidência da República sancionou. Mas o Supremo Tribunal Federal (STF) a restaurou.
 
Em nome de um “democratismo”, manteve normas que complicam o voto para o eleitor e dificultam a formação de maiorias parlamentares menos voláteis, problema que todos os presidentes enfrentaram e enfrentam.
 
Isso é, porém, café pequeno perante o que estamos vendo desde o início do julgamento.
 
Sem que tenha recebido da sociedade mandato legítimo, o STF resolveu fazer, à sua maneira, o que entende ser o “saneamento” da política brasileira. Ao julgar o mensalão, pretende fixar o que o sistema político pode fazer e como.
 
Imbuído da missão autoatribuída, faz o que quer com as leis. Umas ignora, em outras inova. Alarga-lhes ou encurta o alcance conforme a situação. Parece achar que os fins a que se propõe são tão nobres que qualquer meio é válido.
 
O problema desse projeto é o de todos que não obedecem ao princípio da representação. É o que esses ministros querem.
 
São 11 cidadãos (agora dez) com certeza capazes em sua área de atuação. Mas isso não os qualifica a desempenhar o papel que assumem.
 
Pelo que revelam em seus votos e entrevistas, conhecem mal a matéria. Falta-lhes informação histórica e têm pouca familiaridade com ela. Pensam a política com as noções de senso comum, com preconceitos e generalizações indevidas.
 
Acreditam que a democracia deve ser tutelada, pois o povo precisaria da “proteção”de uma elite de “homens de bem”.
 
Acham-se a expressão mais alta da moralidade, que vão “limpar” a política e dela expulsar os “sujos”. Estão errados.
 
Mas não é isso o que mais preocupa. Ainda que fossem dez ministros com notável conhecimento, ótimas idéias e nenhuma pretensão, que delegação teriam?
 
Na democracia, quem quer falar pelo povo tem um caminho: apresentar-se, defender o que pensa e obter um mandato.
 
Fora disso, não há regras. Generais já se acharam melhores que os políticos, mais “puros”. Como os juízes de hoje, os generais estavam preparados e eram patriotas. Desconfiavam dos políticos. Viam-se como expressão da sociedade. Liam na grande mídia que “precisavam responder aos anseios do País” e moralizar a política. Tinham um deles para pôr no poder.
 
O final daquele filme é conhecido. E o de agora?
 
Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

Nenhum comentário:

Postar um comentário

”Sendo este um espaço democrático, os comentários aqui postados são de total responsabilidade dos seus emitentes, não representando necessariamente a opinião de seus editores. Nós, nos reservamos o direito de, dentro das limitações de tempo, resumir ou deletar os comentários que tiverem conteúdo contrário às normas éticas deste blog. Não será tolerado Insulto, difamação ou ataques pessoais. Os editores não se responsabilizam pelo conteúdo dos comentários dos leitores, mas adverte que, textos ofensivos à quem quer que seja, ou que contenham agressão, discriminação, palavrões, ou que de alguma forma incitem a violência, ou transgridam leis e normas vigentes no Brasil, serão excluídos.”