Por que Serra é tão detestado
Paulo Nogueira - Diário do Centro do Mundo
Paulo Nogueira - Diário do Centro do Mundo
O brasileiro é cordial.
É raro o brasileiro odiar alguém. Coletivamente, quero dizer.
Em minha vida adulta, vi poucos casos de abominação generalizada. Roberto Marinho, das Organizações Globo, foi um deles.
Os
brasileiros desconfiavam que ele punha seus interesses pessoais à
frente dos interesses do país, e que retribuía com servilidade
jornalística à ditadura militar que tanto o ajudara com o dinheiro do
contribuinte.
Um
dos grandes paradoxos do Brasil é que a raiva inspirada por Roberto
Marinho não se traduziu – pelo menos enquanto ele era vivo – nos índices
de audiência da Globo.
Minha
hipótese, para isso, é que a Globo se beneficiou não apenas da
camaradagem dos generais no poder – mas também da inépcia administrativa
da concorrência. Sem alternativa, numa era pré-internet e pré-controle
remoto, brasileiros acabavam vendo novelas da Globo e na inércia, entre
elas, o Jornal Nacional de Cid Moreira e Sérgio Chapelin.
O outro grande caso de antipatia nacional que presenciei numa sociedade tão amigável como a brasileira é José Serra.
Acho
mais fácil explicar a patologia Serra que a patologia Roberto Marinho. A
rejeição a Serra começa entre os jornalistas. Serra sempre recorreu às
instâncias mais altas – de preferência os donos – para se queixar de
jornalistas que escreveram coisas das quais ele não gostou.
Jornalistas
têm repulsa por isso. Lembro que, em meus dias na Veja, nos anos 1980,
os diretores de redação JR Guzzo e Elio Gaspari – dois mestres – tinham
uma lei não escrita. Se um político ou um empresário fosse se queixar da
revista a Roberto Civita, dono da Abril, e não a eles, dali por diante o
contato direto estava encerrado.
Fora
do jornalismo, Serra cometeu um erro grave quando se candidatou a
postos mais altos, especialmente, é claro, a presidência: ele quis
fingir ser o que não era. Não existe antipático mais execrável do que o
falso simpático. Serra se tornou isso.
Serra
quis, provavelmente, emular Lula na tentativa de ser “alguém como todos
nós”. Só que ele não é. Melhor: ele não pensa que é. Serra se acha um
predestinado. Serra pontifica, não fala.
Foi nessa cirurgia plástica em sua imagem, neste botox comportamental, que ele foi crescendo na ojeriza nacional.
Alguns
atos foram também ajudando na resistência a seu nome. O episódio do
atentado da bolinha de papel foi um deles: a ressonância magnética pela
qual Serra passou de que uma bolinha de papel foi tratada como uma arma
perigosa estará registrada nos livros de história que a posteridade
lerá.
E
agora mesmo: o prefeito que deixou a São Paulo que o elegeu no curso de
uma insana cavalgada rumo à sonhada presidência, bem, ele está aí de
novo. Pede os votos dos mesmos paulistanos que ele abandonou a Kassab,
um dos prefeito mais mal avaliados do Brasil.
É
um absurdo com exclamação. Mas suponhamos o seguinte: foram brilhantes
os anos em que São Paulo esteve sob Serra como governador ou prefeito.
Mas
vamos examinar os fatos. Serra mostrou um talento extraordinário ao
liquidar, ou mesmo mitigar, as previsíveis enchentes que são
particularmente cruéis para os paulistanos pobres? Ele diminuiu
significativamente o número de favelas e de favelados? A lista é longa.
Há um mito – propagado pelo próprio Serra com eficiência, e aí reconheço um êxito – segundo o qual ele é um administrador preparado. Preparado para o quê, concretamente?
A
única resposta que me ocorre é: preparado para fazer tudo em nome de um
tipo de poder em que ele próprio – e não a sociedade – é o centro de
tudo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
”Sendo este um espaço democrático, os comentários aqui postados são de total responsabilidade dos seus emitentes, não representando necessariamente a opinião de seus editores. Nós, nos reservamos o direito de, dentro das limitações de tempo, resumir ou deletar os comentários que tiverem conteúdo contrário às normas éticas deste blog. Não será tolerado Insulto, difamação ou ataques pessoais. Os editores não se responsabilizam pelo conteúdo dos comentários dos leitores, mas adverte que, textos ofensivos à quem quer que seja, ou que contenham agressão, discriminação, palavrões, ou que de alguma forma incitem a violência, ou transgridam leis e normas vigentes no Brasil, serão excluídos.”