É preocupante o processo em curso no Brasil de criminalização da
política. O julgamento espetaculoso da Ação 470 no Supremo Tribunal
Federal não é o último capítulo desta história. A ele juntou-se a ação
direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil, que considera inconstitucional artigos de
leis que tratam do financiamento de campanhas políticas por pessoas
jurídicas e dos limites de valores das doações a serem feitas por
particulares.
Matéria publicada no site Consultor Júridico
mostra que a Procuradoria Geral da República concorda com a tese da
OAB de que a doação de empresas a partidos é ilegal e pretende
submetê-la a apreciação do STF.
Criminalizar a política e os políticos foi argumento usado pelas
vivandeiras do golpe de 1º de abril de 1964 para depor o presidente João
Goulart (PTB), eleito democraticamente em 1960. Ato contínuo, os
golpistas fechariam o Congresso Nacional, extinguindo em seguida todos
os partidos políticos para criar a força o bipartidarismo com a Arena
(de situação) e o MDB, de oposição.
O que querem o STF a PGR, a OAB e setores da mídia que abraçaram este
ideário criminalizante? Seria deles, desta vez, a bandeira de
"democracia sem povo"? Ou será uma democracia sem votos como verbalizou o
ministro do STF, Luiz Fux, para quem o Poder Judiciário deve ser um
"reflexo de uma nova configuração da democracia, que já não mais se
baseia apenas no primado da maioria e no jogo político desenfreado"!?!?
É certo que o Brasil adaptou, em grande medida, seu modelo federativo
de Estado naquilo que foi aprovado pelo nosso irmão do Norte, os
Estados Unidos. O conceito norte-americano de democracia se baseia no
voto. O chefe do Executivo, os Legisladores (deputados e senadores) e
também os membros do Judicíário (juízes, delegados e promotores) são
também escolhidos pelo voto dos cidadãos.
Ao negar a democracia como o primado da maioria, como advogada o
ministro Fux, ou ao alijar do debate eleitoral as empresas, como
ponteiam a OAB e a PGR, nega-se o princípioda comunhão do poder pelo
povo. Alija-se o povo das decisões, rasga-se a Constituição de 1988 e
retornamos todos ao tempo do Império, onde o voto e o poder de decisão
eram privilégios de poucos.
Autoritários inglórios
É fato que a direita ultra-conservadora não ganha eleições no voto. Não
que o Brasil seja um país de esquerda. Pelo contrário, há exemplos de
políticos de direita ou centro-direita que chegaram ao Executivo pelo
voto popular como Jânio Quadros e Fernando Collor de Mello. Mas a
tentação autoritária existe. Está no ar.
O ovo da serpente foi germinado em 1954 contra o governo do
nacionalismo do presidente Getúlio Vargas, que preferiu entrar para
História do que entregar o poder para os golpistas liderados por Carlos
Lacerda e a República do Galeão. A serpente deu crias em 1964
alimentada pelos elementos de 1954, instrumentalizada pelo Ibad
(Instituto Brasileiro de Ação Democrática) e IPES (Instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais.
E é aqui que cabem um alerta para OAB e para PGR. O Ibad e o Ipes foram
sustentados por empresários, os mesmos que mais tarde fariam vultosas
contribuições para OABN. A Operação Bandeirante, aparelho de repressão
criada pelo exército em 1969, foi financiada por empresários como
Henning Albert Boilesen, do grupo Ultragás ou pelo Grupo Folha, cujas caminhonetes de distribuição do jornal eram usadas por agentes da repressão (leia mais).
Acerto com o passado
Em entrevista à Folha,
o ex-presidente da OAB, advogado Cezar Brito, fez uma mea-culpa sobre a
adesão da entidade ao Golpe militar de 1964: "Demorou ao menos dez
anos para que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) reagisse às
arbitrariedades cometidas durante o regime militar, implementado a
partir do golpe de 1964. "A advocacia brasileira não se calou diante do
golpe militar, pois constantemente reagia, como reage os advogados, aos
atos de arbitrariedade. Mas enquanto órgão coletivo, a reação a
ditadura militar somente se fez dez anos depois, graças a atuação de
(Heráclito Fontoura) Sobral Pinto (então presidente da OAB)", ressalta
Britto.
Criminalizar a política e os políticos, excluir os empresários da
eleição é ferir de morte o jogo democrático. A contribuição de campanha
dá transparência ao lobby que legitimamente os empresários brasileiros
fazem na hora em que participam do financiamento da campanha deste ou
daquele partido, deste ou daquele candidato. Discutir a ampliação dos
níveis de transparência ou a mudança do regime de financiamento privado
pelo financiamento público, são igualmente idéias válidas. O
inadmissível é querer fingir que empresas ficarão alheias ao destino do
país.
Não se faz democracia sem povo.
Não existe campanha sem recursos.
Não há nação sem a participação de todos: trabalhadores e empresários, executivos e legisladores, juízes e promotores.
Ao invés de incorrer no risco do autoritarismo, a OAB deveria referendar-se sempre pelo exemplo do nobre Sobral Pinto.
Marcus Vinícius
No 247
Nenhum comentário:
Postar um comentário
”Sendo este um espaço democrático, os comentários aqui postados são de total responsabilidade dos seus emitentes, não representando necessariamente a opinião de seus editores. Nós, nos reservamos o direito de, dentro das limitações de tempo, resumir ou deletar os comentários que tiverem conteúdo contrário às normas éticas deste blog. Não será tolerado Insulto, difamação ou ataques pessoais. Os editores não se responsabilizam pelo conteúdo dos comentários dos leitores, mas adverte que, textos ofensivos à quem quer que seja, ou que contenham agressão, discriminação, palavrões, ou que de alguma forma incitem a violência, ou transgridam leis e normas vigentes no Brasil, serão excluídos.”