“Toda violação dos direitos humanos será investigada.” Com essa frase, Gilson Dipp, um dos integrantes da Comissão da Verdade, procurou constranger setores da esquerda que procuram levar a cabo as exigências de punição aos crimes da ditadura militar.
Trata-se de pressupor que tanto o aparato estatal da ditadura militar quanto os membros da luta armada foram responsáveis por violações dos direitos humanos. É como se a verdadeira função da Comissão da Verdade fosse referendar a versão oficial de que todos os lados cometeram excessos equivalentes, por isso o melhor é não punir nada.
No entanto o pressuposto de Dipp é da mais crassa má-fé. Na verdade, com essa frase, ele se torna, ao contrário, responsável por uma das piores violações dos direitos humanos.
Sua afirmação induz à criminalização do direito de resistência, este que - desde a Declaração dos Direitos Universais do Homem e do Cidadão - é, ao lado dos direitos à propriedade, à segurança e à liberdade, um dos quatro direitos humanos fundamentais.
Digamos de maneira clara: simplesmente não houve violação dos direitos humanos por parte da luta armada contra a ditadura. Pois ações violentas contra membros do aparato repressivo de um Estado ditatorial e ilegal não são violações dos direitos humanos. São expressões do direito inalienável de resistência.
Os resistentes franceses também fizeram atos violentos contra colaboradores do Exército alemão durante a Segunda Guerra, e nem por isso alguém teve a ideia estúpida de criminalizar suas ações.
Àqueles que se levantam para afirmar que “a guerrilha matou tal soldado, tal financiador da Operação Bandeirantes”, devemos dizer:
“Tais ações não podem ser julgadas como crimes, pois elas eram ações de resistência contra um Estado criminoso e ditatorial”.
O argumento de que tais grupos de luta armada queriam implementar regimes comunistas no país não muda em nada o fato de que toda ação contra um Estado ilegal é uma ação legal. O que está em questão não é o que tais grupos queriam, mas se um Estado ilegal pode criminalizar ações contra sua existência impetrada por setores da população.
Como se não bastasse, integrantes da Comissão da Verdade que dizem querer investigar ações dos grupos de resistência “esquecem” que os membros da luta armada julgados por crimes de sangue não foram anistiados. Eles apenas receberam uma diminuição das penas.
Ou seja, os únicos anistiados foram os militares, graças a uma lei que eles mesmos fizeram, sem negociação alguma com a sociedade civil.
Vladimir Safatle
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