Guerrilheiro Virtual

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

''É preciso aliar a ousadia do desenvolvimento com a prudência da precaução''. O caso Chevron.

Entrevista especial com David Zee

Monitorar vazamentos de petróleo no mar é como “analisar outro planeta”, afirma David Zee, perito responsável por averiguar o vazamento de petróleo no Campo de Frade, a 150 km da costa do Espírito Santo. De acordo com ele, ainda é impossível saber quanto óleo vazou no mar e, portanto, quais serão os danos para o meio ambiente. Zee explica que, 48 horas depois do acidente, “um grande número de embarcações deveria cercar o óleo para retirá-lo do mar. Mas isso não aconteceu”.
 
Enquanto acompanhava as investigações, o oceanógrafo conversou com a IHU On-Line por telefone e disse que a Chevron não seguiu os quatro itens do plano de estratégia e emergência individual, fundamental para todas as empresas que exploram petróleo em águas brasileiras. “Em vez de a empresa seguir a sequência [dos quatro itens de segurança], ela pulou imediatamente para o último deles, e passou a dispersar o óleo no mar”, informa. David Zee esclarece que crime ambiental é inafiançável e a possível multa de 150 milhões que a Chevron terá de pagar aos órgãos ambientais brasileiros tem, para a companhia, o mesmo valor que “dois reais para nós”. E enfatiza: “Para se ter uma ideia, 150 milhões representa 50 minutos de faturamento da empresa, ou seja, representa 1% dos investimentos que ela fez para a produção de petróleo na Bacia do Frade”.
 
David Zee é graduado em Engenharia Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestre em Oceanografia pela Universidade da Flórida e doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
 
Confira a entrevista.
 
IHU On-Line – Qual é a extensão do vazamento de petróleo da Chevron? Quanto petróleo já vazou no oceano?
 
David Zee – Monitorar o vazamento de petróleo a 1200 metros de profundidade do mar é quase que analisar outro planeta. Era preciso que houvesse um sistema de resposta e de monitoramento para averiguar acidentes como esse. Não sabemos direito quanto petróleo realmente vazou para o mar. O que podemos fazer é uma avaliação através do óleo que chega à superfície, o que não quer dizer que este é o óleo que vazou porque existe uma coluna d’água de 1200 metros, que eventualmente já tenha absorvido uma parte do óleo antes de ele chegar à superfície.
 
IHU On-Line – Como classifica o vazamento de petróleo na Bacia de Campos? Foi um acidente, trata-se de imprudência da companhia Chevron? Algumas notícias informam que o delegado Fábio Scliar trabalha com a hipótese de a empresa ter perfurado além dos limites permitidos.
 
David Zee – Toda a atividade realizada em alto mar, especialmente a exploração de petróleo, é uma atividade de risco e passível de acontecer acidentes. No caso específico do Campo do Frade, percebo que efetivamente houve um acidente. Agora, se houve também um descuido ou falha humana, não é possível saber, visto que a Chevron ainda está levantando essas informações, de tal forma que não tenho condições de afirmar o que aconteceu. O que posso dizer é que a atividade de exploração de petróleo em mar profundo é suscetível a gerar acidentes.
 
IHU On-Line – O ex-presidente da Associação Brasileira dos Geólogos de Petróleo, Nilo Azambuja, disse que se a Chevron estivesse tentando alcançar o pré-sal, isso não seria ilegal, pois “a área é dela, se quiser pode ir ao Japão”. Como o senhor vê essa declaração e quais são os limites para a exploração de petróleo? Que normas o contrato de concessão de exploração de petróleo e a legislação brasileira preveem em relação à exploração de petróleo?
 
David Zee – Todos têm liberdade e direito de explorar o pré-sal, mas é preciso fazer isso com segurança. Quem determina que companhia é ou não capaz de explorar petróleo com segurança é a legislação brasileira. Então, nesse quesito, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama têm uma grande responsabilidade porque eles ditam as regras. Se a Chevron está explorando em oceanos brasileiros, ela recebeu autorização para isso. Agora, como a exploração está sendo feita em um ambiente muito mais ousado, em fronteiras onde o homem nunca havia atingido e agora está atingindo, sem dúvida nenhuma as normas e regras de exploração precisam ser implementadas. Então, esse acidente vem corroborar ainda mais a ideia de que é preciso desenvolver novas tecnologias, aperfeiçoar a segurança e, principalmente, investir recursos na manutenção, prevenção e compra de equipamentos e treinamento de pessoal para saber agir nesses momentos de acidente.
 
IHU On-Line – Mesmo assim, é possível evitar os riscos?
 
David Zee – Para evitar os riscos, é preciso investir em tecnologia, equipamentos, inovação. Quanto mais investimentos forem feitos, menores serão os riscos. Entretanto, jamais poderemos dizer que será possível zerar o risco porque, a cada dia, avança-se mais na exploração de petróleo no fundo do mar. Antes, perfurava-se a 1000 metros de profundidade e se pensava que perfurar a 1200 metros era algo fenomenal. Entretanto, hoje já estão perfurando a 2000 metros de profundidade. Então, o homem é muito ousado e está em constante avanço. É preciso aliar a ousadia do desenvolvimento com a prudência da precaução.
 
IHU On-Line – Como é feito o controle e que cuidados são tomados durante a exploração de petróleo para que o produto não vaze para o oceano?
 
David Zee – No que se refere à exploração e perfuração do solo, percebo que os investimentos para tal atividade foram ampliados. Entretanto, o grande X da questão é: será que estão investindo o mesmo percentual de dinheiro para a prevenção e precaução de acidentes? Quando acontece um acidente, somos capazes de administrar as crises? Esse acidente da Chevron tem demonstrado que não, que que os investimentos em segurança e precaução ainda são precários, haja vista que existe um plano de estratégia e emergência individual, o qual não foi cumprido.
 
No plano dizia que a empresa exploradora de petróleo teria de ser capaz de monitorar qualquer tipo de vazamento. Quem descobriu o vazamento não foi a empresa, mas sim a Petrobras. O segundo item do plano de estratégia e emergência diz que a empresa tem que ser capaz de monitorar quanto óleo está sendo despejado no mar e até hoje nós não sabemos esse percentual. O terceiro item menciona que a empresa tem que ser capaz de remover o máximo possível de óleo que esteja contaminando o meio marinho. No entanto, não houve barreiras de contenção do óleo e muito menos barcos para retirá-lo do mar. O quarto item fala na dispersão do óleo residual que não se consegue retirar. Portanto, o plano está escrito no papel, mas não funciona. Em vez de a empresa seguir a sequência desses quatro itens, ela pulou imediatamente para o último deles e passou a dispersar o óleo no mar.
 
Em função disso, não será possível retirar o óleo do mar porque não houve investimentos, nem regras e legislações que estimulassem essa prática. Infelizmente, o homem só coloca o cadeado depois que tem a casa arrombada. Esse é o ditado mais correto que existe.
 
IHU On-Line – Não foi retirada nenhuma quantidade de óleo do mar?
 
David Zee – Foi retirada uma quantidade ínfima. 48 horas depois do acidente, um grande número de embarcações deveria cercar o óleo para retirá-lo do mar. Mas isso não aconteceu.
 
IHU On-Line – Como se estanca um vazamento como esse e como tal processo está sendo feito no caso da Chevron?
 
David Zee – O vazamento é oriundo de algum vazamento no poço. Então, para estancá-lo é preciso concretar e impermeabilizar suas paredes.
 
IHU On-Line – É possível vislumbrar qual será o prejuízo ambiental do vazamento? A informação divulgada é que o óleo se espalhou para Abrolhos, na Bahia. Quais os impactos para as espécies que vivem nessa região?
 
David Zee – É muito difícil codificar os danos, uma vez que não temos noção da quantidade de óleo que extravasou.
 
IHU On-Line - Qual é a punição para esse tipo de crime ambiental? Muitos ambientalistas criticam a multa estimada em 150 milhões que a companhia Chevron terá de pagar. O passivo ambiental é pago com 150 milhões?
 
David Zee – A punição de crime ambiental é inafiançável e a pessoa responsável pode pegar quatro ou cinco anos de prisão, sem falar nas multas. Para a Chevron, esse valor de 150 milhões é como dois reais para nós: quase nada. Para se ter uma ideia, 150 milhões representa 50 minutos de faturamento da empresa. 50 minutos. Ou seja, representa 1% dos investimentos que ela fez para a produção de petróleo na Bacia do Frade.
 
IHU On-Line – A Polícia Federal também investiga a suspeita de que a Chevron empregue estrangeiros em situação irregular no país. O senhor sabe qual o andamento das investigações?
 
David Zee – Não. não posso dar declarações sobre as investigações.
 
IHU On-Line – Como foi sua conversa com o delegado Fábio Scliar na manhã de terça-feira (22-11-2011). Como estão as investigações da Polícia Federal em relação ao vazamento?
 
David Zee – Estamos passando por um processo de aprendizado. O acidente da Chevron é um cartão amarelo, uma sinalização muito explícita e evidente. Agora todos estão avisados de que a exploração do pré-sal e em águas oceânicas brasileiras precisa ser feita com mais cuidado do que em relação a como vem sendo conduzida. Uma mudança radical precisa ser feita, e a sociedade precisa cobrar isso.
 
IHU On-Line O senhor defende uma mudança nos paradigmas da exploração de petróleo no Brasil. Em que consiste essa mudança?
 
David Zee – Uma das minhas propostas é que se leve em consideração, antes de conceder licença para a exploração de petróleo, o passado das empresas. Na hora em que acontece um acidente, a primeira coisa a ser feita é uma auditoria nas contas da empresa para saber quanto ela investiu, nos últimos cinco anos, em prevenção e em segurança em defesa do meio ambiente. Se ela investiu muito, então ela tem uma atenuante na multa e nas sanções. Se ela investiu pouco, quase nada, terá um agravante, podendo multiplicar a multa e as sanções.
 
Medidas como essas podem estimular as empresas sérias a investirem em segurança, porque ninguém está livre de acidentes. Pelo simples fato de ocorrer uma fatalidade, não quer dizer que a empresa age de má fé. De modo geral, as empresas seguem muito bem as regras estabelecidas pelo país e, se os acidentes acontecem, é porque as regras não estão bem explicitadas. Portanto, é preciso fazer um reajuste nas leis e nas regras.
 
IHU On-Line – Como avalia a atuação dos órgãos ambientais brasileiros no caso desse acidente?
 
David Zee – Dentro das possibilidades, os órgãos estão atuando e todos estamos aprendendo com os erros.
 
(Por Patricia Fachin e Rafaela Kley)
 
Do Contexto livre

Nenhum comentário:

Postar um comentário

”Sendo este um espaço democrático, os comentários aqui postados são de total responsabilidade dos seus emitentes, não representando necessariamente a opinião de seus editores. Nós, nos reservamos o direito de, dentro das limitações de tempo, resumir ou deletar os comentários que tiverem conteúdo contrário às normas éticas deste blog. Não será tolerado Insulto, difamação ou ataques pessoais. Os editores não se responsabilizam pelo conteúdo dos comentários dos leitores, mas adverte que, textos ofensivos à quem quer que seja, ou que contenham agressão, discriminação, palavrões, ou que de alguma forma incitem a violência, ou transgridam leis e normas vigentes no Brasil, serão excluídos.”