Bem que não queria estragar a festa, mas outras encenações me fazem o sangue subir á cabeça
“Se a única coisa que de o homem terá certeza é a morte; a única certeza do brasileiro é o carnaval no próximo ano”.
Graciliano Ramos, em seu livro “Em Liberdade”.
"O povo toma pileques de ilusão com futebol e carnaval. São estas as suas duas fontes de sonho."
Carlos Drummond de Andrade
O exibicionismo diante de um crime passional não questiona a impunidade que campeia no país, entregue à sanha de todo tipo de malfeitores.
Nestes dias nos braços da esbórnia, quando a alma humana se deixa inebriar pela materialização das mais orgásticas fantasias compensatórias, não seria de bom alvitre puxar qualquer conversa séria, capaz de estragar as alegrias temporais brindadas por um calendário de origens tão remotas.
Os sons do batuque que entorpecem os recônditos de cérebros cansados dos tormentos estressantes abafam todo e qualquer presunçoso contraponto. Falar de qualquer coisa que não seja festa é aceitar-se intempestivo, estraga prazer impertinente sob todos os aspectos.
Nestes dias cada vez mais endiabrados só um inconveniente incorrigível muda de assunto. Agora é a hora da onça beber água, da cobra fumar, do corpo exaltar sua libido na busca do calor desconhecido, na leveza dos seres refeitos por infortúnios congelados, enfim, de virar o mundo de cabeça para baixo, sentir-se dono de si, rei da cocada preta, no ritual sagrado e consagrado a uma onírica libertação temporária de grande efeito terapêutico.
Eu nem ia escrever até que silenciasse o último tamborim, muito depois das cinzas que já não são a última hora da folia. Não ia e, como nos tempos do internato católico do Salesiano de Baturité, voltar-me-ia para a reflexão que esse mundo convulsionado e a própria idade reclamam.
Mas não. Como se estivesse diante de uma carga pesada, como se frêmitos temores continuassem a me acometer, a fazer-me suar frio, cada vez mais empalidecido ante a configuração de um ser humano submisso e acovardado, não consigo enturmar-me nos folguedos, antes, pelo contrário, dolorosamente, a pulga atrás da orelha me torna ainda mais indócil e crítico.
Isto porque a variedade de farsas não me deixa ficar quieto. Veja:
Ficha (quase) limpa no circo das ilusões
O STF confirmou para estas eleições a chamada Lei da Ficha Limpa. Mesmo assim, não vejo o que comemorar. Para ser enquadrado, o candidato terá de ser condenado em segunda instância. Fora isso, está livre e desimpedido, mesmo que seja sabidamente um trambiqueiro.
Tudo em nome da presunção de inocência, premissa específica da Lei Penal, que não pode subordinar a Lei Eleitoral. No bojo da decisão infiltraram uma “retroatividade” vulnerável. Qualquer um que tenha renunciado para não ser cassado em qualquer fase de sua vida está inelegível e perde os direitos políticos pelo resto do seu mandato, mais 8 anos. Um prefeito no exercício do cargo hoje não pode tentar a reeleição por conta de uma renúncia pretérita. Um senador que tenha renunciado no início do mandato, como aconteceu com Roriz, fica fora 15 anos.
Enquanto isso, Daniel Dantas, pego com a mão na massa pelo hoje deputado Protógenes Queiroz e pelo hoje desembargador Fausto De Sanctis pode concorrer até à presidente da República. Não existe nenhum decisão de um colegiado contra ele.
Essa lei pode ser até um avanço, mas está mais para fantasia de carnaval. Vai pegar mesmo é prefeito que não teve contas aprovadas. Mas poupará os que tiveram bons contadores e os agiotas dos bancos.
No entanto, está sendo apresentada à distinta plateia como uma panaceia saneadora, de efeito purificador. Uma falácia a mais na enciclopédia da mistificação encomendada.
Julgamento espetaculoso de um crime passional
Elias Maluco, assassino de Tim Lopes com todos os requintes de crueldade, pegou 48 anos de cadeia. Alexandre Nardoni, que matou a própria filha, ficou em 31. Já o moto-boy Lindemberg Alves, o jovem que matou sua ex-namorada por não aceitar o fim da relação, foi condenado a 98 anos, em meio a um foguetório decorrente da sensação de justiça feita, conforme uma encenação de grande apelo midiático.
Durante toda a semana pré-carnavalesca, as redes de televisão acamparam no Tribunal de Santo André, mobilizando a sociedade para exigir uma punição exemplar. Um juíza que pôs alto-falantes do lado de fora do fórum, excitando curiosos, foi festejada pelos programas sensacionalistas.
O crime passional do rapaz é indefensável. Mas a espetacularização do julgamento e a sua transformação no inimigo número 1 da sociedade mostram que a Justiça também perdeu o recato ao sabor de uma mídia que vive de bodes expiatórios e da fabricação de falsas punibilidades.
No mesmo dia da condenação, que teve direito a um discurso de “agradecimento” da mãe da vítima e a um comboio de carros policiais para transportar o condenado, num exibicionismo maroto, a Justiça do Rio absolveu 4 poderosos “milicianos” num julgamento sobre tentativa de homicídio de um motorista de van. E disso nada se destacou.
Toda essa cobertura que ofereceu à turba o bode expiatório de milhares de crimes impunes não teria acontecido se o jovem rejeitado fosse um “filhinho de papai”. Isso dito pela advogada de defesa, ela própria cerceada pela “revolta da porta do fórum”, é a pura expressão da realidade.
Com o espetáculo protagonizado pela juíza de Santo André, muita coisa foi para debaixo do tapete, inclusive a incompetência da polícia, durante as 100 horas de cárcere privado, tempo suficiente para evitar que a tragédia se consumasse. Mas os policiais gostaram tanto da exibição de 2008 que chegaram a devolver a amiga de Eloá ao cárcere privado, algo absolutamente despropositado.
Enquanto causídicos de porta de cadeia se exibiam ainda paramentados após o “placar esmagador” diante de todas as câmeras do país, criminalistas sérios tentavam explicar a repórteres excitados que toda essa mise-en-scène acabará levando a um novo julgamento – portanto, a um novo espetáculo onde o ridículo mais uma vez se fará presente.
Comandante de UPP no bolso dos traficantes
E por falar em polícia, mais uma que revela a quantas andam as chamadas Unidades de Polícia pacificadora, carro chefe da política de segurança no Rio de Janeiro. A PF prendeu o comandante da UPP do Morro de São Carlos, capitão Adjaldo Luis Piedade, que recebia por semana R$ 15 mil do traficante “Peixe”, para deixar seu negócio correr mole, por baixo dos panos, como está acontecendo na maioria das “comunidades pacificadas”.
Aliás, dou um doce a quem adivinhar porque fracassou a greve dos policiais fluminenses. E vou logo respondendo: parados não tinham como cobrar os “arregos” que são mais robustos dos que os magros vencimentos.
Justiça de Vistas Grossas
Dos 4mil e 200 réus acusados de improbidade administrativa no Estado do Rio de Janeiro, apenas 11 foram condenados com sentença transitada em julgado. A corregedora Eliane Calmon, que não dorme no ponto, já mandou investigar o porquê desse fenômeno: No mesmo período, o TJ-SP condenou 1725 acusados de improbidade administrativa, o gaúcho, 458, e o mineiro, 450. Será que estes tribunais estão exagerando na dose?
Ou será a terra fluminense o paraíso da improbidade?
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