Guerrilheiro Virtual

terça-feira, 24 de abril de 2012

Renacionalização da YPF - A dor do que foi e o desafio do que é

Adolfo Pérez Esquivel


Tradução: Renzo Bassanetti

A decisão presidencial de renacionalizar a YPF é um caminho correto em direção à recuperação da soberania nacional. Um caminho difícil e cheio de obstáculos, mas que é preciso assumir e percorrer com muita força e esperança.

Temos que apoiar nossa presidenta, que teve a coragem e a decisão política de assumir essa vontade popular de anos, e devemos contribuir de cada lugar para para fortalecer a decisão governamental que provocou mais de uma sacudida de interesses econômicos e políticos.

O governo espanhol se escandaliza com o governo argentino, defendendo o indefensável, uma empresa como a Repsol, que teve grandes lucros e pouco ou nenhum investimento no desenvolvimento da produção petroleira.

Sabia-se da atividade da Repsol em outros países, mas a decisão do menenmismo foi adjudicar-lhe a YPF, e as conseqüências estão aí.

Não vou fazer comentários dos que, nas províncias, apoiaram as privatizações, e festejavam que isso era a grande solução para os problemas do país, mas temos que ter memória e ter presentes os deputados e senadores que aprovam leis daninhas que depois o país deve suportar por várias gerações, como as leis de impunidade, a lei anti-terrorista e as privatizações, entre outras calamidades.

Lembremos das Aerolíneas Argentinas, que a Ibéria desmantelou e fundiu, levando equipamentos, motores, aviões e tudo o que pôde, e depois do desastre, o governo argentino teve que assumir a renacionalização e fazer-se responsável pelas dívidas e pelos desastres deixados pela empresa.

Hoje, a nacionalização da YPF volta ao mesmo problema a falta de investimentos, o desabastecimento, os custos e as dívidas, os ativos e passivos que deixa a Repsol são enormes, e é preciso ter muita serenidade para voltar a tornas a empresa rentável.

Muitas vezes já se assinalou, e isso soa quase como um estribilho, que um país que não controla seus recursos naturais e as empresas estratégicas necessárias para o desenvolvimento integral é um país sem soberania.

Esse é um mal que afeta a Argentina há décadas e tem levado a um perigoso atraso o país que soube privatizar quase tudo e continua acumulando uma dívida externa e interna incomensurável, que custará grandes sacrifícios e esforços rediscutir.

A Repsol pretende cobrar a Argentina e se passar por credora, quando é grande devedora do povo argentino. O governo deve exigir à empresa o pagamento do não cumprido.

Os países europeus protestam contra a Argentina, e dizem que o país não é seguro para seus interesses. As que não são seguras são as empresas multinacionais, como a Repsol e outras, que vem explorar e não investir para o desenvolvimento e a vida da população. Não esperamos caridade, mas sim responsabilidade, e elas não a tem.

Devemos fazer um forte chamado aos governantes e legisladores, pois não é possível que atuem segundo os ventos que sopram a seu favor na especulação política.

É preciso estabelecer leis para impedir que um governo privatize os bens e recursos que são patrimônio da população, e não dos governantes, tanto nacionais como provinciais. A decisão sobre esse patrimônio deve ser adotada pelo povo através de consultas populares, de acordo com o direito constitucional, evitando que se produzam fatos semelhantes.

É preciso sair desta democracia delegada, onde os governantes fazem o que querem, e construir uma democracia participativa, com decisão sobre os grandes temas do país nas políticas de governo, evitando o feudalismo das províncias.

Chegamos ao esgotamento que ocasiona mais pobreza e marginalidade à nosso povo.

A YPF teve sua fase de esplendor e orgulho nacional, hoje isso é só uma lembrança , e o governo atual deve superar um difícil caminho deixado pela irresponsabilidade da Repsol.

Não posso deixar de assinalar que o petróleo não é o único assunto pendente na recuperação da soberania nacional. Não estou falando dos nacionalismos anacrônico, O governo deve atuar antes que seja tarde sobre as empresas de mineração, que levam 97% do que extraem com uma simples declaração juramentada, e a venda do território nacional.

O país deixou seu direito soberano para submeter-se a tribunais internacionais que não levarão em conta os direitos do povo argentino. Colocam em perigo a saúde da população, recursos como a água e todo o meio-ambiente e, além de tudo, geram danos econômicos aos pequenos e médios produtores. Esse é o fruto de uma época de privatizações do governo de Carlos Menem, que se submeteu aos interesses estrangeiros e provocou grandes danos ao país.

Esperamos que a decisão presidencial de renacionalizar a YPF avance, e para consegui-lo, devemos apoiar decididamente a recuperação da soberania, com serenidade e firmeza.

Adolfo Pérez Esquivel : Prêmio Novel da Paz e presidente do Servicio Paz y Justicia da Argentina.

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