Em 2011, a revista Época,
das Organizações Globo, abriu fogo contra José Serra (suspeita-se que
tenha a ver com a disputa pelo controle do PSDB com Aécio Neves), e
publicou essa matéria abaixo:
O consultor, o motorista e Niger
Época obteve os e-mails de Roberto Amaral, consultor do Opportunity, de
Daniel Dantas, enviados ao secretário particular de José Serra.
Duas semanas atrás, Época revelou segredos dos e-mails de Roberto
Figueiredo Amaral - o ex-diretor da construtora Andrade Gutierrez que
trabalhou, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, para o
Opportunity, a marca dos fundos de investimento comandados pelo
financista Daniel Dantas. As mensagens de Amaral a que ÉPOCA teve acesso
foram enviadas entre 2001 e 2002, período em que ele assessorava Dantas
na maior disputa societária da história do capitalismo brasileiro: a
briga do Opportunity contra fundos de pensão e sócios estrangeiros pelo
controle de empresas de telefonia. Elas revelam detalhes de como Amaral
trabalhava e de como ele conduzia a defesa dos interesses de seus
clientes. Vários dos e-mails eram endereçados aos ajudantes de ordens do
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC negou a ÉPOCA tê-los
recebido). Um outro personagem também chamou a atenção dos
investigadores da Polícia Federal. Eles suspeitam que alguns e-mails
eram dirigidos ao secretário particular de José Serra, então candidato à
Presidência da República pelo PSDB.
Os e-mails foram apreendidos na casa de Amaral em dezembro de 2008, no
curso da Operação Satiagraha. Desencadeada para investigar acusações de
crimes financeiros contra Dantas e o Opportunity, a Satiagraha gerou um
sem-número de controvérsias e diversas provas recolhidas na investigação
foram questionadas pelos réus. A autenticidade das mensagens de Amaral
foi atestada por uma perícia da PF e, desde junho de 2009, elas estão na
Procuradoria-Geral da República, para onde foram remetidas pelo
Ministério Público Federal em São Paulo, por conter alusões a
autoridades com foro no Supremo Tribunal Federal. O procurador-geral
Roberto Gurgel deverá decidir se há nelas indícios que justifiquem a
instauração de uma nova investigação policial. O advogado de Amaral,
José Luiz de Oliveira Lima, afirma que seu cliente não discute o
conteúdo dos e-mails, pois eles teriam sido apreendidos de forma ilegal,
“desprezando princípios processuais e constitucionais”. No momento, o
Superior Tribunal de Justiça (STJ) discute a legalidade das provas
obtidas pela PF na Satiagraha.
Ao analisar os e-mails, a PF e o Ministério Público Federal de São Paulo
concluíram que Amaral recorria a codinomes e a mensagens cifradas para
evitar a identificação de seus interlocutores. Segundo escreveu o
procurador da República Rodrigo de Grandis, em denúncia aceita pela
Justiça, Dantas era tratado por Amaral como “DD”. (Dantas negou, por
meio de sua assessoria, ter sido autor dos e-mails.) Quando escreve a –
ou sobre – Andrea Matarazzo, o então embaixador do Brasil na Itália,
Amaral sempre se refere a ele como “Conde” (leia as mensagens ao final do texto) .
Um outro nome frequente é “Niger”, em geral associado a e-mails
enviados ao endereço luizpauloarcanjo@uol.com.br. Trata-se, de acordo
com os investigadores da PF, do endereço eletrônico que era usado por
Luiz Paulo Alves Arcanjo, secretário particular e motorista de Serra.
Nos e-mails remetidos por Amaral a luizpauloarcanjo@uol.com.br, ele
escreve como se falasse diretamente com Serra, menciona assuntos de
interesse de Dantas e exige providências no âmbito do governo em relação
a eles. Serra negou a ÉPOCA, por escrito, ter recebido ou tomado
conhecimento desses e-mails(leia suas respostas) .
Não há nenhuma prova de que ele tenha intercedido em favor das
pretensões de Amaral. Em duas ocasiões, porém, as ações do governo FHC
coincidiram com essas pretensões.
A primeira foi no começo de maio de 2002. No dia 30 de abril de 2002,
Amaral enviou às 15h39, de seu endereço eletrônico rdo@uol.com.br, um
e-mail a luizpauloarcanjo@uol.com.br. No e-mail, ele protesta contra a
nomeação do economista Andrea Calabi para uma das cadeiras do Conselho
de Administração do Banco do Brasil (BB), efetivada cinco dias antes.
Ligado a Serra, Calabi fora presidente do BB e do Banco Nacional do
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), mas estava fora do governo
FHC desde 2000. Naquele momento, Calabi era conselheiro da Telecom
Italia e atuava na mediação da disputa societária que os italianos e a
Previ, o fundo de pensão dos funcionários do BB, travavam contra Dantas
pelo controle da Brasil Telecom. Ainda que a Telecom Italia e a Previ
fossem aliadas, haveria um conflito potencial de interesses se Calabi
assumisse posição em ambos os conselhos. Mas também não era de interesse
de Dantas que ele mantivesse um posto estratégico no banco patrocinador
da Previ. Amaral terminou seu e-mail com o texto a seguir grifado:
“Cabe a vc resolver este assunto. Assim não dá. Estou engajado na sua
campanha. Não preciso disto e isto é uma bofetada na minha cara”. Oito
dias depois da mensagem, Calabi deixou o Conselho do BB. Ficou na função
apenas duas semanas.
IDEIA DO SERJÃODe acordo com amigos de Roberto Amaral (à esq.), foi o ex-ministro das Comunicações Sérgio Motta quem deu a Serra (à dir.) o apelido de “Niger”. “Era uma referência àquela cerveja de Ribeirão Preto, escura e amarga”, dizem
A segunda ocasião aconteceu no início de junho de 2002. A frequência das
mensagens enviadas por Amaral ao endereço eletrônico atribuído pela PF
ao secretário particular de Serra aumentou de intensidade nos dias
anteriores e posteriores à atribulada intervenção na Previ, decretada
pelo Ministério da Previdência em 3 de junho de 2002. A intervenção
tinha como objetivo declarado enquadrar a Previ numa norma legislativa
sobre a composição de seus conselhos (deliberativo e fiscal), que ela
não seguia e resistia a aplicar. A intervenção também interessava a
Dantas, pois afastaria da Previ diretores que a haviam levado a uma
posição de confronto com o Opportunity nas empresas de telefonia. Entre
eles estavam diretores ligados ao PT, eleitos pelos funcionários do BB.
À 1h27 de 1o de junho de 2002, Amaral enviou a L.P., o rótulo por meio
do qual os s programas de correio eletrônico identificam o endereço
luizpauloarcanjo@uol.com.br, uma reportagem que informava a intenção do
governo de adiar a intervenção na Previ. O título do e-mail era
imperativo: “Mate a cobra e mostre o pau”. Seu texto faz recomendações:
“O maior inimigo do bom é o ótimo. A intervenção tem que sair e já. O PT
cada dia vai criar um fato novo de dentro da Previ. Por ser PT,
simplesmente. Um situação é ele criar dentro da Previ. Outra escorraçado
de lá e com um monte de pepinos para explicar. (...) A eleição está
para você – sei o que estou dizendo e tenho 35 anos de janela – mas atos
como este podem levá-lo para o brejo. Aja, por fv, e rápido”. Dois dias
depois da mensagem, a intervenção na Previ saiu. No dia 4 de junho,
Amaral enviou a L.P. um e-mail com cópia de uma notícia sobre a
intervenção. O título era: “Vc é a pessoa de respostas mais rápidas que
conheço”.
Vinte e quatro minutos depois de ter enviado esse e-mail, Amaral o
reencaminhou ao endereço atribuído a Dantas pela PF. Acrescentou um
comentário: “DD: Email para o Niger”. Um dia antes, Amaral enviara ao
mesmo endereço uma mensagem em que tecia comentários sobre a intervenção
na Previ: “Os objetivos de Niger são os mesmos que os nossos. Ele,
Niger, desencadeou a intervenção. Ele vai querer que o interventor aja.
Nós queremos que o interventor aja. Niger conhece bem o interventor”.
A referência a Niger nos e-mails encaminhados a
luizpauloarcanjo@uol.com.br, segundo Amaral disse a interlocutores de
sua confiança, tem uma explicação. Niger era um apelido malicioso que
Sérgio Motta, o Serjão, ministro das Comunicações do governo FHC, dera
ao amigo Serra. O apelido foi inspirado na cerveja Niger, famosa pelo
gosto amargo e produzida em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo,
até meados da década de 90.
ÉPOCA procurou Luiz Paulo Arcanjo, o secretário particular de Serra,
para comentar os e-mails enviados por Amaral. Arcanjo acompanha Serra,
pelo menos, desde a década de 90. Foi seu assessor no Senado, nos
ministérios do Planejamento e da Saúde, na prefeitura de São Paulo e no
governo de São Paulo. Hoje, Arcanjo dá expediente no escritório político
de Serra. É descrito como um funcionário da mais estrita confiança do
ex-governador, aquele a quem outros assessores recorrem quando precisam
localizar Serra. Questionado se usava o e-mail
luizpauloarcanjo@uol.com.br, Arcanjo disse: “Pode ser, pode ser”.
Depois, encerrou a conversa. Serra respondeu às perguntas de ÉPOCA por
e-mail. Afirmou que, numa campanha eleitoral, “milhares de e-mails,
bilhetes e faxes são enviados a assessores, assistentes e secretários de
candidatos”. Negou que Arcanjo tenha sido intermediário das mensagens
de Amaral e que ele as tenha recebido ou respondido.
A sequência dos e-mails sobre intervenção na Previ
No início de junho de 2002 as mensagens enviadas por Amaral para
luizpauloarcanjo@uol.com.br (endereço eletrônico que era usado por
assessor de Serra, segundo a PF) passaram a ser mais frequentes. Amaral
tratava nos emails da possibilidade de o Ministério da Previdência
intervir na direção da Previ, que não havia se enquadrado a uma norma
legislativa que regulamentava a composição do seus conselhos
deliberativo e fiscal. A intervenção seria benéfica para Daniel Dantas,
que queria ver fora do fundo de pensão diretores ligados ao PT que
levaram a Previ a confrontar o Opportunity na briga pelo controle de
empresas de telefonia.
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