O prefeito se desdobra em explicações, mas o nome do responsável pela fiscalização nem entrou no noticiário
A facilidade com que os jornalistas brasileiros podemos distribuir
culpas, sem maior verificação nem menor reflexão, mais conturba do que
ajuda a consertar os desarranjos nacionais. A tragédia de Santa Maria
reproduz vários exemplos nesse sentido.
Como sempre em dramas e tragédias municipais, foi posta imediatamente
uma corda no pescoço do prefeito local. Problemas com a fiscalização e
as consequentes licenças para atividade da boate. Não há dúvida de que o
problema existe, por parte da prefeitura ou do Corpo de Bombeiros.
Mas será mesmos aos prefeitos que cabem a tarefa e a responsabilidade de
fiscalizar, a meio dos seus afazeres, boates e prédios em geral?
Enquanto, desde a tragédia, o prefeito se desdobra em entrevistas e
explicações, o nome do responsável pelo departamento municipal de
fiscalização nem sequer entrou no noticiário. Deveria ser o primeiro
procurado para explicar a situação das relações legais entre as
características da boate e o cumprimento, ou não, das responsabilidades
exigidas a respeito, tanto da casa como do setor de fiscalização.
Houve, de início, licenciamento correto? As fiscalizações periódicas
foram realizadas como exigido, resultando em liberação ou em exigências?
Em caso negativo, o que o causou? Quem fez cada uma das fiscalizações,
se foram feitas? E, como estamos no Brasil, se as respostas foram
insatisfatórias, as condições de vida e de bens do pessoal de
fiscalização são compatíveis com a remuneração?
Mais ou menos o mesmo deveria estar feito quanto aos bombeiros e a alegada 'análise'
que desde 19 de outubro impediu a aprovação ou reprovação da boate. Cá
por mim, já vi numerosas inspeções de bombeiros em áreas de risco, como
setores gráficos com todos os seus inflamáveis, e a prática dos
inspetores nunca exigiu mais do que observação objetiva, para exigência
ou breve produção de laudo aprobatório. O que havia na boate a ser tão 'analisado'?
Não foi perguntado nem dito. Mas a resposta existe: nada, nem mesmo as
bebidas duvidosas e as poeiras animadoras, capaz de exigir três meses de
análises.
Com a investida sobre o prefeito, seus congêneres e governadores
providenciam fiscalizações urgentes nos seus arraiais. Não adiantam de
nada, mas dão algum sossego e notícias favoráveis. Para levar ao efeito
necessário, todas as fiscalizações de segurança têm de ser feitas a
qualquer tempo, sem aviso, e não só na ocasião dos relicenciamentos. As
alterações feitas depois das fiscalizações são regra geral em
empreendimentos sujeitos a inspeção. Depois se ajeitam as coisas, que
jeitinho é para isso, na futura fiscalização.
Também sem haver alguma ordenação no lado das prefeituras e dos
governos, nada melhorará na insegurança. São pelo menos três, e com
frequência bem mais, os setores do poder público responsáveis pelas
condições proporcionadas ao público, por exemplo, nas casas de diversão:
prefeitura, Corpo de Bombeiros e Polícia Militar. Quando não, também,
as áreas de meio ambiente, de saúde pública, de trânsito e de plano
urbanístico. Cada um agindo ou não agindo por si. A irracionalidade é um
dos nossos patrimônios nacionais, mas sem alguma racionalização nessa
balbúrdia, nada feito. Muito menos a pretendida criação de mais leis, já
comentada ontem na Folha pela atenção ininterrupta de Fernando
Rodrigues.
Bem, alguma coisa sempre é feita, sim. O governo Alckmin decidiu
fiscalizar todas as casas noturnas com mais de 1.000 m². Pronto. Agora é
só os possíveis frequentadores verificarem, antes de entrar, quanto a
casa mede. Se tiver mais de 1.000 m² e não exibir todas as licenças, o
freguês já sabe: não entra, vai correr riscos nas casas com 999 m² ou
menos, que não serão fiscalizadas.
Janio de Freitas
No fAlha
Nenhum comentário:
Postar um comentário
”Sendo este um espaço democrático, os comentários aqui postados são de total responsabilidade dos seus emitentes, não representando necessariamente a opinião de seus editores. Nós, nos reservamos o direito de, dentro das limitações de tempo, resumir ou deletar os comentários que tiverem conteúdo contrário às normas éticas deste blog. Não será tolerado Insulto, difamação ou ataques pessoais. Os editores não se responsabilizam pelo conteúdo dos comentários dos leitores, mas adverte que, textos ofensivos à quem quer que seja, ou que contenham agressão, discriminação, palavrões, ou que de alguma forma incitem a violência, ou transgridam leis e normas vigentes no Brasil, serão excluídos.”