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sábado, 20 de agosto de 2011

Discussão sobre “Danou-se então o capitalismo?”

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PAUL JAY, editor-chefe, TRNN: Bem-vindos à The Real News Network. Sou Paul Jay, falando de Washington. Ontem e anteontem, muita gente que acompanha temas de economia e inúmeros blogs estão discutindo artigo publicado por Nouriel Roubini. 

Roubini preside um think tank de pesquisa em New York e é professor da New York University. É frequentemente apresentado como o único especialista que previu o crash de 2008. E é também conhecido como homem que crê nos mercados e no capitalismo. Seja como for, há alguns dias NR escreveu que:

“Tudo isso leva a concluir que, ao que parece, Karl Marx acertou, no mínimo em parte, quando disse que a globalização, a intermediação financeira sem qualquer controle, e a redistribuição de renda e riqueza, do trabalho para o capital, poderia levar o capitalismo à autodestruição (embora, pelo que já se viu, o socialismo não tenha conseguido fazer melhor). As empresas cortam empregos porque não há demanda final suficiente. Mas, com menos empregos, cai a renda do trabalho, aumenta a desigualdade e a demanda final acaba por ficar ainda mais reduzida. 

Manifestações populares, do Oriente Médio a Israel e ao Reino Unido – e logo também, sem dúvida, em outras economias avançadas e mercados emergentes – são todas provocadas pelas mesmas questões e tensões: desigualdade crescente, pobreza, desemprego e desesperança. Até as classes médias já sentem, em todo o mundo, que a renda e as oportunidades encolheram.”

JAY: O título do artigo é “Danou-se, então, o capitalismo?”. Hoje, para conversar conosco sobre o artigo e o blog de mesmo título e o estado da economia global, convidamos Gerry Epstein, co-diretor do Instituto PERI em Amherst, Massachusetts. Obrigado por aceitar nosso convite. E então, Gerry? O que lhe parece? O capitalismo acabará por destruir-se, como diz Roubini?

EPSTEIN: Bem, é verdade que nada vai muito bem. Quanto a isso, concordo com Roubini. Ele, evidentemente, usou o nome de Marx para chocar e chamar atenção, e deu certo. Marx, é claro, não foi o único a usar esse tipo de argumento. Mas não há dúvidas de que, sim, a economia global enfrenta problemas seríssimos, alguns dos quais Roubini destaca. Está em curso essa gigantesca deriva, com o poder e a riqueza desertando da classe trabalhadora e das classes médias em muitas partes do mundo, e isso, somado à farra e à crise financeiras, levou a um grave problema de demanda agregada. E não – absolutamente não há instituições, conjunto de instituições ou agentes nos EUA e na Europa e em outras economias capazes e competentes para gastar dinheiro, gastar renda, para fazer reviver a economia. E os únicos grupos com alguma possibilidade de fazer a economia reviver, no ponto a que chegamos desse processo, são governos e bancos centrais. As forças de direita na Europa e aqui, nos EUA, estão fazendo o possível para impedir que o governo e os bancos centrais tirem a economia global da estagnação e da crise em que estamos hoje. Por tudo isso, sim, a situação parece-me gravíssima.

JAY: Mas, nem só a direita... Não sei exatamente o que você define como direita. Quero dizer, se você divide a elite entre liberais neoliberais e conservadores ... Que diferença faz, se estão todos embarcados, direita e esquerda, no trem da ‘austeridade’? Há poucas vozes, todas da elite, que falam sobre estímulos e empregos... Nas páginas de finanças que se leem nos jornais, há até gerentes de fundos que dizem o que precisa ser feito. Mas... são poucos e são vozes solitárias. 

EPSTEIN: Sim, há bem poucas vozes, e acho bom que gente como Roubini comece a falar mais alto e argumentando contra a tal ‘austeridade’ que nos cerca por todos os lados. O xis da questão, contudo, é que, com a Europa sem querer e sem poder cumprir um papel expansionista, com Obama rendido às forças de Wall Street, e com a direita norte-americana ativa, com o Japão afundado em problemas financeiros e econômicos – e com até a China já reduzindo suas políticas de aumentar a demanda e o crescimento econômico –, o que parece é que em lugar algum da economia mundial há agentes que queiram impulsionar uma política de expandir a economia. Claro que vários pontos, inclusive os EUA e os europeus, poderiam desempenhar essa função, mas todos se recusam a trabalhar para expandir a economia global.

JAY: Veja... Você sabe que Roubini cita Marx, mas a citação não é absolutamente fiel nem completa, porque Marx não... – O que Marx disse nada tinha a ver com desigualdade e distribuição de renda. Se entendi bem, Marx nunca falou sobre crescimento e desenvolvimento, no caso de haver um percentual mínimo de pessoas que de fato comandam toda a economia. Hoje se trata de apenas uns muito poucos que possuem praticamente tudo. E há pouca gente interessada em falar da questão da propriedade, porque, você sabe, a questão é a concentração da propriedade. E todos sabemos o que aconteceu em termos de regulação financeira: o poder político que deriva dessa propriedade torna inócua qualquer política racional que pudesse, talvez, mitigar o que está acontecendo, a crise em que estamos; torna impossível qualquer tentativa.

EPSTEIN: É. Há 1% de muito ricos nos EUA que abarcam praticamente todos os ganhos do crescimento econômico há, pelo menos, 30 anos; abarcaram, acumularam praticamente toda a riqueza que o país produziu e, pela mesma via, abarcaram e acumularam enorme poder político. O que Marx disse é que, quando se tem um sistema comandado por pequeno grupo de capitalistas que empobrece cada vez mais toda a economia, a economia está madura para uma revolução. Infelizmente, o que estamos vendo nos EUA é que essa direita está tirando vantagem do quadro em que vivemos, em boa parte financiada pelos irmãos Koch e outros fabulosamente ricos e apoiada por parte significativa da imprensa. Assim sendo, em vez de os trabalhadores e as classes médias organizarem-se sob programa progressista ou de esquerda, como Marx escreveu que aconteceria, para derrubar o sistema existente, o que estamos vendo é a direita cada vez mais mobilizada e organizada. 

Mas Roubini também disse que o socialismo não seria alternativa viável, porque já teria sido testado e não teria funcionado. Isso não é bem assim. Nunca conhecemos socialismo amplo em países ricos como os EUA. E, como Eric Hobsbawm escreveu repetidas vezes, foi a ameaça do socialismo e a ameaça do comunismo considerados como alternativa possível e viável ao sistema capitalista que forçou o capitalismo a reformar-se, quando se reformou e assumiu característica de capitalismo com redistribuição de renda e riquezas.

JAY: Em outras palavras, o New Deal. Você está falando do New Deal e de programas europeus semelhantes.

EPSTEIN: Mas não só durante o New Deal. Vários programas e políticas sociais foram resultado da Guerra Fria e da existência – vista como ameaça – da União Soviética. Hoje... Vivemos provavelmente o primeiro momento, na história do capitalismo, em que, nos grandes países capitalistas, não há qualquer tipo de ameaça real, pela esquerda, contra o capitalismo – embora, claro, partidos de esquerda tenham alcançado poder político considerável em vários países da América Latina e noutros pontos. 

Seja como for, entendo que o principal desafio à nossa frente é o que fazer para mobilizar a classe média e os trabalhadores, a partir de um fundamento progressista, para que realmente se oponham e desafiem o sistema em que vivem – necessariamente oprimidos e sacrificados –, como Marx pensava que aconteceria (mas não está acontecendo). 

JAY: Permita-me perguntar diretamente: o quanto, em que medida, o momento em que vivemos lhe parece perigoso? Se se lê o que Roubini escreveu, é como se estivéssemos à beira de outro precipício equivalente aos anos 1930s.

EPSTEIN: O momento parece-me extraordinariamente perigoso, porque acho que vivemos um momento no qual as forças da ‘austeridade’ estão no pleno comando. Nos anos 1930s foi o que aconteceu, exatamente: as forças da “austeridade” assumiram o pleno comando na Europa; e, em 1937, assumiram o pleno comando também nos EUA. Nessa situação, com o déficit pendente sobre a cabeça de todos, mercados financeiros, públicos e privados, não há ‘gás’ para que se possa esperar qualquer tipo de pressão expansionista, pró crescimento, na economia global. Essa é a situação que, sim, obriga a temer a desintegração política, além da desintegração econômica. O perigo, me parece, é muito real. 

E a menos que alguns líderes, ou se forem empurrados de baixo para cima, como sugeri, a assumir posição a favor da expansão da economia, da redistribuição de renda e riqueza, do combate à miséria, tirando dos mais ricos para dar aos médios e mais pobres... Só restará ao mundo esperar profunda estagnação econômica ou crise econômica extremamente séria.

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