A crise econômica nos EUA e na Europa foi provocada pela "revolução" que China e Índia imprimiram ao capitalismo, provocando uma mudança na estrutura do poder econômico "sem paralelo na história", afirma o sociólogo Francisco de Oliveira, professor emérito da USP. "É a primeira crise que nasceu na periferia."
Segundo ele, não há muito o que o governo brasileiro possa fazer para conter seus efeitos perigosos, como a valorização da moeda nacional. "É como colocar água em cesto", afirma o acadêmico marxista que foi um dos fundadores do PT, do qual se afastou no início do governo Lula.
FOLHA - Como o sr. analisa o estágio atual da crise econômica nos EUA e na Europa?
FRANCISCO DE OLIVEIRA - Esta crise é a primeira que não nasceu no centro, nasceu na periferia. Daí a dificuldade de tratá-la. Ela nasceu da revolução que a China e a Índia imprimiram ao capitalismo. Esses países colocaram no mercado uma força de trabalho que o Ocidente em toda a sua história não conseguiu botar. É uma revolução extraordinária. Como no filme "Melancolia" [de Lars von Trier], é como se viesse outro planeta e explodisse a Terra.
Essa mão de obra começou a competir com a do centro?
Compete, e tente você produzir tecidos no Brasil. Não consegue.
Muitos economistas dizem que a bolha de crédito que explodiu em 2008 veio da estagnação da renda dos trabalhadores. O crédito foi para que continuassem a consumir.
O crédito dado por quem? Pela China. A China empurra trilhões na economia americana. O Fed (banco central) tem que emprestar aquilo. Passa para o sistema bancário americano, o sistema bancário foi reduzindo as taxas de juros, e sucateando o crédito. Como a renda de fato não cresce, na verdade caiu na última década, você tem um problema clássico de realização de valor [quando o baixo consumo reduz o lucro obtido com a produção]. Estão jogando dinheiro nos EUA porque do contrário liquida tudo, mas a origem da crise é asiática, não é americana
.
Então não tem solução para ela?
Não tem, mas vão continuar jogando dinheiro, apagando fogo com gasolina.
Há um debate sobre se a crise assinala a decadência dos EUA como centro capitalista. Qual a sua opinião?
Não assinala a decadência como centro, mas é uma enorme novidade histórica. A China não tem nenhum interesse em torrar os EUA. Eles têm o dinheirinho deles lá. Quem são os maiores aplicadores em bônus do Tesouro americano? Primeiro a China, com um volume extraordinário [US$ 2 trilhões], depois a Índia e depois o Brasil.
Os chineses não têm interesse em entrar em uma guerra comercial ou financeira com os EUA. Se os EUA entrarem em colapso, vai todo mundo. A solução financeira é para não deixar quebrar, mas a raiz dela é uma mudança na estrutura do poder econômico mundial que é sem paralelo na história.
Essa mudança ainda não tem correspondente em outras formas de poder?
Nem no poder político nem no militar. A China é um anão militar, embora esteja acelerando. E também não tem poder político. A época do expansionismo chinês, que deu origem ao PC do B no Brasil, por exemplo, acabou.
Mas a China acabou com os antigos paradigmas, não?
Eles contribuem para quebrar paradigmas, mas não têm um novo modelo. Vai haver, mas o desenho ainda está se formatando. Os chineses têm um relevo extraordinário aí, mas ninguém sabe o que é.
E como o Brasil fica nessa situação?
Não vai acontecer nada demais. Vão ser períodos mornos, dependendo desse arranjo que está se formatando.
O sr. não prevê um bang, uma explosão?
Não, se tiver é uma surpresa extraordinária. É uma coisa que vai ter surtos de crescimento, depois retrai, modera. O dramático é que o governo brasileiro fica quase sem ter o que fazer.
As últimas medidas contra a valorização do câmbio são um placebo?
Placebo. Apesar do esforço da Dilma, não tem o que fazer na economia. Qualquer esforço aí é jogar água em cesto.
Não tem meios de frear essa enxurrada de dólares?
Não. O Brasil fica se vangloriando de ter US$ 300 bilhões em reservas. Isso é uma bobagem. Num dia os EUA derretem isso. É briga de cachorro grande. Nós já passamos do nível de basset, agora somos um perdigueiro, por aí. Não chegamos a doberman não.
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