Causa secular, sem fronteira e sem dono, não pode ser privatizada pelas cartas marcadas da má fé
"Não é incomum um desembargador corrupto usar o juiz de primeira instância como escudo para suas ações. Ele telefona para o juiz e lhe pede uma liminar, um habeas corpus ou uma sentença. Os juízes que se sujeitam a isso são candidatos naturais a futuras promoções. Os que se negam a fazer esse tipo de coisa, os corretos, ficam onde estão”.
Ministra Elaine Calmon, 66 anos, corregedora do Conselho Nacional de Justiça.
Manifestação na Cinelândia dia 7 teve menos de 50 gatos pingados
“Depois de estudar 23 países, Raymond Baker, diretor de um think tank de Washington, elevou (as perdas com as fraudes) a US$ 2 trilhões, e conclui que 3% do total podem ser atribuídos à corrupção política, um terço ao crime organizado e entre 60% e 65% a manobras ilícitas de pessoas físicas e grandes empresas. Traduzindo: os ricos evadem o dobro do dinheiro que os políticos e o crime organizado juntos”.
Marcos Oliveira e Sérgio Souto, colunistas do MONITOR MERCANTIL
Sejamos razoáveis: não há maior blindagem da corrupção do que tentar privatizar os movimentos possivelmente espontâneos, apropriados por algumas pessoas que saíram de lugar nenhum como se tivessem caído do céu como vestais da Pátria.
Digo isso para início de conversa com o intuito de alertar os noviços de uma causa que atravessa séculos e fronteiras e que, se calarmos, pode tomar as cores do pior ensaio golpista, quando se dá à indignação natural as cores de uma roupagem suspeita.
Uma certa empresária – que nunca vi mais gorda em outras canchas e em outras procelas – se outorgou a propriedade particular da próxima manifestação no Rio de Janeiro, impondo suas regras que cheiram à encomenda de quem quer tudo, menos o combate honesto a essa doença típica de uma sociedade em que vale mais quem tem mais, razão porque a pressa de alguns de pularem ao topo.
Doença que não existiria se seus grandes beneficiários não fossem poderosos empresários – banqueiros, empreiteiros, concessionários, prestadores de serviço ao Estado, sonegadores e especuladores que manipulam as políticas econômicas do país sem nenhum escrúpulo, multiplicando fortunas longe dos refletores.
Dizendo-se à frente de cinco amigos, a dita empresária (não declina o ramo), usando como sempre o mesmo jornal que se acha dono da opinião pública, se arvorou do poder pessoal de selecionar quem pode e quem não pode estar presente no próximo evento (o do dia 7, na Cinelândia, tinha 50 gatos pingados), perfilando o estereótipo das mesmas madames que saíram às ruas em 1964, naquelas tenebrosas e direcionadas “marchas da família com Deus pela liberdade”.
E não fez por menos: “Somos um grupo de cinco amigos por trás do movimento Todos Juntos Pela Corrupção, criado em agosto deste ano. No evento, só daremos voz à sociedade. Não vamos abrir espaço para os políticos”.
Essa madame não deve ser a única invenção do sistema com a tarefa de distorcer um sentimento justo para colocá-lo a serviço de outras tramas, como demonizar os homens públicos como um todo, juntando-os no mesmo balaio, visando assim solapar a confiança na sociedade democrática e abrindo caminho para a meia dúzia de três ou quatro nostálgicos de regimes impostos aos cidadãos pela força do complexo empresarial-militar - que não perde as esperanças de resgatar a ditadura mil vezes mais corrupta do que o mais corrupto dos governos expostos ao olhar livre dos cidadãos.
Porque do jeito que tais pessoas tentam conduzir a indignação popular, não se vê outro caminho em suas cabeças idiotas e/ou mal-intencionadas senão o da estigmatização de todos os políticos, sem exceção, com a supressão pura e simples dos vetores representativos e o exercício de poderes plenipotenciários por alguém que saia de algum asteróide “apolítico”, como aconteceu em passado recente, quando a corrupção hipertrofiada ganhou a blindagem do silêncio compulsório, da censura, do açoite, da conivência pragmática, do arbítrio, das câmaras de tortura e da impunidade imanente.
Ninguém está aqui para poupar corruptos – essa parece ser preocupação mais detectável em escribas de aluguel e em magistrados de altas cortes, como no deprimente episódio em que um juiz decente e um delegado íntegro foram massacrados por um presidente do STF, por pegaram um peixe grande com a mão na massa, ou ainda no casa da grande empreiteira que ganhou a blindagem do presidente do STJ, sob a alegação de que a investigação que descobriu um monte de podres começou a partir de uma denúncia anônima.
As pessoas precisam saber que até para ser oportunista é preciso ter talento e o mínimo de competência. E precisam aprender também a usar a própria cabeça no juízo dos acontecimentos. Ir simplesmente na onda dos outros é a mais afiada faca de dois gumes. Ou melhor, é cultivar o tiro no próprio pé.
Nesse ambiente casual de falso combate à corrupção acontecem barbaridades a granel, desenhando o folclore da inconsistência mais pueril. Tenta-se fazer crer que o crime é exclusivo de Brasília, de gambiarras mais reluzentes. E de um poder legislativo que já perdeu o recato, mas onde sobrevivem bravamente homens de bem como Pedro Simón e Cristóvão Buarque, para citar apenas dois ícones que são alentos aos que ainda teimam em apostar na mudança de hábitos, sem abrir mão do patrimônio constitucional, conquistado a cu sta de muito sangue, suor e lágrima.
Usa-se essa bandeira com escopo exclusivamente partidário, na falta de outro discurso para alvejar quem vive o falso dilema da governabilidade a qualquer preço, embora tenha o apoio reiterado da cidadania. Poucos sabem das peripécias do governo de São Paulo, Estado que concentra metade do PIB brasileiro, em cuja assembléia legislativa, uma maioria engendrada segundo as piores receitas fisiológicas impede a formação de qualquer CPI ao longo do mandarinato tucano.
Poucos sabem igualmente do furor neoprivatizante que move o governo do Paraná, leva o da Bahia a privatizar todos os cartórios e o do Estado do Rio a seguir os passos paulistas na terceirização dos serviços públicos fundamentais, como educação e saúde, através de improvisadas “organizações sociais”.
O combate honesto à corrupção é muito mais do que a busca de alguns minutos de fama, da tentativa de assenhorear-se da patente com o calço de uma mídia hipócrita e da prestação de serviço aos interessados na farsa seletiva de alguns bodes expiatórios, enquanto a ossatura criminosa permanece intacta, lépida e fagueira.
Para ser consistente, deverá fluir sem donos, sem censores, sem manipuladores, sem oportunistas de última hora, sem direcionamentos capciosos, sem espetacularização ridícula, contando com a participação de quantos efetivamente possam somar, de preferência com biografias conhecidas e inatacáveis, à prova de motivações velhacas.
Enfim, quem quiser entender a natureza da corrupção num sistema em que o Estado terceiriza serviços e é o maior comprador, decide sobre modelo econômico, enquanto o complexo estatal tem as maiores verbas publicitárias, sugiro ler minha coluna do dia 28 de maio passado, na qual exponho as várias faces da corrupção que tanto mal faz ao povo e à nação.
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