UM RIO SUBTERRÂNEO
Nos anos 90 o setor financeiro detinha 10% do lucro norte-americano; hoje essa fatia é da ordem de 40%. Num mundo cujo PIB oscila em torno de US$ 60 trilhões, os ativos financeiros somam US$ 600 trilhões. Quanto rendem em recursos fiscais? A julgar pelo exemplo brasileiro, pouco. Cruzamentos de dados da Receita Federal demonstraram que dos 100 maiores contribuintes da extinta CPMF, 62 nunca tinham recolhido imposto. O roubo recente de 170 cofres particulares no banco Itáu em São Paulo, reafirma o calibre da sonegação. Apenas 3 donos dos mini-caixas 2 compareceram para registrar o tradicional B.O. Muitos contrataran detetives particulares na tentativa de reaver a fortuna sem ter que dar explicações à Receita. Sob sigilo do nome, um dos afanados revelou à Folha que guardava apenas algumas pedras de diamante no cofre: tres milhões de reais. Há, portanto, um rio subterrâneo de fastígio plutocrático que transita por debaixo da crise. Quem se dispõe a trazer um pedaço dele à superfície na forma de receitas fiscais indispensáveis à superação dos desafios, incertezas e carências desse momento?
(Carta Maior; Domingo,18/09/ 2011)
Onde está o dinheiro?
A pergunta que a imprensa conservadora aprisiona e dissimula num labirinto atordoante de impasses sem fim emerge de forma quase selvagem no noticiário dos últimos dias. À revelia da camuflagem de classe, o aguçamento da crise injeta progressiva nitidez a certas arguições da história: quem vai prover o saneamento das finanças públicas endividadas no ciclo de liquidez neoliberal e, em muitos países, falidas posteriormente no socorro aos mercados?
De onde sairá o dinheiro necessário para retomar investimentos, sobretudo em infraestrutura ambiental, na reciclagem do urbanismo do petróleo para o urbanismo verde, ademais de adequar, expandir e qualificar os serviços públicos nessa direção; construir pontes entre a era do petróleo e a era da energia sustentável; educar adolescentes para o discernimento social e a liberdade em comunhão coletiva; vencer a fome; reciclar profissionais maduros, implantar enfim os programas que vão resgatar o emprego, a renda e o futuro da vida em sociedade?
Essa revolução demandada pelo século XXI virá do arrocho fiscal ou de uma maior justiça social, a começar pela justiça tributária? Convergirá dos cortes de gastos com desemprego crescente e o sucateamento da esfera pública, como no modelo prescrito à Grécia? Ou terá o resgate do interesse público como eixo regenerador da economia, da democracia e da sociedade? Se a resposta parece clara para a esquerda, ou ao menos para uma parte dela (LEIA o especial deste fim de semana de Carta Maior sobre a crise) sua implementação carece de coerência e mobilização.
Colonizada pelo neoliberalismo, a tergiversação da socialdemocracia, por exemplo, ameaça desmoralizar instrumentos que podem fazer a diferença entre a redenção ou a catástrofe econômica e e social. Nas mãos esquivas do conservadorismo, assumido ou dissimulado, a tributação simbólica sobre a riqueza serve apenas de lubrificante para dobrar a aposta e tratar a crise com as suas próprias causas. Vem da Espanha de Zapatero um exemplo desconcertante de como incorporar uma bandeira para inverter o seu sentido, demoralizando-a. "Uma semana de confusão e eternas discussões nas fileiras socialistas mostrou como é difícil para a classe política espanhola desembarcar de trinta anos de aplicação de políticas neoliberais", explica o correspondente de Carta Maior em Madrid, Oscar Guisoni.
Em seu artigo deste fim de semana (leia ‘O sonhado imposto espanhol sobre as grandes fortunas: muito barulho por nada') Guisoni mostra como o PSOE fez da tributação dos ricos uma renúncia disfarçada de audácia.
Resguardado num estágio bem anterior a esse, o conservadorismo brasileiro afia as unhas, porém, para não deixar dúvida quanto a sua opinião sobre as alternativas postas pela crise. Hoje ele se concentra em reprovar o corte dos juros e vetar a taxa de 0,1% sobre lucros financeiros que poderia viabilizar um substituto mais justo à CPMF. Mas já tem um plano B, que consiste em desautorizar o Estado como se a corrupção fosse um rio de margem única (leia entrevista de Jorge Hage a André Barrocal nesta página.)
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