Laerte Braga
Em 22 de setembro de 1980 o governo de Saddam Hussein, no fim do governo de Jimmy Carter, declarou guerra ao Irã. O pretexto era a disputa da região de Shatt al Arab, uma área de acesso ao Golfo Pérsico e localizada na fronteira entre os dois países. Uma história que vinha desde os tempos do Império Otamano. Saddam, incensado pelos EUA, arranjou um outro pretexto – a região do Khuzestan. Parte do Iraque atual e tomada pelo Irã também no império Otamano.
As reais razões do conflito estavam no interesse norte-americano e de potências ocidentais de destruir a Revolução Islâmica que destronou o Xá, proclamou a República e iniciou um processo político diverso daquele vigente na maioria dos países árabes – ditaduras.
Saddam tinha um exército considerado dos maiores do mundo, dispondo de melhores equipamentos, contra um Irã em reorganização, as forças armadas dispersas e sem condições de um conflito como aquele.
Oito anos depois foi assinada uma trégua – oficialmente o final da guerra não foi declarado – e o Iraque estava devastado. O fantástico exército de Saddam tinha sido reduzido de forma expressiva e o governo do ditador acumulava uma dívida de 77 bilhões de dólares (27 bilhões para os EUA e potências ocidentais e 50 bilhões para países do Golfo Pérsico, aliados de Saddam).
E um milhão e meio de mortos.
Em agosto de 1990 Saddam Hussein, com apoio velado da embaixada dos EUA em Bagdá, ocupou o Kwait. Um pedaço do Iraque arrancado pelos britânicos em função de interesses nos negócios do petróleo. Foi o preço cobrado pelo ditador iraquiano pelas perdas no conflito com o Irã.
Ao contrário do que supunha Saddam, o presidente dos Estados Unidos, George Bush – o pai – reagiu pressionado pelas companhias petrolíferas ocidentais (a própria família de Bush tem “negócios” no setor) e uma operação militar envolvendo EUA, Grã Bretanha, França e aliados árabes – Marrocos, Arábia Saudita e outros – foi desencadeada para libertar o Kwait. Ganhou o nome de “Tempestade no Deserto”. Os norte-americanos adoram esses títulos pomposos. Influência de Hollywood. Vira filme depois com um Rambo qualquer salvando soldados perdidos.
Foi um dos grandes massacres da História. Cem mil soldados iraquianos mortos, um sem número de civis e mil baixas entre as forças da “coalização aliada”. Colin Powell, comandante militar dos EUA foi quem dissuadiu Bush de invadir e ocupar o Iraque achando que seria suficiente ao seu país libertar o Kwait e destruir a infraestrutura militar e industrial do Iraque. Houve apoio importante em bombardeios aéreos de Israel.
Foi na guerra contra o Irã e no afã de destruir a Revolução Islâmica, que os EUA forneceram armas químicas e biológicas ao Iraque. Os efeitos se fazem sentir até hoje, inclusive entre os chamados “veteranos de guerra”. Existem, nos EUA, várias associações desses militares da reserva pleiteando indenizações do governo de seu país contra o risco a que foram expostos e as conseqüências da utilização de tais armas.
A decisão de George Walker Bush – o filho – de atacar o Iraque em 2003 a pretexto de eliminar o governo de Saddam por supostos vínculos – não existiam – com a Al Qaeda tinha dois motivos. A disputa interna entre os falcões norte-americanos que desde a operação “Tempestade no Deserto” desejavam a queda de Saddam e a resistência de outro grupo que entendia que bastava isolá-lo e àquela época libertar o Kwait.
O segundo motivo era pessoal. George Bush, o filho, era considerado pela família como sendo um irresponsável, havia levado as empresas do grupo a um estado quase falimentar, todas as apostas da família Bush eram feitas no governador da Flórida Jeb Bush. E a mais de uma pessoa do grupo o presidente filho disse que iria fazer o que o pai não fizera. Derrubar o regime de Saddam Hussein. Israel também tinha interesses diretos em relação ao Iraque – o temor de um projeto nuclear – e naquele momento a ultradireita israelense havia assumido o poder no país.
Isso levou o general Colin Powell, primeiro secretário de Estado do filho, George Bush, a se afastar no segundo mandato. Powell não concordou com a guerra e mesmo tendo comandado a operação – nominalmente – preferiu afastar-se em seguida.
Saddam foi deposto, preso, julgado de forma sumária, sem qualquer transparência e executado. Surpreendeu o mundo com seu comportamento corajoso e determinado diante do patíbulo – foi enforcado. Sua família foi perseguida, seus filhos assassinados sem que nenhum processo formal – como determina a lei internacional – acontecesse.
O roteiro na Líbia tem nuances diferentes, mas só nuances. Os objetivos são os mesmos. O controle do petróleo pelas empresas e potências ocidentais, o fim de um governo não hostil – Gadaffi tinha boas relações com os países ocidentais, estreita inclusive com alguns – e uma rede proteção para Israel. O governo de Tel Aviv, montado num arsenal nuclear, tem como primado de sua política terrorista (que desperta reações cada vez maiores dentre o povo israelense) sua “segurança”. Isso implica em executar eventuais inimigos e adversários.
A execução de Gadaffi foi um ato de barbárie. Uma violência inominável e na semana anterior à sua morte, a secretária de Estado Hillary Clinton andou por países da África defendendo a morte de Gadaffi, vale dizer, o assassinato.
Para uma potência capaz de controlar o movimento de cada cidadão em cada canto do mundo, os norte-americanos já haviam localizado o esconderijo de Gadaffi, já estavam acertando os bombardeios da OTAN – braço terrorista europeu – e entregaram o líder líbio aos “rebeldes” para justiçamento.
Os vídeos mostrados pela mídia, européia principalmente, a do Brasil é inteiramente controlada pelos EUA e o que significam os Estados Unidos, exibem um espetáculo deprimente, bárbaro, cruel e sem justificativa.
Por que não interessa aos EUA que supostos inimigos da humanidade sejam julgados com transparência?
Já imaginaram Saddam, Gadaffi e outros falando sobre acordos feitos com governos norte-americanos, de potências da Comunidade Européia, revelando, por exemplo, propinas pagas a governantes italianos (Berlusconi era amigo íntimo de Gadaffi), britânicos, franceses, etc?
Quando Jean Bedel Bokassa foi morto, o imperador de um império que ele criou, descobriu-se que o presidente da França, havia sido brindado com diamantes. Era Valery Giscard D’Estaing. O escândalo ganhou proporções nacionais na França e o presidente acabou sendo obrigado a entregar os diamantes aos cofres públicos e não foi reeleito. Perdeu para François Mitterand. Entre outras “virtudes”, além de escravizar seu povo, Bokassa era canibal e gostava da carne de jovens.
Essa prática de aliar-se a tiranos é corriqueira nos EUA. Na América Latina patrocinaram, comandaram e dirigiram golpes militares, como no Brasil em 1964, contra Allende no Chile e outros. Ou agora, recentemente, contra Manoel Zelaya, em Honduras, permitindo a atual ditadura travestida de democracia sob a batuta de um títere Pepe Lobo.
Como financiam grupos mercenários e tribais em países africanos causando mortes, doenças, jogando o continente num estado de depauperação sem qualquer preocupação com o pretexto, democracia e ajuda humanitária.
A história dos EUA é uma história suja de sangue desde a conquista de territórios como o Texas, a Califórnia (roubados ao México, hoje colônia norte-americana, espécie de depósito de lixo).
E nunca foi diferente.
O problema dos negros norte-americanos, cujos direitos plenos foram conquistados na década de 60 e a custa de muito sangue, teve “soluções” como a criação da Libéria na África. O nome da capital é Monróvia e o país se prestava a servir de um abrigo para ex-escravos e negros libertos, livrando os EUA do problema.
Monróvia é uma “homenagem” a James Monroe o presidente dos EUA que disse a célebre frase “a América para os americanos”... Brancos, para os negros a Libéria.
A execução de Gadaffi, membros de sua família foi um espetáculo de selvageria em pleno século XXI onde se presume o ser humano tenha atingido estágios mínimos além da boçalidade de tempos passados.
Os EUA permanecem selvagens e o próprio povo norte-americano já percebe que não tem o menor significado ou sentido para os controladores do complexo terrorista em que se transformou.
Esse tipo de justiçamento é prática corriqueira para os norte-americanos. Faz parte da cultura do rifle, dos linchamentos. Lideranças negras foram assassinadas na segunda metade do século passado – Martin Luther King, Malcoln – X e outros). Inocentes condenados em prisões chamadas de “penitenciárias da morte” e no período macartista inúmeros opositores das políticas bárbaras dos governos dos EUA foram levados aos tribunais, presos na paranóia anticomunista comandada pelo senador Joe MaCarthy, que anos mais tarde se revelou de público, era notório corrupto financiado por banqueiros, grandes corporações empresariais e militares.
Foi assim na guerra da antiga Iugoslávia tem sido assim historicamente.
A de Gadaffi e parte de sua família é também uma advertência ao mundo. Ou aceitam as regras de Washington, ou os aviões do terror destroem tudo o que encontram pela frente na obsessão de controlar a tudo e todos.
E assim como o ditador chileno Augusto Pinochet foi preso pelo Judiciário britânico, os presidentes dos EUA deveriam ser, seja ele Clinton, Bush pai, Bush filho ou Obama. Todos por crimes contra a humanidade.
O campo de concentração de Guantánamo e o chamado Ato Patriótico assinado por Bush filho permitindo a tortura e prisões sem mandados, assassinatos como tem acontecido com frequência, essas realidades, por si só, consequência do terror explícito oriundo de Washington e Wall Street são suficientes para que se perceba que tanto os gregos, como qualquer outro povo do mundo, não são mais que adereços no processo político e econômico chamado de capitalismo.
A selvageria com requintes de tecnologia de ponta. E templos espalhados pelo mundo em longas filas às portas da lojas, magazines, etc, para reverenciar o novo deus do mercado, Steve Jobs.
É a sociedade do espetáculo. O século da recolonização e do terror.
Pesquisado do Diário Liberdade
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