Com a queda de Mario Sabino, o jornalismo brasileiro respira melhores ares; em Veja, ele foi o grande responsável pela degradação editorial de uma revista que, sim, já foi admirada por grande parte dos profissionais de imprensa no Brasil
Um mês atrás, estive em Recife, participando de um debate com dois grandes jornalistas brasileiros: Fernando Morais, que já vendeu mais de 5 milhões de livros, com seus romances e biografias, e Raimundo Rodrigues Pereira, ex-editor da Realidade e criador do Movimento, durante a ditadura militar. Ambos já escreveram em Veja, mas se viram forçados a se explicar à plateia, dizendo que trabalharam "naquela Veja", não "nesta Veja". Em Brasília, um de meus bons amigos é o jornalista Hélio Doyle, professor renomado da UnB, colunista deste Brasil 247 e também ex-editor de Veja. Doyle, com frequência, é cobrado pelos alunos sobre essa grave mancha em seu currículo - e ele, com frequência, dá explicações semelhantes às de Fernando Morais e Raimundo Pereira. Doyle trabalhou "naquela Veja", não "nesta Veja". Um tanto mais jovem do que os três colegas aqui citados, eu também trabalhei em Veja, no início da minha carreira jornalística, em 1994. Infelizmente, numa revista que já deixava de ser "aquela" para se transformar "nesta" Veja. Onde os editores babavam, como chacais, diante da primeira alternativa de destruir uma reputação. Vivi, por exemplo, o caso do embaixador Rubens Ricupero e de suas inconfidências parabólicas. Nada contra cobrir o caso em si - o modo de cobertura é que já revelava a transformação daquela revista nesta revista. E, quando saí, fui aconselhado pelo ex-chefe a ser mais "filho da puta" - nesses termos. Caso contrário, não teria futuro algum na publicação.
Felizmente, naquele breve período, não tive o desprazer de conhecer Mario Sabino. Ele era ainda um personagem secundário, mas que, rapidamente, absorvia a cultura que, com ele, atingiu seu zênite. Anos depois, quando trabalhei na Editora Três, soube que Sabino foi demitido do cargo de editor de cultura da Istoé por um comentário, numa reportagem sobre o escritor Paulo Coelho, que já revelava parte de seu caráter. Algo jocoso, na linha do "cada país tem o escritor que merece". Domingo Alzugaray, dono da editora Três, sempre foi um gentleman. Um dos barões mais cordatos da imprensa brasileira. Que seria capaz de admitir uma crítica profissional a um autor, mas não ao público, de maneira geral e indiscriminada.
Por que Sabino teria agido desta maneira em relação a Paulo Coelho? Talvez devido ao fato de ser um escritor frustrado. Seus livros só fizeram sucesso, realmente, nas páginas de Veja. O primeiro deles, "O dia em que matei meu pai", recebeu críticas mandatórias elogiosas na publicação, misturando interesses públicos e privados, e de forma questionável foi incluído na lista de mais vendidos de Veja. Poucas pessoas se deram ao trabalho de ler, mas quem viu enxergou, na obra, os primeiros sinais de conflitos psicológicos internos do autor, que foram levados ao comando editorial da maior revista semanal brasileira. O segundo, chamado "O vício do amor" e lançado nesta semana no programa do Jô Soares, é também sério candidato ao anonimato literário, apesar do esforço de divulgação.
Em Veja, Sabino deu provas reiteradas de seu caráter. Anos atrás, quando IstoÉ publicou uma capa sobre um erro da revista da Editora Abril, que destruiu a carreira de Ibsen Pinheiro colocando três zeros a mais num extrato bancário, Veja respondeu na semana seguinte. Numa matéria sobre a concorrente, Sabino classificou em vários trechos o jornalista Hélio Campos Mello, ex-diretor de redação da IstoÉ e atual dono da Brasileiros, como um reles "fotógrafo" - na lógica de Sabino, fotógrafos são seres inferiores a escritores frustrados. E seu estilo de ataque lembra o de pessoas que, quando enfrentam adversários, molham a pontinha do dedo com saliva e dizem: "Eu te afogo".
A chegada de Fabio Barbosa
O caso Hélio Campos Mello foi apenas um dos inúmeros exemplos daquilo que Luis Nassif classificou como "assassinatos de reputação em série", praticados por Mario Sabino. Assassinatos que se tornaram mais notórios na esfera política, mas que também atingiram os meios cultural, artístico e até jornalístico. Sabino tinha um chefe, Eurípedes Alcântara, que continua em Veja, mas era dele a mão pesada e irresponsável da publicação. Eurípedes, ao contrário, é suave e educado.
Neste ano, quando a Editora Abril anunciou a contratação de Fábio Barbosa, ex-presidente do Santander, para o comando do grupo, com poderes inclusive sobre a área editorial, ficou claro e cristalino que os dias de Mario Sabino estariam contados em Veja.
Barbosa tem nome, currículo e reputação. Não jogaria tudo na lata de lixo para preservar um nome que não é querido na própria casa - sim, a redação de Veja, nesta sexta-feira, amanheceu em festa. E, aqui no 247, passamos a escrever o óbvio, desde o dia em que Fábio Barbosa foi anunciado. Mario Sabino estava prestes a cair.
Alguns diziam que estávamos torcendo ou tentando organizar a sucessão em Veja. Na verdade, estávamos apenas interpretando uma realidade cristalina. Sabino teve ainda a má sorte de se arriscar ainda mais, na semana em que foi anunciada a chegada de Fábio Barbosa. Com o chefe Eurípedes Alcântara em férias, ele organizou a reportagem sobre José Dirceu que terminou numa delegacia de polícia devido ao fato de um repórter ter tentado invadir um quarto de hotel em Brasília.
O ex-presidente do Santander não toleraria condutas desse naipe, como também misturas entre interesses públicos e privados numa publicação tão relevante como é a revista Veja. Exemplo: Felipe Patury, hoje colunista de Época, deixou a publicação da Abril porque não teve liberdade para escrever sobre o faustoso casamento do criminalista Roberto Podval em Capri, onde um dos convidados foi Sabino. Semanas depois, Podval, que já defendeu Sabino em processos judiciais, foi brindado com uma entevista de páginas amarelas, que lançava seu nome para a disputa da OAB - a chapa, jocosamente, já é chamada pelos adversários de "Pepino di Capri".
Nesta sexta-feira, o jornalismo brasileiro amanheceu melhor. Respira, novamente, bons ares. Todos que já trabalharam em Veja torcem para que um dia possam voltar a ler "aquela" Veja - e não "esta" Veja.
Comenta-se que Mario Sabino irá trabalhar na Companhia de Notícias, uma assessoria de imprensa do bom jornalista e bom amigo João Rodarte. Se é verdade, a CDN saiu perdendo. Essa atividade exige, sobretudo, bom relacionamento entre os pares.
E não há um profissional brasileiro que tenha construído tantos inimigos em tão pouco tempo como Mario Sabino. Amigos, talvez ele tenha dois: Diogo Mainardi e Reinaldo Azevedo.
Bom, paremos por aqui, porque o Brasil amanheceu nesta sexta com um sol radiante.
Leonardo Attuch
~ o ~
Tal qual os ministros que se aferram aos cargos, redator chefe Mario Sabino tentou usar a imprensa para ficar em Veja; mas diretor de redação Eurípedes Alcântara já redigira o elogioso golpe de misericórdia; Reinaldo Azevedo apareceu por último para ampliar o imbróglio; mais mudanças à vista
Reconhecidamente, a colunista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, é uma das melhores repórteres do País. Profissional cobiçada por todas as redações, autora de furos históricos que se misturam ao cotidiano de informações quentes, úteis e charmosas publicadas sob a sua chancela na segunda página da Folha Ilustrada – e tantas vezes em destaque na primeira página do jornal.
Hoje, em confiança a um colega de profissão (se bem que, para o Eurípedes Alcântara, Mario Sabino, aquela fonte, está determinado ‘a deixar a profissão’), a coluna da Mônica dá voz a uma mentira. Ou, ao menos, a uma tentativa de drible na verdade feita a partir de uma total desconsideração pelos melhores valores que existem entre fonte e jornalista. Que feio, Mario!
Cumprindo o papel de checar o que, àquela altura, circulava no universo da internet como um forte rumor, a partir de nota publicada no blog do jornalista Luís Nassif que obteve confirmação em Brasil 247 e aqui virou manchete, a coluna da Mônica fez o certo. Foi ouvir o pivô da notícia, o redator chefe de Veja Mario Sabino. E Mario Sabino fez o errado. Em lugar de contar a real, soltou uma conversa pelo lado do avesso. Garantiu que, ao contrário do que se dizia, ele permaneceria na revista. Firme e forte, todo pimpão, esnobando propostas milionárias que lhe aparecem “todos os anos”. É o que se conclui na leitura da nota ‘Convite’, da referida coluna, hoje. Em tempo: a nota diz que o destino negado por Sabino seria um posto de sócio na Companhia de Notícias, a CDN consolidada como a maior empresa de comunicação corporativa do País. Mas existe crédito para quem tenta ultrapassar a imprensa trabalhar com a imprensa? É o que se vai descobrir.
O que leva um sujeito como Sabino que trabalha, em tese, com a matéria-prima da verdade, a tirar do rumo certo uma coluna exemplar? Tem de ser muito folgado – e não ter o menor apreço pelo trabalho do outro. Do contrário, porque não simplesmente atender a reportagem e, uma vez incomodado em ser personagem da notícia, pedir para falar ‘in off’, avisar que não pode contar o que sabe, solicitar um tempo para deixar o quadro se aclarar? Tudo isso e mil outras alternativas são mais dignas do que falsear. Ainda mais para quem tem a responsabilidade de ser redator chefe da revista de maior circulação do País, quarta do mundo – era assim que se dizia no meu tempo em Veja –, em conversa séria com uma das principais colunas de informação dos jornais brasileiros. Nesse movimento, ele se assemelhou ao ministro do Trabalho, Carlos Lupi, que já sem condições de permanecer no cargo, se aferra à cadeira, buscando de maneira desesperada ficar. Um espetáculo lamentável.
Pode ter acontecido, no entanto, de Sabino ter realmente dito a verdade – considerar, ali por volta da hora do almoço de ontem, que realmente estava mantido no seu cargo em Veja. Se foi assim, quem mentiu, então, foi o diretor de redação da mesma publicação, Eurípedes Alcântara. Senão, vejamos a nota oficial que está no alto do sítio da revista na internet:
Nota do diretor à redaçãoMeus caros,antes que prevaleçam a maledicência e a desinformação, matérias-primas dos bucaneiros da internet, gostaria de esclarecer o que existe de factual sobre a decisão do Mario Sabino de deixar o jornalismo e, como consequência, seu cargo de redator chefe de VEJA. Havia um ano eu tentava dissuadir o Mario da determinação de deixar a profissão. Ele argumentava que o exercício do jornalismo já não lhe proporcionava a mesma satisfação. Embora eu apontasse que ele continuava a desempenhar suas atribuições com a responsabilidade, brilhantismo, ousadia e originalidade de sempre, Mario foi consolidando sua decisão de mudar de rumos profissionais.Na semana passada, finalmente, Mario Sabino me procurou para dizer que seguiria mesmo outro caminho.A decisão do Mario representa uma grande perda – para nós da redação de VEJA e para o jornalismo. Ele esteve ao meu lado durante quase oito anos, no cargo que ainda exercerá até o início do próximo ano, sempre como a melhor companhia que um diretor de redação pode ter na trincheira do jornalismo rigoroso e independente. Perco o convívio de um amigo, mas não a sua amizade. Fica conosco sua lição de profissionalismo intenso e de apego exacerbado à busca da verdade, para ele mais do que uma simples virtude, uma razão de vida. Sob essa ótica, farei e anunciarei nas próximas semanas as mudanças que a decisão do Mario acarreta.Eurípedes AlcântaraDiretor de Redação
Uau! Alguém nessa história está, como diz o Neto, “de brincadeira” – e com coisa séria. O atual diretor de redação de Veja é o mesmo profissional que, no dia em que o saudoso Tales Alvarenga morreu, correu do sepultamento para seu computador para escrever um editorial de rasgados elogios ao falecido. Em vida, no mesmo dia em que foi escolhido para o seu cargo atual, Eurípedes voou de sua nova sala para o gabinete do então presidente da Editora Abril, Roberto Civita, de par com o igualmente recém nomeado diretor de redação da revista Exame, Eduardo Oinegue, para dizer ao patrão que, sim, aceitava a missão de bom grado – mas, principalmente, para dizer que não poderia trabalhar com a fórmula criada pelo próprio Civita de deixar o Tales, que saia da Direção de Redação de Veja, como coordenador maior das duas estruturas editoriais da casa, Veja e Exame. Quer dizer: assim que foi empossado no novo cargo pelo antigo chefe, saltou escada acima para solapar a nomeação dele como, outra vez, seu novo chefe! Um golpe rápido e certeiro de dar inveja ao Barba Negra e ao Capitão Gancho. Talvez por isso, agora, em sua nota à redação, Eurípedes tenha falado em "bucaneiros". Mais tarde, repita-se, escreveu o editorial de elogios ao profissional que, de mãos dadas com Oinegue, apunhalou. O que está na nota de hoje, à luz desse passado de postura rasteira em momento de luta interna, é, portanto, suspeito. Os elogios ali empilhados a Mario Sabino são tão verdadeiros quanto aqueles escolhidos no editorial sobre o Tales? Ou a nota foi escrita para não dar tempo ao redator chefe de voltar atrás em suas deprimidas reflexões sobre “deixar a profissão”? Em lugar de esperar uma volta de quem não foi – assim foi dito por Sabino à Folha de hoje -, Euripa (ele é assim chamado, carinhosamente, por alguns em Veja) adiantou o serviço e consolidou “o que existe de factual sobre a decisão do Mario Sabino de deixar o jornalismo e, como consequência, seu cargo de redator chefe de VEJA”. Isso mais parece um pé nos costados, bem ao estilo, como já se viu, do Diretor de Redação.
Por estas e outras que certamente ainda irão aparecer, o que era para ser apenas e tão somente um movimento de faxina ética em Veja, dado o radicalismo à direita empreendido na gestão de Mario Sabino como redator chefe da revista, evoluiu para uma autêntica lambança. Acrescida pela entrada no imbróglio do notório Reinaldo Azevedo, que em seu blog, sob o guarda-chuva de Veja, faz um joguinho de ‘de’ e ‘da’ que ele próprio derruba, uma vez que, primeiro, faz disso uma diferença e, em seguida, uma igualdade. Ao que parece, Euripa tirou Sabino de Veja, mas Azevedo, sem poder, queria que ele ficasse. Para melhor juízo do leitor, eis o que o líder do nosso Tea Party postou na madrugada:
Mario Sabino vai sair DE VEJA, mas não DA VEJAÉ verdade: Mario Sabino vai sair de VEJA. Não pelos motivos que fariam a satisfação de certa canalha. Mario sai de VEJA, mas não da VEJA. Esse artigo definido que somo à preposição implica, como deixa claro um texto a seguir, que permanece uma cultura, de que Mario é fruto e promotor. Ao longo do dia, as legiões do ressentimento, do ódio, da vulgaridade e do obscurantismo ficaram enviando mensagens para este blog: “E aí, tá com medo?”. O que tenho escrito nestes últimos dias evidencia: tenho não exatamente medo, mas asco, é da irrelevância, da inveja e da estupidez em que essa gente navega.Abaixo, segue uma nota inequívoca, clara, e solar de Eurípedes Alcântara, Diretor de Redação da VEJA. Fala por si mesma. Os profissionais de VEJA e da VEJA lamentam a saída de Mario Sabino. Todos sabemos que, em seu novo caminho, atuará com o brilho, o rigor e a competência de sempre. Leia a nota de Eurípedes (publicada acima*).
Do que deu para entender, Sabino, agastado, pediu para sair, resolveu ficar, plantou notícia na imprensa neste sentido, Euripa fez que não viu, consolidou a demissão do muy amigo e Azevedo chorou a perda.
Marco Damiani
Do Brasil 247
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