Ignacio Ramonet
“Com o auditório lotado, a Universidade de Havana recebeu na última quarta-feira (7) o catedrático e jornalista espanhol radicado na França Ignacio Ramonet, conhecidíssimo em Cuba por seu livro “Cem horas com Fidel”.
Acompanhado por Alfredo Guevara, presidente do “Festival do Novo Cinema Latino-americano”, Ramonet conversou com estudantes durante duas horas que passaram voando e deixaram a sensação de que não era um encontro somente com as pessoas que estavam no auditório, mas com os que ocuparão as salas de aula depois e com os que tentam explicar a revolução tecnológica que define a chamada ‘era da informação’.
Por isso, não perderam a oportunidade de participar do diálogo. Armaram verdadeira guerrilha para transcrever toda a conferência e preparar versões em áudio e vídeo, imediatamente, para compartilhar com todos ideias inteligentes, expostas numa conversação apaixonante e lúcida.
Em tradução inédita em português, o “Vermelho” publica a íntegra da palestra de Ramonet:
“Para mim, é uma grande honra tomar a palavra no seio desta prestigiosa universidade e, em particular, neste momento para precisamente tratar de evocar os temas de meu último livro que se chama “A explosão do jornalismo”. Espero que possa ser editado e publicado aqui e que os estudantes, em particular os de Comunicação e Jornalismo, se estiverem interessados, possam lê-lo e quiçá essa leitura possa servir para sua carreira e sua própria atividade de comunicadores.
Como eu disse ao Decano da Universidade, eu gostaria de, em um quarto de hora ou vinte minutos, fazer pequena síntese do que trata este livro. Quiçá alguns de vocês, se se interessam por Comunicação e Jornalismo, já conheçam outros de meus trabalhos sobre a Comunicação, como ‘A tirania da Comunicação’, ‘Como nos vendem a moto’ ou ‘Propagandas silenciosas’... Este livro intitulado ‘A explosão do jornalismo’ tem um subtítulo: ‘Dos meios de massa à massa de meios’.
Estamos em momento em que o Jornalismo está explodindo, literalmente explodindo, essencialmente porque recebeu o impacto da internet. Todos vocês conhecem a riqueza do que a internet propõe.
A internet tem uma característica, que é a de permitir a cada um de nós hoje ter um meio de comunicação, graças a tecnologias muito elementares – não precisa ser um sábio tecnológico para utilizar a internet; tecnologias relativamente baratas; não precisa ser um milionário para equipar-se de um telefone inteligente, um iPad ou de um pequeno computador… Claro, em Cuba vocês não têm essas questões (risos).
Mas, há pouco eu estava precisamente em Madri fazendo uma conferência para estudantes, ou no Brasil, pronunciando uma conferência na Universidade de Brasília, e enquanto eu falava os estudantes, em vez de olhar para mim, olhavam para seus telefones, porque estavam todos enviando ‘tweets’, quer dizer, pequenas mensagens que resumiam o que eu estava dizendo em 140 caracteres.
Aqui o problema é que vocês têm, talvez, o mais perverso dos bloqueios. Não falo do bloqueio econômico, comercial, que já sabemos até que ponto causa estragos na economia de Cuba há 50 anos. Eu creio que, neste momento, para vossa geração, para a geração dos estudantes ou dos que têm menos de 30 anos, o bloqueio eletrônico, o bloqueio informático, é pior. Eu diria que aqui, até mesmo quando se tem internet, e nem todo mundo tem, ainda é uma internet pré-histórica.
A internet que eu utilizo, por exemplo, no hotel em que estou hospedado aqui, primeiro custa uma fortuna e, ademais, é pré-histórica, porque hoje em dia a internet de banda larga permite receber um filme imediatamente, pode-se ver um filme ao vivo, mas aqui para carregar um texto já se perde muito tempo, carregar uma fotografia demora muitíssimo e isso ocorre em razão desse bloqueio eletrônico, que eu espero que se possa suprimir graças ao cabo de conexão com a Venezuela e que vocês possam ter acesso a uma internet livre, porque não ter internet hoje é como se, em uma sociedade de outra época, não houvesse acesso à imprensa, por exemplo.
E o que a imprensa provocou como mudanças fundamentais em matéria do saber, do conhecimento, da ampliação da cultura, da multiplicação das universidades, da mudança nas elites culturais que o Renascimento provocou, tudo isso é o significado da internet. Que uma geração não possa dispor da internet hoje, é algo que pode ter consequências na maneira de adquirir cultura.
Evidentemente, há outras maneiras que continuam sendo úteis, mas esta é indispensável. Por isso, eu espero que se possa resolver, em particular, graças a este cabo que vai poder permitir, através da Venezuela e do satélite Simon Bolívar que a Venezuela possui, que vocês disponham, como todas as gerações de sua idade do mundo, de uma internet rápida de banda larga.
DINAMITE
A internet está dinamitando hoje o Jornalismo em escala internacional. Por que? Primeiro, porque a internet está permitindo que cada cidadão tenha acesso a uma informação sem absolutamente depender dos grandes meios centrais de antes e, por outro lado, o novo dispositivo tecnológico faz com que cada cidadão não seja unicamente receptor da informação, que foi a norma durante muito tempo desde que existem os meios de comunicação de massas.
Os meios de comunicação de massas não existem há muito tempo. Como vocês sabem, só existem a partir da segunda metade do século 19. As comunicações de massas têm 150 anos, mas com a internet isso está mudando porque antes havia um emissor da mensagem, que definitivamente dominava a comunicação a partir de um polo central, o que eu chamo no livro os “meios-sóis”, quer dizer, o meio era como um sol que é único em nossa galáxia e esse “meio-sol” iluminava, ou ilustrava, ou domesticava os cidadãos.
Diferentemente, hoje temos o que eu chamo no livro os “meios-polvo”, porque cada cidadão, ao dispor simplesmente de um telefone inteligente, ou de um pequeno computador ou de um iPad, já pode ele mesmo enviar mensagens, pode corrigir a informação que o meio central deu, pode completar a informação que se deu com imagem, texto, vídeo; ou seja, há uma ruptura dos papéis que até agora estavam definitivamente fixos: o emissor, por uma parte, e o receptor, por outra. O emissor que era ativo e o receptor que era passivo.
O receptor podia pensar o que fosse da mensagem que recebia, podia não estar de acordo, podia pensar que a mensagem continha erros ou não era suficientemente completa; mas não podia expressar essas opiniões a não ser em seu entorno.
Diferentemente, hoje não só pode expressar, mas ao mesmo tempo pode emitir informação e, por conseguinte, hoje temos o final do monopólio da informação que os grandes meios dominantes exerceram em nossas sociedades.
Hoje em dia, todo mundo produz ou pode produzir informação, no mundo desenvolvido, evidentemente. Não esqueçamos que há uma grande brecha informática, uma grande brecha eletrônica, não esqueçamos que quase a metade da população do mundo, 40%, vive com menos de 2 CUCs (peso conversível cubano) por dia e, por conseguinte, não tem acesso tampouco à eletrônica, não tem acesso sequer à eletricidade: há 1,5 bilhão de pessoas no mundo que não têm acesso à eletricidade.
O que estou dizendo não se aplica ao conjunto do mundo e digamos que nosso mundo continua sendo caracterizado pela pobreza, que é muito importante, embora esteja diminuindo. Nos últimos anos, se calcula que uns 150 milhões de habitantes tenham deixado de ser pobres, em particular na América Latina graças às políticas de desenvolvimento social implementadas em países como Brasil, Argentina, Venezuela, Equador. Estima-se que, nos últimos oito anos, apenas na América Latina, 80 milhões de pessoas tenham saído da pobreza, porque há progresso em particular no caso da América Latina.
BRECHA ELETRÔNICA
Mas há uma brecha eletrônica, por isso não convém generalizar, mas o que digo se aplica em particular aos países desenvolvidos ou a núcleos urbanos no conjunto do mundo, porque até nos países pobres, nas capitais ou nas grandes cidades, existem minorias privilegiadas ou com vida mais confortável que dispõem dessas tecnologias e, por conseguinte, hoje há essa ruptura do monopólio, o que faz com que cada cidadão tenha este caráter, o que eu chamo de “web actor”, um ator da rede. Quer dizer, pode entrar na rede e, ao entrar na rede, pode modificar, pode comunicar etc.
As redes sociais ampliaram o fenômeno. Até agora, se falava da internet com essa possibilidade de ter um blog, de escrever sua própria versão, editorializar etc; mas ultimamente apareceram o que chamamos de redes sociais, quer dizer, o ‘Facebook’. Não sei se algum de vocês tem seu próprio perfil no ‘Facebook’ e também no ‘Twitter’; desenvolveu-se dessa maneira a possibilidade de comunicar, de criar grupos que comunicam unicamente através dessas redes sociais.
De fato, por exemplo, hoje na França os jovens já não se comunicam com mensagens eletrônicas (SMS), mas através da caixa de mensagens do ‘Facebook’ e essa rede social está tendo cada vez mais a possibilidade de transformar-se em um universo de tipo ‘comunicacional total’.
Mas igualmente isso se vai muito rápido. Se tivéssemos falado aqui desses temas há quatro anos, não teríamos mencionado o ‘Twitter’, nem o ‘Facebook’, nem o ‘iPad’, nada disso existia há quatro anos. Isso quer dizer que estamos apenas na alvorada do que a internet pode significar como mudanças importantes. Se tivermos que falar daqui a quatro ou cinco anos, é possível que algo como o ‘Facebook’ já não tenha a importância de agora. Há três ou quatro anos, talvez tivéssemos falado de ‘Myspace’. E hoje em dia o ‘Myspace’ não interessa a ninguém, praticamente já não existe, quando era um fenômeno que preocupava enormemente há alguns anos.
OS ESCRAVOS DA REDE
Isto faz com que hoje, por exemplo, quando falamos da profissão de jornalista, nos encontramos diante de situação muito particular. Por uma parte, se degradou socialmente, quer dizer, nos países desenvolvidos, na medida em que cada pessoa pode hoje propor informação, isso faz com que a quantidade de jornalistas potenciais seja tão grande que, em definitivo, o estatuto do jornalista se banalizou e a maioria dos jornalistas passou a ter salários muito baixos.
Primeiro, muitos jornais estão fechando, centenas de jornais estão desaparecendo, está se produzindo o que eu chamo grande extinção da imprensa de papel, em particular, dezenas de milhares de jornalistas têm perdido seus empregos.
Nos Estados Unidos, nos últimos anos, 35 mil jornalistas perderam seus empregos e, apesar disso, as faculdades de Jornalismo e Comunicação na Europa ou Estados Unidos seguem formando a cada ano centenas de milhares de profissionais que, em geral, vão ser muito explorados.
Hoje em dia, há uma condição. São chamados, em particular, de “escravos da rede” porque os jornais e todos os meios existentes, seja da imprensa escrita, rádio ou televisão, têm agora uma versão on-line e necessitam evidentemente de pessoal para fazer essa versão. Portanto, recrutam pessoas, em particular os jovens que saem das universidades e estão superexplorados: trabalham enormemente e não são bem pagos.
Também há degradação da condição social do jornalista, na medida em que os grandes patrões da imprensa ou dos meios de comunicação põem em competição os verdadeiros profissionais com todo aquele ou aquela que oferece informação por um preço muito barato. Até o ponto em que surgiram o que se chama as “fazendas de conteúdo”, quer dizer, há agora uns “fazendeiros” que se dedicam a propor a todos os internautas de todo o mundo que falem espanhol, por exemplo, que escrevam sobre tal ou qual tema e efetivamente recebem milhares de ofertas porque o que mais abunda na terra agora é gente que fez estudos superiores. Nunca houve tantos estudantes como agora. Nunca houve tanta educação como agora e, de fato, nos países desenvolvidos, o maior número dos jovens de uma geração passa pela Universidade.
Isso significa que a maioria dessa geração sabe ler e escrever e pode propor textos no mercado da oferta e da demanda onde tem valor. Então, criam-se essas “fazendas”, nas quais esses novos “fazendeiros” têm opções de textos e esses são pendurados na Internet. Em geral, esses textos são sobre temas muito práticos como turismo, gastronomia, jardinagem ou temas da vida cotidiana. Esses textos são pendurados com publicidade e só se paga aos jornalistas que propuseram isso na medida em que os leitores que o leiam na tela de seus computadores vão clicar sobre a publicidade que está em torno do que esse ator da rede fez. Apenas se houver cliques na publicidade do lado, se paga aos jornalistas alguns centavos e a norma é que, por cada um desses artigos, se paga uma miséria.
Essa situação cria, de um lado, essa degradação. Mas também estamos diante de uma ocasião excepcional para a nova geração de jornalistas. Primeiro, nunca os jornalistas estiveram tão bem informados como agora, porque durante muito tempo os jornalistas se formaram de maneira selvagem, como autodidatas etc. Agora, os jornalistas, os comunicadores, se formam nas universidades. As últimas gerações dos últimos quinze ou vinte anos têm a melhor formação da história do jornalismo. Segundo, essas novas ferramentas tecnológicas permitem agora a um grupo de jovens jornalistas organizar-se com muito pouco material e, assim, se podem criar novos meios de comunicação, novos jornais etc.
Em muitos países, estão sendo criados muitos jornais na rede e em particular nos Estados Unidos os jornais que existem na rede mudaram a maneira de fazer jornalismo. Criam-se jornais, enquanto outros de novo tipo aparecem, já que quem os está lendo também pode contribuir, quer dizer que não há uma função fixa de emissor e receptor, mas todo emissor é receptor e todo receptor é emissor.
Então, com esses, há perspectiva de que se crie neste momento uma nova geração de jornais eletrônicos, uma nova geração de jornalistas eletrônicos, o que faz com que mude a concepção sobre a informação em perspectiva mais positiva.“
FONTE: publicado no site “Cubadebate” e transcrito e traduzido pelo portal “Vermelho”
(http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=170608&id_secao=6) [imagem do Google adicionada por esse blog ‘democracia&política’].
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