Guerrilheiro Virtual

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

“Vazou! A agenda da Liga Árabe para a Síria”

Pepe Escobar, Asia Times Online - The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
 

Eis aqui, em ritmo de curso intensivo, uma síntese das maquinações “democráticas” da Liga Árabe – de fato, Liga do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), porque quem realmente manda nessa organização pan-árabe são duas das seis monarquias do Golfo Persa que integram o CCG, também conhecido como Clube Contrarrevolucionário do Golfo, a saber: o Qatar e a Casa de Saud.

O CCG criou um grupo na Liga Árabe para monitorar o que se passa na Síria. O Conselho Nacional Sírio – baseado na opinião de Turquia e França, países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) – apoiou com entusiasmo a iniciativa. Não por acaso e muito significativamente, o Líbano, vizinho da Turquia, não aprovou a constituição do tal grupo de ‘monitores’.

Quando os mais de 160 monitores, depois de um mês de investigações, publicaram seu relatório... Surpresa! O relatório não repetia a versão do CCG – segundo a qual o governo de Bashar al-Assad-do-Mal estaria unilateralmente e indiscriminadamente, matando o próprio povo, o que tornaria absolutamente necessária e urgente uma “mudança de regime”.

O Comitê Ministerial da Liga Árabe já aprovara o relatório, por quatro votos a favor (Argélia, Egito, Sudão e Omã, membro do CCG) é só um voto contrário (adivinhem: claro, o Qatar – atualmente na presidência da Liga Árabe, porque o emirado comprou da Autoridade Palestina o turno, na presidência rotativa da instituição).

Então aconteceu que o relatório foi ou completamente ignorado (pela mídia-empresa ocidental) ou detonado sem piedade (pela mídia árabe que, praticamente toda ela, é financiada ou pela Casa de Saud ou pelo Qatar). O relatório não foi sequer discutido – porque o Conselho de Cooperação do Golfo impediu que, traduzido do árabe ao inglês, fosse publicado no website da Liga Árabe.

Até que, afinal, o relatório vazou. Pode ser lido em inglês, na íntegra em: Report of Arab League Observer Mission”.

O documento é absolutamente claro e assertivo: não há nenhum tipo de repressão letal organizada pelo governo sírio contra manifestantes pacíficos. Em vez disso, o relatório denuncia as muitas gangues armadas como responsáveis pela morte de centenas de civis e de mais de mil soldados do exército sírio, em atentados organizados e letais (explosões de ônibus de transporte de civis, ataques a bomba contra trens carregados de óleo diesel, ataques a bomba contra ônibus de transporte de policiais e ataques a bomba contra pontes e oleodutos).

O relatório não confirma a versão oficial distribuída pelo CCGOTAN para o caso sírio, de levante popular esmagado por tanques e balas. Na mesma direção do relatório, também Rússia e China, do grupo BRICS, e muitos países do mundo em desenvolvimento vêem o governo sírio em luta de resistência contra grupos de mercenários estrangeiros pesadamente armados. O relatório caminha na direção de confirmar essas suspeitas.

O Conselho Nacional Sírio é constituído de “irmãos” da Fraternidade Muçulmana aliados à Casa de Saud e ao Qatar – que recebem também o discreto e incômodo apoio de Israel, nos bastidores. Legitimidade não é o forte do CNS. Quanto ao Exército Sírio Livre (ESL), há desertores e há quem se oponha ao regime de Assad, mas, sobretudo, o ESL está infestado de mercenários estrangeiros armados pelo Conselho de Cooperação do Golfo, especialmente gangues salafistas.

Seja como for, o CCGOTAN, impedido de aplicar na Síria o modelão padrão de implantar “democracia” à custa de bombardear até destruir o país sendo isso necessário para livrar-se do ditador-do-mal proverbial, não se deixará paralisar. A Casa de Saud e o Qatar, líderes do CCG, já desmentiram e desqualificaram o próprio relatório dos próprios monitores, e já partiram, desembestados, para decidir, de vez, a questão: trabalham hoje para impor mudança de regime na Síria, como interessa ao CCGOTAN, usando o Conselho de Segurança da ONU como seu instrumento.

Assim se vê claramente que o atual movimento “liderado pelos árabes para assegurar solução pacífica a dez meses de conflitos” na Síria, através da ONU, nada é além de evidente tentativa de derrubar o governo sírio, o que se chama hoje ‘mudança de regime’. A discussão prossegue.

Até aqui, os suspeitos de sempre – Washington, Londres e Paris – já foram obrigados a garantir à comunidade internacional que não se trata de obter autorização da ONU para que a OTAN destrua a Síria como destruiu a Líbia. A secretária de Estado Hillary Clinton defende o golpe como “uma via para transição política, que preservará a unidade e as instituições sírias”.

Mas Rússia e China, dois BRICS, estão vendo as coisas como as coisas são. Um terceiro BRICS – a Índia – além do Paquistão e da África do Sul, também já levantou sérias objeções ao projeto de resolução que o CCGOTAN tenta impor ao Conselho de Segurança da ONU.

Não haverá outra zona aérea de exclusão à moda líbia; afinal, o regime de Assad não está usando aviões Migs contra civis. Qualquer resolução para mudança de regime na Síria será vetada por Rússia e China. O próprio bloco CCGOTAN está desarranjado, porque os diferentes subgrupos – Washington, Ancara e o duo Casa de Saud/Doha – têm diferentes agendas geopolíticas de longo prazo. Isso, para nem falar de um parceiro comercial e vizinho crucialmente importante da Síria, o Iraque, que também se opõe a qualquer esquema para mudança de regime.

Tudo isso considerado... Por que a Casa de Saud e o Qatar, tão interessados em “democracia” na Síria... Por que não usam todo o seu imponente arsenal de armas norte-americanas para, na calada da noite – como fizeram no Bahrain – invadir a Síria e executar a tal “mudança de regime”, eles mesmos?
(comentário de Gustavo Adolfo no FB e postado por Castor)
Gustavo Adolfo escreveu: "Ou seja, não fosse o “Non” conjunto de China e Rússia na ONU – ao que parece, reiterado nesta semana -, já teríamos visto uma repetição da Líbia na Síria.

O que nos leva a supor que, muito provavelmente, um hipotético relatório da Liga Árabe sobre a Líbia, caso tivesse havido a oportunidade para tal, teria produzido conclusões semelhantes (por tudo o que se leu fora do circuito PIG e GAFE e congêneres internacionais associados).
E serão a casta de poderosos que domina o mundo capitalista e seus veículos de propaganda oficiais (PIG, GAFE, AP, Reuters, AFP, CNN, Fox, The Guardian, etc, etc...) os únicos culpados, como se verdadeiros demônios fossem?
É politicamente incorreto apontar o dedo para o meu vizinho, por exemplo, que consome ávida e mansamente tais veículos e se acha muito bem informado e cheio de “certezas” – “Atire a primeira pedra quem ...”, dirão os mais católicos.
No entanto, tenhamos a coragem de admitir: se há algum culpado na forma como as coisas são noticiadas, então a culpa tem que ser diluída por todos, produtores e consumidores.
Assim como não existem demônios, não existem santinhos ingênuos (alienadinhos, coitados, bastando que lhes digamos a “verdade” para que abandonem o seu posto nessa massa inerte), e, no fundo, ouvimos o que queremos ouvir.
Por exemplo, peguemos o Haiti, e tentemos identificar aí – na forma como se noticiam os eventos das últimas duas décadas que ali ocorreram – a semente, o germe, o ovo da serpente desse mesmo conformismo, por parte dos consumidores de notícias, ou dessa mesma manipulação, por parte dos que as produzem (as notícias): que exemplo melhor de distorção e inverdade sobre o Haiti existe senão o artigo de Emir Sader, “A maravilhosa revolução haitiana”, para continuarmos no mesmo terreno da política externa? Que exemplo melhor de conformismo existe senão a aceitação desse mesmo artigo por parte dos habituais leitores do articulista, ou, quando muito, o silêncio a respeito do tema? (silêncio esse particularmente sintomático tendo em vista a recente visita oficial do Brasil à ilha Hispaniola)
A questão, em última análise, remete à existência de uma zona de conforto, zona essa que não é prerrogativa apenas de burgueses conservadores consumidores de drogas pesadas como PIGs, GAFEs, APs, AFPs, Reuters, etc, etc, etc..."

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