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quinta-feira, 14 de junho de 2012

Grécia: o lado mais sinistro da crise

A bandeira da expulsão violenta de imigrantes doentes dos hospitais (além das crianças “estrangeiras” das creches), defendida pela extrema-direita grega, casou com um momento em que falta merendas nas escolas e material médico, além de pessoal, nos hospitais públicos superlotados.

Flávio Aguiar
 
Em conversas por aqui tenho sugerido que a crise e sua administração “austera”, destruindo direitos e sonhos, está desencavando abantesmas sinistras pela Europa: refiro-me a teses e práticas soturnas da extrema-direita que podem levar o convulsões dramáticas em vários países, como já houve no passado.

Várias pessoas recebem esse comentário com ceticismo, talvez acreditando que eu seja um caçador de pesadelos.

Mas as coisas são o que são, e só não vê quem não quer.

Na terça-feira, 12 de junho, às vésperas das decisivas eleições gregas (17 de junho, coincidindo com o segundo turno da francesa), um dos líderes do movimento/partido “Aurora Dourada”, de extrema-direita, veio em meu socorro. Ilias Panagiotaro, o líder em questão, disse que se o seu partido (que em 6 de maio obteve 21 cadeiras no parlamento grego, entre 300) vencesse as eleições no próximo domingo, imediatamente seus partidários começariam a percorrer hospitais e creches na Grécia para “jogar na rua” doentes e filhos de imigrantes, a fim de que os gregos pudessem ocupar essas vagas. A ameaça lembra coisas como a chamada “Noite dos Cristais” na Alemanha, quando os nazistas depredaram lojas de judeus e sinagogas. 

Os membros do “Aurora Dourada” vem protagonizando cenas e mais cenas de violência. Na última delas (antes das declarações de Panagiotaro), o deputado Ilias Karadiaris agrediu fisicamente duas mulheres durante um debate televisionado – e na frente das câmeras. Primeiro ele jogou um copo d’água numa das debatedoras. Na seqüência a também deputada Liana Kanelli, do Partido Comunista, que estava a seu lado, tentou detê-lo, e ele deu três tapas em sua cabeça. Karadiaris foi contido pelo pessoal da emissora e fechado numa sala, enquanto a polícia era chamada. No entanto ele arrombou a porta e se evadiu, estando agora foragido.

A bandeira da expulsão violenta de imigrantes doentes dos hospitais (além das crianças “estrangeiras” das creches) casou com um momento em que falta merendas nas escolas gregas e material médico, além de pessoal, nos hospitais públicos superlotados. O dr. Reveka Papadopoulos, diretor da organização Médecins sans Frontières na Grécia, declarou recentemente que o corte da distribuição gratuita de seringas e agulhas para drogados provocou um aumento dramático do número de casos de HIV positivo em Atenas. Segundo o doutor, hoje pode-se avaliar num aumento de 1.450% nos casos em Atenas, referindo-se ao aumento de casos entre 2010 e 2011. Para a população em geral o aumento foi de 52%, o que equivale a dizer que esse número total deve ter aumentado de cerca de 8.800 casos no país para mais de 12 mil.

Dados da organização dizem que a demanda nos hospitais públicos aumentou em 24% no último ano, enquanto as verbas disponíveis caíram em mais de 40%. Além disso a polícia tem realizado blitzes sucessivas contra imigrantes, com seguidas denúncias por parte da Anistia Internacional de atitudes discriminatórias e persecutórias.

Fala-se agora – e não apenas na extrema-direita – em votar uma lei cassando o direito dos filhos de imigrantes nascidos na Grécia serem considerados cidadãos do país.

O dr. Papadopoulos também assinalou que cresce o número de casos de malária entre a população, sobretudo no sul do país, além dos casos de tuberculose e febre do Nilo (um tipo de encefalite virótica que pode atacar o sistema nervoso central). Comentou ainda que o fim do fornecimento de agulhas e seringas aos drogados vai além da questão da falta de recursos, revelando uma “conceituação inadequada do problema”. Como exemplo dessa visão equivocada ele citou ainda a iniciativa de não propiciar tratamento médico a imigrantes ilegais, o que considerou uma “atitude esquizofrênica”.

Para completar esse quadro sinistro, grupos de direitos humanos e partidos de esquerda acusam membros da polícia de cumplicidade com o “Aurora Dourada”.
Acho que alguns de meus interlocutores terão de repensar a sua indiferença.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.

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